Trecho do livro O RIO DA DÚVIDA

1. Derrota A fila diante do Madison Square Garden começou a se formar às 17h30, no momento em que um sol alaranjado de outono se punha em Nova York, na véspera do Dia das Bruxas, 1912. Faltava ainda uma hora e meia para o horário previsto para a abertura das portas, mas a excitação em torno do último grande comício da campanha presidencial do Partido Progressista fazia prever casa lotada. O partido ainda estava na infância, lutando para se firmar em sua primeira eleição nacional, mas dispunha de algo que os democratas nunca haviam tido e que os republicanos haviam perdido nos últimos tempos, um astro capaz de atrair dezenas de milhares de pessoas ao Garden naquela noite: Theodore Roosevelt. Roosevelt, um dos presidentes mais populares da história de seu país, prometera nunca mais concorrer, depois de conquistar seu segundo mandato na Casa Branca, em 1904. Mas agora, oito anos depois, não estava só concorrendo a um terceiro mandato; ele estava, para horror e indignação de seus antigos correligionários republicanos, concorrendo como candidato de um terceiro partido, contra democratas e republicanos. A decisão de Roosevelt de abandonar o Partido Republicano e disputar as eleições como progressista tinha sido duramente criticada, não apenas porque ele assim turvava as águas da política, mas porque ainda contava com uma grande e quase fanática legião de fiéis seguidores. Roosevelt tinha 1,73 metro, mais ou menos a estatura média de um homem americano no início do século XX, pesava mais de noventa quilos e tinha uma voz que soava como se ele tivesse acabado de inalar um pouco de hélio, mas sua personalidade descomunal tornava-o inesquecível - e completamente irresistível. Adorava inclinar-se para a frente no palanque como se estivesse a ponto de agarrar a platéia pelo colarinho; falava depressa, brandia os punhos, agitava os braços, transmitia uma corrente de eletricidade à multidão. "Essa energia e essa vitalidade incontidas impressionavam a gente como as forças perenes da natureza", escreveu certa vez sobre Roosevelt o naturalista John Burroughs. "Quando ele entrava no recinto, era como se uma ventania tivesse aberto a porta com violência." Como esperado, Roosevelt estava se mostrando um adversário perigoso para o candidato democrata, Woodrow Wilson, e mais ainda para o presidente William Howard Taft, o insípido tarefeiro republicano que Roosevelt escolhera para ser seu sucessor quatro anos antes. Era uma disputa acirrada, e Roosevelt esperava que aquele comício, estrategicamente agendado para apenas uma semana antes do dia da eleição, pudesse fazer a votação pender a seu favor. Antes mesmo de as portas serem abertas, mais de 100 mil pessoas se aglomeravam nas calçadas e invadiam as ruas vizinhas. Homens e garotos abriam caminho agilmente no meio da multidão, oferecendo ingressos com audácia bem debaixo dos olhos de uma centena de policiais uniformizados. Os cambistas tinham seu dia de festa vendendo ingressos no meio do tumulto. Dias antes o Partido Progressista, apelidado de "Partido do Alce" em homenagem a seu obstinado líder, afixara um cartaz dizendo INGRESSOS ESGOTADOS, mas atravessadores e marreteiros tinham continuado a fazer com eles um ativo comércio. Assentos chegavam a ser vendidos por sete dólares - aproximadamente 130 dólares em valores de hoje -, e os ingressos mais caros do auditório custavam ao bolso do freguês não menos que cem dólares. No caótico mercado negro, porém, nem mesmo vigaristas experientes podiam ter certeza do que, realmente, tinham comprado. Quando Vincent Astor, filho do financista John Jacob Astor, chegou a seu camarote, encontrou-o já ocupado por George Graham Rice, recém-saído de Blackswell's Island - na época uma das