LER PARA NÃO ESQUECER | A cronologia do Golpe de 1964, que completa 60 anos em 2024

27/03/2024

Brasil, 1964. Militares de alta patente envolvidos politicamente em uma trama golpista para mudar os rumos da democracia no país.

Ao longo dos meses de março e abril, a Companhia das Letras relembra a escalada da crise que culminou no golpe que depôs o presidente João Goulart e inaugurou 21 anos de ditadura militar no Brasil – de 1964 a 1985.

Com o mote #LerParaNãoEsquecer, esta campanha busca relembrar, com olhar crítico e atento, um passado não tão recente de nossa história, cujas consequências sentimos até hoje.

Desde sua fundação, a Companhia das Letras, em sua defesa por um país republicano e democrático, apostou em um catálogo que fomenta a pluralidade de ideias e o pensamento crítico dos leitores.

Aqui, vamos explorar uma sequência de momentos marcantes que ocorreram nesses meses de 1964. #LerParaNãoEsquecer reforça que a história é feita de momentos como estes. Nada está dado de uma vez por todas. Os livros também nos lembram de que, mesmo em meio aos períodos mais turbulentos, são as pessoas que agem, combatem e resistem para construir um país democrático – e escrever esses novos começos.

 

Aula inaugural do general Castello Branco na Escola de Comando do Estado-Maior do Exército (ECEME)

2 de março de 1964

No dia 2 de março de 1964, o então chefe do Estado-Maior do Exército – e futuro presidente da República – general Humberto de Alencar Castello Branco abriu o ano letivo na Escola de Comando do Estado-Maior do Exército (atual ECEME), que fica na Praia Vermelha, Rio de Janeiro.

Com uma aula inaugural intitulada “Destinação constitucional e finalidades do Exército”, o oficial ofereceu uma leitura da realidade brasileira que importava elementos da Doutrina da Guerra Revolucionária – elaborada pelo Exército francês na década de 1950 – e apelava para o papel de protagonismo das Forças Armadas em uma missão de “refundação” política e social do país.

Aquele longo mês de março de 1964 mal havia começado e os militares já preparavam movimentos mais ousados no xadrez político do golpe de Estado.

Descrição da sede da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, na Praia Vermelha, Rio de Janeiro, RJ. Autor desconhecido, 1942 (Foto: Arquivo Nacional)

Castello Branco na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Foto: Arquivo Nacional)

Comício da Central do Brasil

13 de março de 1964

No fim da tarde de 13 de março de 1964, cerca de 300 mil pessoas se aglomeraram na Central do Brasil em um evento organizado por um grupo de sindicalistas. “Jango! Defenderemos suas reformas à bala”, dizia um dos milhares de cartazes e faixas que inundaram a paisagem no centro do Rio de Janeiro.

Após a apresentação de artistas e nomes conhecidos da política – como Leonel Brizola e Miguel Arraes –, o presidente João Goulart subiu ao palanque e se ajeitou para falar ao microfone.

Durante uma hora e cinco minutos, resolveu discursar de improviso para marcar a posição do seu governo: anunciou a encampação das refinarias privadas de petróleo, a desapropriação de terras improdutivas às margens de rodovias, ferrovias e açudes federais, e defendeu a alteração da Constituição para tornar viável o programa das Reformas de Base.

A multidão que estava ali para apoiar Jango explodiu em festa. Mas, para quem fazia oposição e conspirava contra o governo, a realização de um comício pelas reformas em frente ao Palácio Duque de Caxias – sede do Ministério da Guerra – não passava da mais pura provocação.

E, naquela sexta-feira 13, o alarme do golpe soou.

Cerca de 200 mil pessoas se reuniram na Central do Brasil para ouvir o discurso de Jango em defesa das reformas de base (Foto: Arquivo Nacional/Fundo Correio da Manhã)

Marcha da Família com Deus pela Liberdade

19 de março de 1964

Organizada por associações femininas, como a Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE), a primeira Marcha da Família com Deus pela Liberdade aconteceu no dia de São José – padroeiro da família – como uma resposta ao Comício da Central do Brasil.

