Entrevista com Regiane Winarski: de fã à tradutora de Stephen King no Brasil

26/02/2024

Leitora de Stephen King desde seus 13 anos, Regiane Winarski é tradutora oficial do Mestre do Terror para a Editora Suma desde It: A coisa (2014), primeiro dos livros do autor que traduziu.

Formada em Produção Editorial pela ECO-UFRJ e especializada em tradução literária, a fã nunca havia imaginado se tornar uma peça-chave nas publicações brasileiras de um de seus autores favoritos.

Conheça mais da história profissional de Regiane Winarski, nesta entrevista concedida exclusivamente por email ao Blog da Companhia.

Regiane Winarski é a tradutora oficial de Stephen King para a Editora Suma desde It: A coisa (2014).

 

Confira a entrevista completa:

 

Blog da Companhia: Há quanto tempo você trabalha com tradução? Já trabalhou com outra coisa dentro do mercado editorial?

Regiane Winarski: Comecei na tradução em 2008. Até o final de 2006, eu era professora de inglês e passei o ano de 2007 estudando para começar a trabalhar com tradução. Minha formação é em Produção Editorial pela ECO-UFRJ e eu pretendia seguir a carreira em editora, mas a vida acabou me levando por outro caminho.

 

BC: Qual foi o primeiro livro de Stephen King que você traduziu? Conte um pouco sobre o processo.

RW: Meu primeiro foi nada menos que It: A Coisa. Uma baita responsabilidade para começar, mas eu já era conhecedora e fã do autor, então não era exatamente novidade para mim. Foi um processo longo de nove meses com férias no meio e que teve altos e baixos, porque o livro é muito longo e muito cansativo emocionalmente. Havia momentos em que eu ficava empolgadíssima com o trabalho e outros em que abrir o arquivo me cansava. Mas deu tudo certo no final, ufa. Hoje em dia, relembro com muito carinho alguns dos momentos desse trabalho (pois é, a gente que traduz muitas vezes se lembra de detalhes do processo).

 

BC: Como tradutora de Stephen King, qual foi o projeto que você mais gostou de trabalhar e por quê?

RW: Eu amei traduzir Depois. Eu gosto da grande maioria dos livros dele que eu traduzi, mas a voz do personagem Jamie Conklin me cativou desde a primeira página, quando ele explica que a história vai ter muitos palavrões porque a mãe era desbocada. Foi um trabalho divertido e gostoso demais.

 

BC: Existe algum livro do autor que você não gostaria de trabalhar por algum motivo?

RW: Tem um livro dele que eu li há muitos anos e não gostei. Já virou até piada entre fãs do autor que me acompanham, tem gente que sempre brinca que esse dia vai chegar. Mas eu trabalharia até nele tranquilamente, porque, no fim das contas, trabalhar com textos do King é sempre um prazer.

 

BC: Que recursos você usa para manter a atmosfera de terror traduzindo o livro para o português brasileiro?

RW: Eu tento focar muito nas sensações. O que o King queria que as pessoas sentissem quando lessem isso? Como eu posso tentar fazer quem está lendo em português sentir o mesmo? Eu procuro também fazer uso do inusitado na tradução, que é algo que o King faz muito nos textos dele. Alguns dos livros dele têm escolhas de palavras e trechos bem especiais, que eu fiz justamente pra tentar manter algum tipo de clima. O mais curioso é pensar que na maioria das vezes quem está lendo nem percebe esses detalhes pontuais, mas se ajudar a construir o clima já valeu.

 

BC: Qual foi o termo mais inusitado que você precisou pesquisar ou estudar para traduzir em alguma história de Stephen King? E qual foi o termo mais difícil de traduzir até hoje? Existem trechos de tradução em que você trouxe algo tipicamente brasileiro?

RW: Os livros do King de tempos em tempos apresentam coisas bem específicas que eu preciso pesquisar. Pensando na tradução mais recente, Holly, eu precisei pesquisar uns detalhes relacionados à atividade do casal de idosos que foram meio… intragáveis. (Tentando aqui poupar quem não leu dos spoilers.) O mais difícil até hoje com certeza foi no conto Blockade Billy, do livro O bazar dos sonhos ruins: eu precisei parar de trabalhar uns três dias para estudar beisebol e tentar fazer uma tradução minimamente passável do conto. E sobre algo tipicamente brasileiro, acho que foi quando eu usei “São Longuinho” no Depois. O original dizia Santo Antônio (St. Anthony), e descobri que ele é o patrono das coisas perdidas. Mas achei que no português ficaria bem mais legal usar São Longuinho, até porque casava muito bem com o tom leve e divertido do livro.

 

BC: Sabemos que você também é fã de Stephen King, em sua opinião qual é (ou quais são) o melhor livro do autor e por quê?

RW: Eu adoro vários livros dele. Sou fã inveterada dos livros da Torre Negra, uma série que eu li há tanto tempo que vivo com a sensação que preciso ler de novo (e eu gosto do final!). Um dos pontos fortes do King é construção de personagem, e nesses livros ele faz isso bem demais. Impossível terminar sem se sentir quase que parte do Ka-tet. Outros queridinhos meus são Novembro de 63 (é uma história muito emocionante!), os livros de contos antigos Tripulação de esqueletos e Sombras da noite (alguns dos melhores contos dele estão nesses livros), Dolores Claiborne (eu amo o jeito como ele decidiu contar essa história e como ela se desenrola)... Na verdade, essa é uma pergunta muito difícil para mim, porque eu gosto de muita coisa dele e fica difícil escolher (risadas).

