Meus verões em Caraguá

19/07/2018

 

Por Estéfi Machado

Desde que eu me entendo por gente, lembro estar sempre no meio de muita criança. Mas muita é muita mesmo, sem miséria, beirando os dez exemplares; às vezes, chegando a quinze. E em tempo de férias não podia ser diferente. Começa que lá em casa já somos um combo de cinco. Sou a do meio. Sim, a do meio, a arquiteta dos planos infalíveis e das roubadas com final tragicômico.

 

 

Costumávamos passar férias na praia de Caraguá, casa da minha vó Tunina, que, além de deixar saudades, ainda deixou um cantinho delicioso, cenário de ricas memórias por muitos e muitos anos. A gente lá vivia solto. Na praia, na rua, no terreno baldio, nos vizinhos. Sem filtro solar, sem celular, sem chip implantado em nenhum de nós. Sobrevivemos. E como vivemos!

As conchas que tínhamos recolhido o dia inteiro na praia eram raladas na calçada áspera até surgirem furinhos que mais tarde virariam peças de um colar. Os mariscos para o almoço faziam parte de uma aventura com o meu pai. Tinham sido buscados na areia com o sol queimando as nossas costas que, na hora de dormir, seriam banhadas em Caladryl.

A chuva da tarde criava poças de lama magnificas no terreno baldio da frente, de fazer inveja a qualquer circuito Montessori. A mesa era cheia, tanto de gente quanto de comida. E que comida! De mãe, de tia, de vó. A mesa era sempre habitada por um delicioso e barulhento caos. Crescemos ali, cultivando os rituais que fazem uma família ser uma família.

Os fogos na noite de Ano Novo, o churrasco do tio no dia primeiro, o chuveirão, o florido jardim da tia, as palavras cruzadas no pé da janela, as noites de jogos de buraco, a pilha de gibis do primo no lavabo, até as músicas deselegantes que brotavam dos porta-malas dos carros tinham lá sua poesia.

Vizinhos que viraram namorados, as aulas de direção na Belina prata, a antena parabólica que foi promovida a TV a cabo, os velhos ventiladores que deram a vez para os aparelhos de ar-condicionado. Tempo que passa, vida que fica. Ainda crescidos continuamos fazendo memórias por lá.

Depois, cresceram os filhos, vieram os netos e, num pulo, virão os bisnetos. Muita coisa mudou e ainda vai mudar, só não muda o que ninguém tira. Haja o que houver, seja o que será, nós sempre teremos nossa Caraguá.

Estéfi Machado é designer, fotógrafa, ilustradora, blogueira e crafiteira, autora de O livro da Estéfi.

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