Trecho do livro JOGO DE ESCOLHAS

Prólogo O CONCURSO Eram quatro filhos: Francisco, de onze anos de idade, Rita, de dez, Fernando, de oito, e Luísa, de cinco anos. Paulo enviuvara cedo, fazia as vezes de pai e mãe. Tinha bom emprego num instituto de pesquisa, trabalhava demais, mas procurava estar com os filhos todo o tempo que podia. As noites eram sagradas. Paulo jantava com os filhos, e depois inventavam alguma coisa para fazer juntos. Nas férias costumavam ir para a praia ou para o interior, cada vez um lugar diferente, simples e gostoso. As crianças estavam nos últimos dias do período escolar. Ainda não haviam escolhido onde passar as férias. Francisco queria ir para a praia, de preferência uma praia cheia de gente, onde pudesse fazer novos amigos, surfar, jogar peteca e futebol. Rita não gostou da ideia, preferia algum lugar nas montanhas, quem sabe Campos do Jordão ou São Bento do Sapucaí, onde fazia frio, e eles tomariam chocolate quente antes de dormir. Fernando queria que fossem conhecer o Pantanal. Andariam de barco, observariam os jacarés, as aves e outros bichos que só haviam visto no zoológico. Para Luísa, a caçula, qualquer lugar estaria bom, ela não tinha preferência, gostava mesmo era de passear. Paulo achou que dessa vez a decisão não seria fácil. Mas teve uma ideia. Ele sempre tinha ideias. Num momento em que Luísa não estava presente, ele propôs um concurso a Francisco, Rita e Fernando. Quem ganhasse teria o direito de escolher o local das férias. - Oba! - aceitaram os três. - Negócio fechado. Como seria o concurso? Paulo explicou: - Cada um de vocês vai ler uma história. Peguem o nosso livrão de histórias, o que eu comprei na semana passada e que ainda ninguém leu, e escolham suas histórias. Depois, após o jantar, cada um lê a sua história para todos os outros, inclusive para Luísa. A cada noite um fará a leitura. E então? - Não dá tempo de lermos o livro inteiro para escolher nossa história - interrompeu Francisco. - Até lá as férias já acabaram... - Calma. Cada um vai escolher sua história por meio do sumário do livro, que dá os títulos de cada uma. - E se o título for legal e a história não? - preocupou-se Rita. - Faz parte do jogo. Tratem de escolher direito, usem sua imaginação, pensem no que pode estar escondido atrás de um título - disse Paulo. - Para o papai tudo é fácil - reclamou Fernando em voz baixa. Uma vez escolhida a história pelo título, poderiam lê-la para preparar a leitura. - E se a gente não gostar do que escolheu? - questionou Fernando. - Cada um pode fazer como achar melhor. Não é proibido trocar de história, mas se fizerem isso pode acabar não dando tempo. - Está bem - Fernando concordou. - E depois? - Lidas as três histórias, Luísa somente terá que nos dizer de que história gostou mais. O leitor da história preferida de Luísa vence o concurso e decide onde vamos passar as férias. Este é o prêmio: escolher o lugar das férias. - Mas Luísa não terá oportunidade de escolher o passeio. Não é injusto? - contestou Francisco. - Luísa ficará contente com qualquer lugar que for escolhido, ela já disse que não tem preferência. Além disso, ela vai escolher indiretamente - justificou o pai. - Como é que isso funciona? - perguntou Fernando. - Ao escolher a história de que gostou mais, Luísa estará escolhendo o vencedor. E o vencedor escolherá o lugar das férias. Entendeu? Fernando fez que sim com a cabeça. - É, acho que ela vai gostar - se convenceu Rita. - Podem escrever: ela vai escolher a minha história - gabou-se Francisco. - Será que eu vou conseguir escolher uma história boa? - choramingou Fernando. - Claro que vai - encorajou o pai. - Então, todos de acordo? - Sim - responderam em uma só voz. - Então vamos sortear o dia de cada um de vocês. Depois, vocês leem o sumário do livro, fazem suas escolhas e se preparam. Se Luísa concordar em ser a juíza, podemos começar as leituras amanhã. O sorteio estabeleceu que a primeira história seria de responsabilidade de Francisco, a segunda de Rita e a terceira de Fernando. O pai ainda acrescentou outra regra: - Por enquanto, ninguém deve dizer a Luísa qual o objetivo do concurso. Vamos deixar que ela se preocupe apenas com as histórias, sem ter que pensar no peso de uma escolha que decidirá o local das nossas férias, assunto com que ela não quer se envolver. Deixem que ela escolha a história, só a história. - Ela não vai ser enganada? - criticou Rita. - Ninguém vai mentir para ela - disse o pai. - Apenas vamos adiar por três ou quatro dias a informação de que ela estava participando sem saber de um jogo um pouco mais complicado. Ela vai se sentir importante, vai adorar. - Papai - perguntou Francisco -, só vamos ler? Podemos fazer alguma brincadeira antes ou depois da leitura? - Ah, podem tentar representar a história, criar outras versões, conversar sobre os personagens. O importante é que cada um tente convencer Luísa que a sua é uma história muito boa, a melhor. Vocês vão ter que caprichar, Luísa é exigente. Se quiserem, podem discutir se não seria interessante mudar o final da história, por exemplo. Criatividade é uma coisa que vocês têm de sobra. Afinal, as histórias são fictícias, criadas pela imaginação do autor do livro. Ajam como se fossem vocês os autores, inventem. Depois de tudo acertado, Paulo explicou a Luísa que, nas noites seguintes, os irmãos leriam histórias. E ela seria uma espécie de juiz, que no final diria qual das histórias era a melhor. Luísa aceitou sem titubear e quis saber se ela também não podia contar uma história. Depois, sim, mas agora ela só ia ter que escolher. - Eu vou escolher a história mais bonita, podem deixar. Se eu gostar delas, né? - Você vai gostar, sim - garantiu o pai.