mais terríveis penitenciárias de Nova York. Quando a polícia o retirou dali, Rice resmungou, indignado, que pagara dez dólares pelo camarote de duas poltronas. Mais de 2 mil pessoas tentaram entrar no auditório ignorando a fila e abrindo caminho até o portão numa carruagem alugada ou num daqueles automóveis modelo T descobertos de Henry Ford. Mas essa tática não funcionou para todo mundo. A irmã do próprio Roosevelt, Corinne, foi barrada no portão. Mais tarde ela escreveu: Por alguma razão não explicada o passe que me fora dado naquela noite para entrar de carro não foi aceito pelo policial encarregado, e eu, meu marido, meu filho Monroe e nossa amiga sra. Parsons fomos obrigados a tomar nossos lugares na multidão que saudava, ria e cantava. [...] Como ela balançava e se agitava! Como vibrava de vida e entusiasmo! Como estava imbuída da ambição de um partido sério, e com um profundo e genuíno fervor religioso. Se eu tivesse vivido minha vida toda apenas para ter aqueles quinze minutos durante os quais marchei em direção ao Garden superlotado em meio aos seguidores ardorosos do meu irmão, já me sentiria satisfeita. Envolvida no clima do momento, Corinne, que estava com 51 anos, finalmente conseguiu chegar ao interior do auditório subindo pela escada de incêndio. Theodore Roosevelt, o objeto de todo esse furor, teve quase tanta dificuldade para chegar ao Madison Square Garden quanto sua irmã. A polícia havia interditado a rua 27 entre a avenida Madison e a Quarta Avenida para que seu carro pudesse passar, mas quando a limusine negra despontou na avenida Madison, às 21h15, a excitação que fervera a noite toda transformou-se em histeria. Um repórter do New York Sun ficou estupefato com o caos quando enxames de pessoas investiram sobre o carro de Roosevelt, "gritando como se pusessem para fora suas almas imortais. Elas atravessaram um batalhão de fotógrafos e tentaram levar de roldão os policiais, emaranhando-os e espremendo-os no meio da massa". Roosevelt, um tanto empertigado em seu terno preto, desceu do carro, acenou com o chapéu para a multidão e caminhou por um corredor estreito e móvel que os policiais tinham aberto em meio à pressão sufocante dos corpos. À medida que Roosevelt passava, seus admiradores "emitiam breves e delirantes uivos, gritos de saudação", escreveu um repórter. Quando ele abriu uma porta que levava diretamente ao palanque do orador, o auditório deu a impressão de se expandir com sua mera presença, e as pessoas do lado de fora "tiveram de recuar e ver as paredes do grande edifício vibrarem sob a pressão vocal que vinha de dentro, como a saia plissada de uma dançarina". Dentro do auditório, Edith Roosevelt, uma aristocrata da cabeça aos pés, com o queixo levemente fendido e o pescoço longo e elegante, estava sentada num camarote acima da balbúrdia quando um estrondoso rugido ergueu-se da platéia, anunciando a entrada de seu marido. Quatro colossais bandeiras americanas saudaram Roosevelt, descendo majestosamente da viga central do teto, e um perfeito e maciço alce macho foi colocado sobre um pedestal e iluminado por um holofote, com a cabeça bem erguida, as orelhas eretas, como que prestes a atacar. Roosevelt, ainda notoriamente vigoroso aos 54 anos, saudou seus admiradores com a disposição característica, agitando o braço esquerdo no ar como um moinho de vento. O braço direito, porém, pendia inerte ao lado do corpo. Na última vez que Roosevelt discursara em público - apenas duas semanas antes, em Milwaukee, Wisconsin -, tinha sido baleado no peito por um garçom de bar de Nova York de 36 anos chamado John Scrank, um imigrante bávaro temeroso de que a campanha de Roosevelt por um terceiro mandato fosse uma tentativa de instituir a monarquia nos Estados