Trecho do livro HISTÓRIA NATURAL DE PABLO NERUDA

Itapuã, Bahia: Outubro de 1973. Sente-te ali, poeta primogênito Naquela ampla cadeira em frente ao mundo E deixa-me pintar o teu retrato (Já que, por cincunstâncias, não o fizeram Teus amigos Picasso e Di Cavalcanti) Com palavras cobertas do azinhavre Do tempo, e pela luz verde da Lua Funâmbula, a transar entre hemisférios Desprendida da pele de Matilde Para os céus jorjamados do Recôncavo. É madrugada, irmão, e escuto o mar Que geme versos teus sobre as areias De Itapuã, chorando a tua morte Tu que o amavas e imprecar bravio Contra os negros penhascos de Isla Negra. Assim Pablo: conserva no teu rosto De volumoso peixe de águas fundas Em teus pequenos olhos infantis De irônica baleia sonolenta Em teu repouso grave mas atento De antiga e presciente salamandra Esse quase sorriso de quem, mágico Ato contínuo vai sacar do ouvido Uma lenta cenoura, e indo roê-la Vê-la voar-se transformada em pomba Que pouco a pouco ganha altura, e súbito No céu se acende, transcendida em estrela.