Quando literatura e matemática andam juntas

19/11/2020

Apesar de caminharem em lados muitas vezes opostos nos currículos escolares, a matemática e a literatura podem e devem ser grandes aliadas na sala de aula. E opções para colocar essa parceria em prática não faltam. O livro Matemática até na sopa, de Juan Sabia, lançado pela Companhia das Letrinhas, é um bom exemplo: conta a história de como o jovem Marcos descobriu que os números estão por toda parte do seu cotidiano, dos jogos de videogame às compras no supermercado. 

Ilustração do livro Matemática até na sopa

Ilustração do livro Matemática até na sopa

A obra do autor Juan Sabia pode ser considerada paradidática – quando é pensada especificamente para auxiliar no ensino da disciplina. Mas especialistas da área de educação apontam que todo livro de literatura pode ajudar nesse aprendizado. O que muda é a forma de trabalhar o conteúdo com cada faixa etária. 

A história de Marcos nos dá uma pista da principal contribuição da literatura para o ensino da matemática: o contexto. Professor do Instituto Politécnico de Viseu (Portugal) e doutor em educação matemática, Luís Menezes explica que uma das razões para haver tanto “insucesso” na disciplina é o fato de ela ser muitas vezes ensinada de forma descontextualizada aos alunos, sem que haja um pé na realidade. “A matemática é abstrata. Se não houver um contexto, torna-se muito difícil aprender. E a literatura fornece justamente esse contexto.”

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Outra colaboração é a própria atividade de leitura, segundo o especialista. “Sabemos que muitos dos problemas de ensino da matemática estão ligados a alguma incapacidade que os alunos têm de interpretar texto. Introduzir livros é uma forma de trabalhar a compreensão e, por consequência, a matemática.”

Página do livro Matemática até na sopa

Página do livro Matemática até na sopa

 

Como a literatura pode auxiliar no aprendizado de matemática

Uma estratégia que tem dado certo nas escolas é associar humor e literatura nas tarefas de matemática, principalmente por meio de charges e histórias em quadrinhos. Foi por isso que Menezes e outros autores do Instituto Politécnico de Viseu desenvolveram quatro livros gratuitos com sugestões de como trabalhar o tema. “É uma forma mais prática de ensino, pois não é preciso ler uma obra inteira para entender a história.”

O quadrinho abaixo é um exemplo. A partir dele, os estudantes – de ensino fundamental l e ll – devem responder a questões como: por que a situação pode ser engraçada e por que o aluno respondeu “seis”. 

Ilustração retirada do livro Humor para aprender matemática, de Luís Menezes e outros autores

Situações como a da charge acima mostram que saber ler e escrever é fundamental para conseguir resolver problemas - e por isso exercitar a leitura melhora a habilidade para matemática. Mas como trazer os livros para as aulas de matemática?

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Passos para trabalhar os números nas histórias

O primeiro passo é não usar a literatura como um pretexto para trabalhar a disciplina, e sim como o contexto, explica Klinger Teodoro Ciríaco, professor adjunto do curso de Pedagogia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). “O livro não deve ser um canal que leva da literatura para o conteúdo matemático”, diz o pedagogo, que desenvolve estudos e pesquisas em Educação Matemática. 

 

1) Como fazer isso na educação infantil

No caso da educação infantil, Ciríaco diz ser preciso propor vivências práticas que demonstrem como a matemática está presente no cotidiano das crianças. “Se for pensar no livro Listas Fabulosas (editora Moderna), da Eva Furnari, é possível perguntar às crianças em quais situações da vida delas há listas. E, a partir disso, pedir para que façam as próprias listas, tendo como tema, por exemplo, suas brincadeiras preferidas.”

Livros paradidáticos que apresentam a relação do número escrito com a quantidade não necessariamente vão ser suficientes para ensinar crianças a contar, diz Ciríaco. Eles vão, sim, permitir uma melhor visualização dessa relação número e numeral, mas o aprendizado mesmo depende da interferência pedagógica do professor – que pode procurar na obra outras conexões possíveis para trabalhar vivências matemáticas com as crianças.

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Segundo o especialista, é importante sempre ter um contexto lúdico e exploratório para essas aulas. Livros como Quem Vai Ficar Com O Pêssego? (Callis), de Yang Hye-Won, e Quem soltou o Pum? (Companhia das Letrinhas), de Blandina Franco, permitem discutir com as crianças qual a resposta para as perguntas colocadas no título. É um exercício simples, mas que explora um ponto matemático: a formulação de hipóteses.

Imagem do livro Todas as pessoas contam

Página do livro Todas as pessoas contam

 

2) No ensino fundamental 1

Quando vamos para os anos iniciais do ensino fundamental, a perspectiva lúdica se mantém, mas agora deve ser articulada com conteúdos específicos, afirma o professor. O livro de Yang Hye-Won, neste caso, seria abordado sob o ângulo da estatística e da probabilidade. “Mas sempre tendo a narrativa como o aspecto de referência.” Uma sugestão para esse público é desenvolver a escrita de narrativas matemáticas, pedindo aos alunos para criarem seus próprios enigmas e charadas. 

 

3) No ensino fundamental 2

No fundamental 2, quando o foco da matemática é nos aspectos da linguagem algébrica, a literatura se distancia do aspecto prático para ir ao campo do raciocínio, segundo Ciríaco. 