Unidos. Inacreditavelmente, o pesado capote militar de Roosevelt, o manuscrito de cinqüenta páginas dobrado e o estojo metálico de óculos que levava no bolso superior direito tinham salvado sua vida, mas a bala penetrara uns doze centímetros, alojando-se perto da caixa torácica. Naquela noite, fosse por um legítimo desejo de comunicar sua mensagem ou meramente por um gosto egóico pelo drama, Roosevelt insistira em discursar para uma platéia paralisada de assombro. Com o casaco desabotoado deixando ver a camisa ensangüentada, e o discurso inflamado para que todos pudessem ver os dois buracos sinistros feitos pelas balas do agressor, Roosevelt bradara: "É preciso mais que isso para matar um alce macho!". Agora, no Madison Square Garden, sob uma turbulenta aclamação de 41 minutos, Roosevelt ainda tinha no peito uma das balas de Schrank. Às 22h03, golpeando com o punho o púlpito embandeirado à sua frente e trincando nervosamente os maxilares, ele afinal convenceu a multidão de que falava sério, e o recinto aos poucos se aquietou. Sem a ajuda de um alto-falante, invento que revolucionaria as manifestações políticas no ano seguinte, ele começou o discurso. "Amigos..." Ao som de sua voz, a multidão irrompeu numa estrondosa aclamação que continuou por mais dois minutos. Quando ela arrefeceu, ele começou de novo. "Meus amigos", disse, "talvez uma vez a cada geração..." De repente, de assentos próximos ao palanque, ergueu-se um clamor quando os policiais tentaram empurrar para fora várias pessoas que tinham entrado à força no auditório. Curvando-se para a frente, Roosevelt vociferou: "Deixem essas pessoas em paz, por favor! Guardas, fiquem quietos!". Então, com uma voz que preencheu o recinto, Theodore Roosevelt deu início ao último grande discurso eleitoral de sua carreira política: "Amigos, talvez uma vez a cada geração, talvez não com tanta freqüência, surge uma chance para que o povo de um país desempenhe de modo sábio e destemido seu papel em alguma grande batalha da duradoura guerra pelos direitos humanos". Ainda mantinha o velho ritmo percussivo, fazendo ribombar com vigor os pês e bês, mas o tom perdera a violência, e as palavras, a contundência do passado. Não atacou seus oponentes - o frio acadêmico Wilson e o cordial Taft. Em vez disso, falou em termos gerais sobre caráter, força moral, compaixão e responsabilidade. "Não respondemos à ganância com a ganância, nem ao ódio com o ódio", trovejou. "Nossa crença é a que nos leva a ser justos com todos, sentir simpatia por todos e buscar uma compreensão das necessidades de todos. Nosso propósito é derrotar a iniqüidade." Para as pessoas no auditório, e para milhões de americanos, Roosevelt era um herói, um líder, um ícone. Mas, mesmo quando estava ali em pé no palanque no Madison Square Garden, ele sabia que dali a seis dias iria perder não apenas a eleição, mas também aquela luz brilhante e contínua dos holofotes. Seria insultado por muitos e depois ignorado por todos, e isso representava a pior morte que era capaz de imaginar. "Conheço o povo americano", dissera profeticamente em 1910, por ocasião da recepção digna de um herói que tivera ao voltar de uma épica expedição à África. "Ele tem o costume de erigir um arco triunfal para o Herói Conquistador, que, depois de passar por baixo dele, pode esperar receber uma chuva de pedras nas costas a qualquer momento." No dia da eleição, 5 de novembro de 1912, as sombrias expectativas de Roosevelt a respeito de sua candidatura foram plenamente confirmadas. Woodrow Wilson conquistou a Casa Branca com uma vitória esmagadora, obtendo 2,2 milhões de votos a mais que Roosevelt num universo de 15 milhões de votantes. Roosevelt não perdeu sozinho, porém. Levou consigo Taft, o tarefeiro republicano então na