 

BC: Atualmente você, além de fã do autor, é também a porta voz das histórias de Stephen King no Brasil, e os próprios fãs reconhecem isso. Como é a sua relação com os leitores do seu trabalho?

RW: Tenho muita sorte nesse sentido. Os fãs do King que costumam interagir comigo nas redes sociais são maravilhosos e muito acolhedores do meu trabalho. Muitas vezes me marcam em postagens quando encontram as pequenas pérolas que eu tento colocar nas traduções (eu amo quando fazem isso!), mandam mensagens, são muito generosos comigo. É gostoso demais interagir nas redes com essas pessoas.

 

BC: Ainda sobre isso, como você lida com a responsabilidade de traduzir textos já considerados canônicos para a literatura de terror? O processo de tradução é diferente dos textos contemporâneos?

RW: Eu vejo com muita naturalidade. Eu sou tradutora profissional e acredito que haja confiança no que eu faço quando pego um texto antigo e consagrado dele. Algumas decisões mais marcantes foram divididas com a equipe editorial (na tradução de It: A coisa, eu pedi para mantermos o nome do palhaço como Pennywise, e eu sugeri a mudança do nome da loja no Trocas macabras, e chegar ao nome final foi uma troca riquíssima com a editora da época), mas eu tenho muita liberdade para tratar o texto da forma que acho que devo. Claro que eu sempre fico aguardando alguma reação do fandom, mas em geral tudo tem sido muito positivo. E é maravilhoso participar do processo de trazer os livros esgotados do King pro público leitor.

É maravilhoso participar do processo de trazer os livros esgotados do King pro público leitor.

 

BC: Existe alguma (ou algumas) adaptação para o cinema ou TV (ou outro formato) de histórias de Stephen King que você tem como favorita? Por quê?

RW: As minhas de coração são os clássicos À espera de um milagre, Um sonho de liberdade em e Conta comigo (os dois últimos, originalmente, novelas presentes no livro Quatro estações). Gosto de algumas outras, mas essas três são as queridinhas. Acho que o motivo de uma adaptação conseguir cativar meu coração é quando ela é fiel a esse espírito de construção de personagens do autor. Muitas adaptações focam demais no terror, no grotesco e no susto em detrimento dos personagens, e aí eu acho receita quase certa para não dar certo.

 

BC: Qual é a sua relação com o livro Dolores Claiborne, anteriormente publicado como Eclipse total? Como foi o processo de tradução do livro?

RW: Dolores é um livro lindo. Eu amo que ele é contado como um depoimento dela na polícia, que ela dá de uma tacada só (o King adora fazer umas coisas assim, uns livrões enormes que se passam todos em um dia só – e a gente muitas vezes lê de uma tacada só). Amo a forma como a voz da personagem aparece no jeito de falar, na escolha de vocabulário, na estrutura do texto. Gosto das histórias de mulheres que vão contra o que a sociedade impõe para elas. E gosto muito também da pequena interação entre esse livro e Jogo perigoso, que aliás é outro queridinho meu. A tradução foi um prazer. Os desafios desse livro são do tipo que eu gosto: as escolhas de vocabulário e recursos de oralidade para trazer para o português exatamente o jeitinho da personagem. Estou ansiosa para ver o livro prontinho e saber a opinião do público leitor.

 

BC: Você já assistiu Eclipse Total, adaptação de 1995 do livro Dolores Claiborne? O que acha do filme?

RW: Assisti, mas há muito tempo. E eu tenho uma memória meio de Dory, risos. Preciso assistir de novo, mas tenho lembranças de ter gostado da adaptação. Acho a Kathy Bates maravilhosa.

 

BC: Além de Stephen King, existe algum(a) outro(a) autor(a) da Companhia das Letras que você seja muito fã?

RW: Eu tenho alguns autores muito queridos, de quem eu quero ler tudo (mas ainda não consegui): Mia Couto, Shirley Jackson, Julio Cortázar, Ian McEwan, Érico Veríssimo… e estou sempre tentando conhecer alguns novos. Agora estou começando a me aventurar pelo Murakami, que sempre é muito elogiado. E li um da Ana Paula Maia e amei, já coloquei o outro na fila. Só falta tempo para ler mais!

 

BC: Se tivesse a oportunidade fazer uma pergunta para o Mestre do Terror, o que você perguntaria?

RW: Nossa, acho que eu ficaria muda se parasse na frente dele e fosse fazer uma pergunta (risadas). Mas falando sério, acho que eu perguntaria como ele imagina que seja a experiência dos leitores brasileiros lendo as histórias dele, que são bem típicas dos Estados Unidos, com tantos elementos culturais de lá. Principalmente as passadas no Maine, num frio que a gente não tem aqui. E acho que pediria para ele escrever uma história com uma personagem tradutora...

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