Como nestes anos há professores separados para cada disciplina, Menezes sugere que os docentes de português e matemática trabalhem a mesma obra, mas com abordagens diferentes. 

 

15 LIVROS QUE FALAM DE MATEMÁTICA

Educação infantil (também indicados para ensino fundamental 1)

Matemática até na sopade Juan Sabia: Foi durante uma visita à casa de seu tio-avô matemático que Marcos deixou de lado a visão negativa sobre a disciplina. O jovem aprendeu que a matemática está em todos os lugares, do jogo de videogame a uma ida à sorveteria, e pode sim ser divertida. 

Todas as pessoas contam, de Kristin Roskifte: A cada página, sempre um número a mais. Mas não só isso. São cenas, interações, formas de estar no mundo, com alegrias e tristezas e respeito às diferenças e semelhanças. Vidas individuais que se somam, que se multiplicam, que se completam.

365 pinguis, de Jean-Luc Fromental: No primeiro dia de janeiro, uma caixa misteriosa chega à casa de Amanda e Téo. Dentro, tem um pinguim e instruções para cuidar da ave. No dia seguinte, a mesma coisa. A cada dia que passa, um novo pinguim chega até que, no último dia do ano, já são 365 pinguins. Imagine o trabalhão que dá para criar todos esses bichos em casa! Com situações divertidas e inusitadas, o livro traz matemática, animais, humor e também uma reflexão sobre a preservação ambiental.

Girafas, de Jean-Claude: O papai dessa história desenha girafas como ninguém. Deve ser por isso que o filho pede sempre mais uma. E, assim, a coleção de girafas só cresce: 1, 2, 3, 4, 5... quando chega a 10, só podia dar confusão. É um livro que fala de números, mas também de desenho, de relacionamento afetivo, de brincadeira e de animais. 

Dez patinhos, de Graça Lima: No início, eram dez patinhos a nadar. Mas, de distração em distração, o grupo vai sempre perdendo um, numa contagem regressiva. O livro trata de números, mas também traz rimas simples e temática de animais, que as crianças amam.

1, 2, 3, estrelas!, de Anne-Sophie Baumann e Anne-Lise Boutin: Os números estão por toda parte e escondidos na natureza. Basta parar e contar: quantas asas tem uma libélula? Quantas estrelas tem o céu? Mais do que números e contas, o livro mostra com poesia curiosidades da fauna e flora.

A visita dos dez monstrinhosde Angela-Lago: De um em um, os monstrinhos vão chegando em versos rimados e cheios de humor. Quando finalmente eles são mandados embora, o senhor zero aparece para assombrar o livro. 

 

Ensino fundamental 1 (também são recomendadas os anteriores, para educação infantil)

Os 33 porquinhos, de José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta: Não foi um, nem dois, nem três. Foram 33 porquinhos! Cada um com uma casa diferente - esqueça palha, madeira e tijolo. Esses daqui constroem pirâmides, estações espaciais, mansões e até castelos de areia, que vão dar trabalho para o lobo. Além do humor, o livro traz uma possibilidade gigante de combinações, já que as páginas são divididas em três tiras que permitem a construção de muitas histórias diferentes.  

Um número depois do outro, de José Paulo Paes: Com bom humor, poemas e ilustrações vibrantes, este livro brinca com os números

O que eu posso ser?, de Mariana Zanetti e Silvia Amstalden: A vida não é exata como as contas de matemática. Pensando nisso, as autoras convidam os leitores a viajar pelas formas geométricas clássicas e as nem tanto assim, como um "quase retângulo" ou um "pedaço de círculo".

Monstromática, de Lane Smith e Jon Scieszka: A matemática está na vida cotidiana da gente, desde a hora que acordamos ao tempo que levamos para fazer cada atividade, e não é nenhum monstro. Mas a protagonista desse livro vai ter de aprender a dominar essa fera (ou esse medo) e ver que ela não é assim nenhum problemão. Indicado para os anos finais do fundamental 1.

Se..., de David. J. Smith: Já pensou se grandes dimensões como a Via-Láctea ou os oceanos fossem reduzidos para uma escala do nosso cotidiano? Por exemplo, se o tempo de existência da Terra fosse transferido para caber em apenas uma hora? Ao condensar 3,5 bilhões de anos em 60 minutos, em que minuto os humanos surgiriam e quanto tempo teriam para existir? Os dinossauros, por exemplo, apareceriam no 56o minuto e sumiriam três minutos depois. Fascinante pensar dessa forma, não?

 

Ensino fundamental 2

Alex através do espelho, de Alex Bellos: O autor mostra como a matemática modificou o mundo, transformando conceitos que parecem complexos em explicações simples e divertidas. 

O diabo dos números, de Hans Magnus Enzensberger: Criadas por um poeta alemão, as histórias desse livro mostram como os números, com um pouco de humor, podem deixar de ser malditos. O fio condutor são os sonhos do menino Robert, que achava matemática inútil.

Galileu Galilei, de James MacLachlan: A vida de um dos maiores físicos de nossa história é destrinchada nesse livro de linguagem acessível e muitos gráficos, que conta sobre sua educação, sua vida, suas teorias sobre corpos em queda, suas descobertas com telescópio e seus experimentos com pêndulos.

 

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