presidência. Apenas 3,5 milhões de americanos tinham votado em Taft, uns 600 mil a menos do que os eleitores de Roosevelt e quase 3 milhões a menos que os de Wilson. O candidato socialista, Eugene V. Debs, saltou para 900 mil votos, mais que o dobro do que obtivera na campanha presidencial anterior, quatro anos antes. Para Roosevelt, que não estava acostumado a perder, mesmo a vitória sobre Taft era um consolo insignificante. Fazia muito tempo que ele perdera o respeito pelo presidente de 130 quilos, desprezando-o como "um tolo pretensioso com um traço de segunda classe e de vulgaridade". Além disso, todo mundo sabia que Taft não estivera de fato na disputa desde o início. Antes da convenção republicana, até a esposa de Taft, a furiosamente ambiciosa Nellie, dissera a ele: "Suponho que você terá de lutar contra o senhor Roosevelt pela indicação; e se você a conseguir, ele o derrotará". Ela estava certa com relação a ambas as coisas. Roosevelt primeiro disputou a indicação republicana, e quando os chefões do partido garantiram a vitória de Taft, contra-atacou garantindo a derrota deles na eleição geral. Como candidato de um terceiro partido, Roosevelt não podia ter esperança de vencer, mas certamente podia causar estrago. Quando apoiado por um Partido Republicano unido, nas campanhas eleitorais anteriores, Roosevelt chegara facilmente à vitória sobre os democratas. Ao voltar sua enorme popularidade contra o antigo partido, contudo, ele meramente dividiu o voto republicano e entregou a eleição a Wilson - um resultado amplamente previsto que, quando se confirmou, provocou duras críticas a sua tática. "Roosevelt desceu ao plano pessoal e bem mereceu a derrota", disparou um editorial do Philadelphia Inquirer. "Mas ele tem a satisfação de saber que, ao dar vazão a sua insaciável ambição e a sua deplorável sede de poder, elevou o Partido Democrata ao controle da nação." Roosevelt nunca desejara compartilhar com o público sua dor pessoal. Numa declaração formal, anunciou: "Aceito o resultado com pleno bom humor e satisfação". Em particular, porém, admitia estar surpreso e abalado pela dimensão de seu revés esmagador. "Não adianta disfarçar o fato de que a derrota na eleição é arrasadora", escreveu ao amigo Arthur Hamilton Lee, adido militar britânico. "Eu esperava a derrota, mas acreditava que faríamos um papel melhor [...] Tento não pensar no dano causado a mim pessoalmente." A velha-guarda do Partido Republicano, outrora um bastião dos amigos e partidários de Roosevelt, apontou-o como o responsável pelo fracasso que colocara um democrata na Casa Branca pela primeira vez em dezesseis anos. Antes da convenção republicana, eles haviam garantido a Roosevelt que, se ele aceitasse a decisão do partido de deixar Taft concorrer à reeleição em 1912, lhe dariam de bom grado a indicação quatro anos depois. Mas seu orgulho ferido e sua paixão pelo que julgava ser uma batalha contra as grandes injustiças da nação tinham-no afastado de qualquer acordo. "Muitos de seus críticos explicaram a ruptura com o Partido Republicano e a liderança de outro partido com base unicamente na teoria de que ele fora movido pelo desejo de vingança", escreveu em 1919 William Roscoe Thayer, amigo de Roosevelt e um de seus primeiros biógrafos. "Já que não podia governar, arruinaria. A velha afirmação de que ele devia estar louco foi, evidentemente, reavivada." Roosevelt passou aquele inverno recolhido em Sagamore Hill com a esposa e a filha mais nova do casal, Ethel. Fazia caminhadas com Edith, respondia cartas e trabalhava silencioso no escritório forrado de livros. Sofria poucas interrupções. "O telefone, que antes costumava tocar como sinetas de trenó durante todo o dia e metade da noite, estava mudo", escreveu o jovem amigo