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dessem vazão aos seus medos, aos receios diante de tantas tarefas que ti
nham pela frente nessa terra em que tudo parecia diferente. Já os amerín
dios, com suas flautas e instrumentos de percussão, cantavam em conjunto,
uma música sem letra. Era só som, um só som. Mas era também um lamen
to.
Lamentavam as dificuldades da vida, os desafios que precisavam ser
vencidos.
Dos dois lados da floresta a sonoridade ecoava, distinta, mas cada vez
mais harmoniosa. Estranho é que, quando ouvidos em conjunto, aqueles sons
dispersos pareciam mais fortes. Quem sabe essa seria uma bela maneira de
iniciar uma nova vida, em conjunto.
Aukê foi dormir pensando em Pedro e com vontade de vê-lo no outro dia.
Pedro recolheu-se em sua cabine, não sem antes dar um jeito de acomo
dar seu Papageno, que escapara de virar cocar ou saiote. Na verdade, o bi
chinho estava de barriga bem cheia de tanto comer doce e roubar o milho do
chão. Dormia satisfeito nessa sua terra em que cada um tinha o direito de
falar suas palavras e todos (de alguma maneira) se entendiam.
Antes de apagar a vela ao lado de sua cama, Pedro molhou a pena no tin
teiro e anotou no seu diário:
“O dia foi cheio e devolveu, como numa maresia, muitos presen-
tes novos. Se estou só agora sei que há lá na floresta alguém que es-
pera por mim. Ele que é tão diferente e tão parecido comigo.”