Trecho do livro ENCICLOPÉDIA DA MODA

PREFÁCIO A Enciclopédia da moda cobre o período que vai de 1840 - quando surgiu a máquina de costura, que estabeleceu a base para a indústria de prêt-à-porter - até o fim da década de 90. Concentra-se nas principais capitais da moda dessa época: Paris, Londres, Nova York, Roma e Milão, pois foi a partir dessas cidades que surgiu o principal impulso da moda, embora outros lugares, como Hollywood, também tenham dado sua contribuição. As biografias dos estilistas - os inovadores, os criadores, os intérpretes, mesmo aqueles cuja contribuição não foi maior nem menor do que fazer um bom trabalho durante um período específico - são importante componente deste livro. O primeiro estilista digno de nota foi Charles Worth. Um inglês em Paris, era considerado uma celebridade, cujos dons para o marketing e a publicidade, combinados a um talento inquestionável, estenderam sua influência para muito além do guarda-roupa dos bem vestidos. Nele podemos vislumbrar um criador de moda dos tempos modernos. Foi quem abriu caminho para outros grandes nomes do início do século XX: Doucet, Paquin, Poiret, Lanvin... As viagens e os meios de comunicação espalharam a notícia. Patou levou modelos dos Estados Unidos para mostrar suas roupas em Paris - americanas esportivas que se adaptavam às alegres roupas da década de 20. Duas mulheres assumiram as rédeas nas décadas de 20 e 30: Chanel e Schiaparelli. As idéias de Chanel continuam vivas; seu estilo era tão informal, desestruturado e descomplicado quanto ela mesma era complexa. Elsa Schiaparelli, com suas roupas espirituosas e irreverentes, trouxe humor à moda, buscando no mundo da arte as idéias mais avançadas para usá-las em seus modelos. Graças a ela, moda e arte se fundiram, e a moda nunca mais foi levada tão a sério. Durante a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos perderam o contato com Paris e começaram a seguir seu próprio caminho. Na capital francesa, a moda se manteve estagnada até 1947, quando Dior atraiu a atenção de todos. Embora estilistas parisienses estivessem trabalhando desde 1939 (e durante os anos da guerra) para criar um novo estilo, que em 1947 ficaria conhecido como o New Look, foi Dior quem o lançou, e é a ele que esse estilo será irrevogavelmente ligado. A alta-costura de Balmain e Balenciaga dominou a década de 50, mas isso mudaria na década seguinte, quando Saint-Laurent levou a moda de rua à passarela, e muitos tabus foram quebrados na onda da cultura pop. Mary Quant tornou-se a heroína dos anos 60. A "sóbria década de 70" assistiu à ascensão de dois estilistas influentes nos Estados Unidos: Ralph Lauren, que captou a essência da América aburguesada ao romantizar o passado pioneiro; e Calvin Klein, cujas formas simplificadas transmitem um visual sem adornos e minimalista. Depois da revolução do vestuário nos anos 60, os anos 70 voltaram-se para a modernização de propostas clássicas ou, no outro extremo, para trajes temáticos, trajes de discoteca, moda étnica e "trajes executivos" para mulheres. No final da década, surgiram os japoneses: Miyake, Kawakubo e Kansai Yamamoto construíram uma ponte não só do Oriente para o Ocidente, mas também da década de 70 para a de 80. Eles lançaram a sobreposição de peças e, com isso, uma nova forma de encarar as roupas. Seu legado atravessou os anos 90 com o look minimalista, e suas idéias foram reexploradas pelos "desconstrucionistas". O final do século XX foi marcado por um clima que nasceu com a revolução de costumes dos anos 60, e levou os criadores a olharem, cada vez mais, para as ruas e para a cena urbana multicultural em busca de inspiração. Estilistas como Vivienne Westwood uniram moda a sexo agressivo e cultura jovem anárquica. Foi nas ruas que nasceu o grunge, uma revolução tão importante como a que ocorreu nos anos 60. Os "desconstrucionistas" - como os belgas Martin Margiela e Ann Demeulemeester - desafiaram todo o conceito de vestuário ao reduzir os trajes a seus componentes básicos, rasgando e esfarrapando roupas; reposicionando