escritor e posteriormente biógrafo de Roosevelt, Hermann Hagedorn. Os vizinhos da costa norte, que nos velhos tempos afluíam em bandos a Sagamore sob qualquer pretexto, a cavalo ou em graciosas carrocinhas, não subiram com seus novos e reluzentes automóveis a nova estrada pavimentada que Roosevelt construíra no ano anterior. O coronel era persona non grata. Tinha feito uma coisa imperdoável - tinha "se voltado contra sua classe". Amigos e colegas que outrora haviam disputado a atenção de Roosevelt agora o evitavam. Roosevelt, a exemplo da esposa, nascera no seio da mais alta sociedade de Nova York. Desde a infância, sempre fora não só aceito, mas admirado e sem dúvida invejado como um Roosevelt, o filho mais velho de um homem rico e respeitável. Como universitário em Harvard, fora membro do restrito e assumidamente elitista Porcellian Club. Durante a Guerra Hispano-Americana, fora glorificado como um coronel corajoso que comandava o próprio regimento - os Rudes Cavaleiros de Roosevelt. E como presidente dos Estados Unidos por quase oito anos, atingira o ápice do poder e do prestígio. Agora, pela primeira vez na vida, era um pária, e tinha a dolorosa consciência disso. Hibernando em Sagamore Hill, Roosevelt, que era famoso pelo otimismo e a confiança quase opressivos, sofria do que sua família qualificou delicadamente de "espírito machucado". "É claro que estou passando por um momento muito difícil, em certo sentido", admitiu a seu filho Kermit no início de dezembro. "Os derrotados são sempre considerados responsáveis por tudo." Os familiares de Roosevelt estavam tão preocupados com seu estado de espírito que pediram discretamente ao dr. Alexander Lambert, médico de Roosevelt e velho amigo de seu pai, que fosse fazer-lhe uma visita. Lambert imediatamente arrumou as malas e partiu para Oyster Bay. "Você não pode imaginar como estou feliz em vê-lo!", Roosevelt confessou ao médico. "Tenho estado indizivelmente solitário. Você não sabe como é desolador para um homem ser rejeitado por sua própria gente." Se a rejeição era novidade para Roosevelt, a perda e a decepção não eram. Embora tivesse apenas 54 anos, já vivera até ali uma vida extraordinariamente plena. Talvez até mais impressionante que os altos e baixos da vida de Roosevelt era a clara relação entre esses dois extremos - o hábito do ex-presidente de procurar consolo das mágoas e frustrações lançando-se a um terreno ainda mais difícil e desconhecido, e desencontrar a redenção punindo-se ao extremo. Quando atingido por tristezas ou reveses cuja superação estava além de suas forças, Roosevelt buscava instintivamente provações ainda maiores, perdendo-se no autoflagelo e no perigo - experiências que acabaram por moldar sua personalidade e animar suas mais impressionantes realizações. O impulso de desafiar as privações tornou-se uma parte fundamental do caráter de Roosevelt, afiada desde a mais remota infância. Frágil e enfermiço quando criança, e atacado por uma asma ameaçadora, Roosevelt impôs a si próprio um regime de severos exercícios físicos, num esforço para subjugar sua fraqueza. Corinne lembrava-se do irmão como "um sofredor frágil e paciente [...] às voltas com o esforço de respirar" na creche que eles freqüentavam, na rua 20 Leste, em Nova York. Mas antes de atingir a adolescência Theodore já estava decidido a libertar-se da invalidez e da debilidade. Mediante o que Corinne descreveu como "movimento regular e monótono" - pendurando-se em barras horizontais, debatendo-se com halteres pesados e difíceis de manejar -, Teddie, como a família o chamava, aos poucos alargou o tórax, fortaleceu os braços e se transformou num rapaz cujo corpo era tão vigoroso e firme quanto a mente. Embora tenha sido a disciplina férrea do próprio