Trecho do livro CREUZA EM CRISE

MEDO DE AVIÃO A bruxa Creuza ia ter de viajar de avião. Ai que medo. Não dava para ir de vassoura. Nem pensar. Não era moderno. O que iam dizer dela? Também não podia faltar ao casamento da prima Soledad, na Espanha. Afinal, não é todo dia que uma bruxa se casa (ainda mais a Soledad, coitada, tão feinha). Creuza gostava muito dela. E gostava mais ainda de festas de casamento. Essa prometia ser muito animada porque estava sendo organizada pela parte espanhola da família - e eles adoravam dançar, sempre comemoravam tudo em grande estilo. Não tinha desculpa. Ia e ponto. Mas... ai, QUE MEDO. E também que raiva! Creuza não se perdoava por não ter comprado o kit de feitiço-teletransporte, uma das novidades mais legais que tinha visto no ano anterior na Feira Transgaláctica de Acessórios para Bruxos. Os fabricantes até haviam mandado o folheto explicativo para a casa dela: era bárbaro! Bastava entrar em um modernérrimo caldeirão-cápsula de vidro fumê, fechar os olhos, pensar no destino e se materializar lá, em qualquer outro ponto do planeta. Era tão prático que nem precisava de palavras mágicas! Mas, infelizmente, só funcionava dentro do planeta Terra. De todo jeito, não foi por causa disso que Creuza não comprou. O kit era muito caro e ela achou aquilo um luxo fora de hora. Não imaginava que, poucos meses depois, teria de encarar uma viagem de muitas horas dentro de um, ai, avião. AI, AI, AI, QUE MEDO. Não era da altura (se bem que esses aviões voavam muito mais alto do que as melhores vassouras, ai, ai, ai...). Bom, não era mesmo por isso. É porque Creuza achava esquisito ficar trancada dentro de um avião. Na vassoura era diferente. Podia controlar a altura, a direção, a velocidade e sentir o vento na cara, brincar de furar as nuvens. Uma delícia! Claro que até as melhores vassouras tinham lá seus inconvenientes. Não dava para carregar bagagem, por exemplo (e como ela levaria suas roupas e o presente da Soledad?). Além disso, o assento acabava ficando bem desconfortável depois de certo tempo, mesmo quando Creuza usava a sua almofadinha especial. Pior que o bumbum, era a coluna: ela já não sabia direito com quantos anos estava, mas eram muitos, e não agüentava passar horas daquele jeito, com as costas inclinadas. A verdade é que vassouras são mesmo mais adequadas para bruxas jovens... E, por incrível que pareça, elas lotam os aviões! Por isso hoje em dia é tão difícil olhar para o céu e ver bruxa ou bruxo voando. Raro mesmo. Avião, em compensação, tem um monte, subindo e descendo o tempo todo. AI. Como não tinha mesmo outra solução, Creuza comprou a passagem, preparou a mala, embalou o presente da Soledad - um par de castiçais lindíssimos, herança da velha Tilde, a mãe da Creuza. Depois ficou esperando o dia da viagem. Bem nervosa. Precavida, a bruxa decidiu levar a sua velha vassoura disfarçada de vestido. Fez assim: embalou a dita dentro de um daqueles cabides feitos para carregar roupa chique em viagem. Comprou um que tinha uma capa preta, de plástico não transparente, e que fechava na frente com um zíper. Qualquer problema, era só pegar a vassoura e pronto. Ela é que não ia se espatifar se o avião despencasse lá do alto.