mangas, zíperes e golas; e fazendo experimentos com tecidos inusitados. Ao mesmo tempo, ocorreu um renovado interesse pela alta-costura, quando as coroas das grandes casas de Paris passaram para as mãos jovens de John Galliano e Alexander McQueen. A moda também foi influenciada pelos criadores de figurinos para o cinema, principalmente no início do século XX. Embora o impacto da televisão tenha sido mais geral, o poder de suas imagens - homens do espaço com macacões, exércitos com fardas de combate, hippies e até tribos africanas pouco conhecidas - ajudou a difundir, ou mesmo iniciar, uma tendência. Ilustradores também estão incluídos aqui. Na virada do século XIX, mais de cem periódicos de moda eram publicados em Paris. Os artistas da Gazette du Bon Ton lançaram o seu. As criações de Bakst para o teatro influenciaram a moda anterior à Primeira Guerra Mundial, enquanto Barbier e Lepape caracterizaram a mulher da época, assim como Eric faria trinta anos depois. Quando a fotografia se tornou a forma visual dominante, Steichen, Hoyningen-Huene e Horst, seguidos por Avedon, Penn, Parkinson e, mais tarde, Bailey, trouxeram suas interpretações pessoais de humor e estilo. Bruce Weber eliminou o artifício do gênero. A moda não atrairia tanta atenção sem os editores de revista, cujos olhos selecionam os estilos de amanhã, e cujas mãos contratam o talento e a habilidade de hoje. Condé Nast, John Fairchild, Edna Woolman Chase, Diana Vreeland, Carmel Snow são nomes tão reverenciados hoje quanto os estilistas que eles mostravam em Harper's Bazaar, Vogue e Women's Wear Daily. Os artistas também estão relacionados: Christian Bérard, que trabalhou com Schiaparelli; Raoul Dufy, que criava tecidos para a Bianchini-Férier; Mondrian, cujas pinturas inspiraram Saint-Laurent; e Bridget Riley, famosa pela Op Art. Há aqueles que seguem lado a lado com a moda, e às vezes a conduzem: Cartier, Schlumberger e Kenneth Jay Lane, por exemplo, nas jóias; Ferragamo, Vivier e Blahnik, em sapatos; Paulette, Reboux, Daché e Treacy, em chapéus; Hermès e Gucci, em acessórios. Jackie Kennedy Onassis, Brigitte Bardot, Jawaharlal Nehru, Dwight D. Eisenhower e Madonna são citados aqui porque estão entre as pessoas que influenciaram a moda ou deram seu nome a uma peça de roupa ou a um estilo. A moda também é o resultado da interação de estilistas com brilhantes mentes comerciais, industriais e científicas. O desenvolvimento das roupas para ginástica, por exemplo, está diretamente relacionado ao progresso na fabricação de fibras e tecidos. No campo da roupa íntima, o avanço dos tecidos também foi significativo. As numerosas e pesadas peças do século XIX foram substituídas por outras (e poucas) mais leves. Mais de uma peça íntima passou a ser peça externa; o penhoar transformou-se em vestido de chá e, finalmente, em vestido diurno; o sutiã e a calcinha viraram o biquíni; o espartilho preparou o caminho para o maiô; a camisa íntima, a princípio usada como camisola ou sob o espartilho, tornou-se modelo de vestido; combinações e bustiês tornaram-se trajes para a noite. A moda é um reflexo mutável do que somos e dos tempos em que vivemos. As roupas revelam nossas prioridades, nossas aspirações, nosso liberalismo ou conservadorismo. Contribuem muito para satisfazer necessidades emocionais simples ou complexas, e podem ser usadas, consciente ou inconscientemente, para transmitir mensagens sexuais sutis ou diretas. Emprestam cor e forma a nosso ambiente e dão forma a nossos sentimentos. Como mostra este livro, as roupas e os estilistas que as criaram são a primeira e a última palavra da linguagem que é a moda. NOTA DA EDIÇÃO BRASILEIRA Os verbetes sobre a moda brasileira incluídos neste livro foram elaborados pela jornalista Cynthia Garcia, formada em história da arte pelo Fleming College (Florença, Itália) e, durante quinze anos, colaboradora e editora de edições especiais da revista Vogue e Casa Vogue. Atualmente é editora da revista Wish Report e professora do MBA Gestão do Luxo da Fundação Armando Alvares Penteado ( FAAP).