Theodore que empreendeu essa transformação, foi o incentivo de seu pai que despertou essa resolução. Theodore pai teve papel importante na vida de todos os seus filhos, mas para o primogênito ele foi ídolo, herói e salvador. "Uma de minhas lembranças", escreveu Roosevelt, "é a de meu pai andando para lá e para cá pelo quarto à noite, comigo nos braços, quando eu era ainda uma criatura bem pequena, e de estar sentado na cama arfando, com meu pai e minha mãe tentando me ajudar." Desesperados para fazer o filho respirar, Theodore e Martha Roosevelt tentaram de tudo, dando café preto bem forte para Teddie beber, forçando-o a vomitar com xarope de ipecacuanha enfiado goela abaixo, ou pairando sobre ele enquanto o coitado fumava um charuto. Finalmente, Theodore pai sentou-se com o filho e disse que este tinha o poder de mudar o próprio destino, mas para isso teria de trabalhar duro. "Theodore, você tem a mente, mas não tem o corpo", argumentou, "e sem a ajuda do corpo a mente não consegue ir tão longe quanto deveria. Você precisa fortalecer o seu corpo. É um sacrifício enfadonho fortalecer o próprio corpo, mas eu sei que você vai conseguir." Teddie, então com apenas onze anos de idade, rutilou seus famosos dentes e, aceitando o desafio, gritou: "Vou fortalecer o meu corpo". Roosevelt fortaleceu de fato o corpo, e nunca mais deixou que ele ficasse fraco ou indolente. Ao contrário, o que começou como sacrifício logo se tornou uma compulsão. Ao longo da vida adulta, Roosevelt teria prazer com o esforço físico, e o usaria não apenas como meio de manter o corpo em forma e a mente afiada, mas como sua arma mais efetiva contra a depressão e o desespero. Em Harvard, Roosevelt foi ficando cada vez mais forte e vigoroso até finalmente superar a asma. Começou mesmo a lutar boxe, tomando aulas e se preparando para os confrontos. No início de 1879, venceu sua primeira luta de boxe e conquistou renome no campus - não apenas pela força, mas também pela honra. William Roscoe Thayer, contemporâneo de Roosevelt em Harvard, nunca esqueceria aquela luta. "Quando o árbitro anunciou 'Tempo', Roosevelt imediatamente baixou as mãos", escreveu Thayer mais tarde, "mas o outro homem deu-lhe um golpe violento no rosto, diante do que todos berramos 'Falta, falta!' e vaiamos; mas Roosevelt se virou para nós e gritou: 'Quietos! Ele não ouviu', num gesto de nobreza que o tornou imediatamente popular." Durante o segundo ano em Harvard, seu pai - "o melhor homem que conheci" - morreu de câncer no estômago, aos 46 anos. Pego de surpresa, Roosevelt cambaleou diante da maior perda de sua vida até então. "Se eu tivesse muito tempo para pensar", escreveu em seu diário, "acho que teria enlouquecido." Depois do funeral do pai, Roosevelt reagiu. Logo após o término do ano escolar, escapou para Oyster Bay para lutar recluso contra a dor e a raiva. Na pequena e arborizada aldeia onde sua família passava os verões havia muito tempo, ele nadou, fez caminhadas, caçou e galopou pelo bosque na égua Lightfoot [Ligeira], exigindo tanto dela que quase a destruiu. Então, antes de voltar para Harvard, desapareceu na mata do Maine com um caipira de aspecto ursino chamado Bill Sewall. "Cuide de Theodore", aconselhou a Sewall um médico que viajava com Roosevelt. "Ele não é forte, mas é pura valentia. É capaz de se matar antes mesmo de dizer que está cansado." Roosevelt emergiu daquele verão determinado a sobreviver a qualquer perda. E perdas viriam. Em seguida à morte do pai, Roosevelt teve uma seqüência de conquistas. Formou-se em Harvard com distinção, casou-se com Alice Lee - uma bela loira que estava certo de que não o aceitaria, "mas", ele insistia, "eu vou tê-la!" - e, aos 23 anos, foi eleito o mais novo deputado do estado de Nova York. Em 1884, porém, quando tinha apenas 25 anos, Roosevelt foi chamado de volta para casa por um telegrama agourento. Quando chegou, descobriu que as duas mulheres mais importantes de sua vida - a mãe e a jovem esposa - estavam morrendo. Às três da madrugada de 14 de fevereiro, Dia dos Namorados, Martha Roosevelt, ainda uma vibrante beldade sulista de cabelos pretos, aos 46 anos, morreu de febre tifóide. Onze horas depois, sua nora, Alice Lee Roosevelt, que dera à luz a primeira filha de Theodore apenas dois dias antes, sucumbiu ao mal de Bright, uma doença dos rins. Naquela noite, em seu diário, Roosevelt marcou a data com um grande X preto e uma única anotação, sofrida: "A luz se apagou da minha vida". Louco para dominar o desespero, Roosevelt recorreu à única terapia que conhecia: o extremo esforço físico e o perigo. Deixou o bebê com sua irmã Anna e embarcou num trem para as Badlands de Dakota, na esperança de encontrar o tipo de experiência dura que pudesse manter seu corpo e sua mente ocupados demais para sofrer por Alice. Roosevelt quase não falava sobre aquela noite terrível ou sobre a primeira esposa - nem mesmo para a filha, que recebeu o nome da mãe que não chegou a conhecer. Era outro homem quando enfim voltou definitivamente para o leste, dois anos depois. Estava cheio de vigor e tinha a visão ampliada depois de dominar um mundo perigoso e completamente desconhecido na fronteira americana - e de derrotar, mediante apenas energia e esforço físico, a dor que ameaçara esmagá-lo. "Sentimentos sombrios", explicou, num raro comentário espontâneo sobre o assunto, "dificilmente se achegam a um cavaleiro cujo galope é rápido o bastante." Uma nuvem negra de preocupação desceu de novo sobre Roosevelt em 1909, o ano em que deixou a Casa Branca. Foi uma transição em total acordo com a sua vontade - herdara o primeiro mandato em seguida ao assassinato de William McKinley, em 1901, portanto poderia facilmente ter disputado o cargo outra vez sete anos e meio depois -, mas deixar a presidência causou-lhe um sentimento de vazio e desorientação. Embora tivesse feito grandes coisas durante os dois mandatos presidenciais - da negociação do fim da guerra russo-japonesa à viabilização da construção do Canal do Panamá -, Roosevelt sentia que não tivera chance de atingir a grandeza. "Claro que um homem deve aproveitar as oportunidades, mas essas oportunidades têm de se apresentar", disse ele a uma platéia em Cambridge, Inglaterra, na primavera de 1910. "Se não há guerra, você não tem o grande general; se não há a grande ocasião, você não tem o grande estadista; se Lincoln tivesse vivido em tempos de paz, ninguém saberia seu nome hoje em dia." A frustração de abdicar do poder antes de estar pronto para isso, antes de ser testado por algum evento cataclísmico, era tão grande que, a dois dias de deixar o cargo, Roosevelt repreendeu o amigo Paul Martin: "Meu caro companheiro, pelo amor de Deus não me fale sobre o futuro. Meu futuro está no passado". Por mais difícil que tenha sido a saída de Roosevelt da Casa Branca, porém, ela foi suave em comparação com a dor da derrota eleitoral de 1912. Sua segunda esposa, Edith, que conhecera o marido a vida toda e testemunhara em primeira mão suas reações ao aborrecimento e à frustração, não tinha dúvidas quanto ao que os aguardava agora. Era apenas uma questão de tempo para que Roosevelt levantasse âncora de novo, e não havia nada que ela pudesse fazer para evitar isso. Edith era uma pessoa reservada, e a vida pacata em Sagamore Hill era-lhe muito preciosa. Mas ela sabia que aquilo não bastava para Theodore. Ele não descansaria até encontrar alguma aventura fisicamente exaustiva que o levasse para longe de casa e o expusesse, para o temor de Edith, a grande perigo.