De rosários nas mãos, mulheres católicas e conservadoras puxaram uma multidão de 800 mil pessoas no trajeto de pouco mais de um quilômetro entre a Praça da República e a Praça da Sé. Tudo para protestar contra o governo João Goulart e o fantasma do “perigo comunista”.

“Verde amarelo, sem foice nem martelo” e “O Brasil não será uma nova Cuba” foram algumas das palavras de ordem que apareceram em faixas e cartazes espalhados pela marcha – que, de uma vez por todas, escancarou a dimensão da oposição formada na sociedade contra Jango e seu programa para as Reformas de Base.

Anúncio publicado nos principais jornais de São Paulo em março de 1964 (Foto: Arquivo Nacional)

Revolta dos Marinheiros

25-27 de março de 1964

No dia 25 de março de 1964, dois mil marinheiros se encontraram na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro para celebrar o aniversário da Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB).

Só que a atividade política dos marujos não era vista com bons olhos pela oficialidade. Tanto que o ministro da Marinha, Sílvio Mota, logo ordenou o encerramento do evento e a prisão dos organizadores. Em reação, os marinheiros cruzaram os braços e se recusaram a deixar o prédio.

A tensão aumentou no dia seguinte, quando 25 fuzileiros navais enviados para desmobilizar acabaram aderindo à revolta. Diante da crise, João Goulart nomeou um novo ministro. A saída dos amotinados ficou acertada para acontecer na manhã do 27. Na tarde daquele mesmo dia, o presidente declarou a anistia.

A cena dos marinheiros insubordinados marchando pelas ruas do centro do Rio dando vivas a Jango calou fundo na oficialidade, onde a interpretação era uma só: a Marinha havia sofrido com a quebra da disciplina e hierarquia militares. E pior: com o aval do presidente da República.

Marinheiros e fuzileiros navais no Sindicato dos Metalúrgicos. Rio de Janeiro, 25 de março de 1964 (Foto: Arquivo Nacional/ Correio da Manhã)

Revolta dos Marinheiros no Rio de Janeiro em 25 de março de 1964 (Foto: Arquivo Nacional/ Correio da Manhã)

Discurso de João Goulart no Automóvel Clube

30 de março de 1964

Na noite anterior ao golpe de Estado, 30 de março de 1964, o presidente João Goulart compareceu ao Automóvel Clube, no centro do Rio de Janeiro, para a posse da nova diretoria da Associação dos Sargentos e Suboficiais da Polícia Militar.

Na ocasião, Jango decidiu não posar de conciliador e subiu o tom utilizado no Comício da Central do Brasil. Improvisou um discurso em defesa das Reformas de Base e afirmou que “a crise que se manifesta no país foi provocada pela minoria de privilegiados que vive de olhos voltados para o passado e teme enfrentar o luminoso futuro que se abrirá à democracia pela integração de milhões de patrícios nossos”.

Ao final, endossou a conduta do governo diante da revolta dos marinheiros e emendou algumas palavras sobre disciplina militar que tensionaram ainda mais a crise com a oficialidade das Forças Armadas.

Para o presidente da República, “a disciplina se constrói sobre o respeito mútuo, entre os que comandam e os que são comandados”.

O presidente João Goulart no Automóvel Clube. Rio de Janeiro

O presidente João Goulart no Automóvel Clube. Rio de Janeiro, 30 de março de 1964 (Foto: Fundo Correio da Manhã/Arquivo Nacional)

Deslocamento das tropas de Juiz de Fora sob o comando do general Olímpio Mourão Filho 

31 de março de 1964

Nas primeiras horas do dia 31 de março de 1964, o comandante da 4ª Região Militar e da 4ª Divisão de Infantaria do I Exército, general Olímpio Mourão Filho, decidiu tomar a frente e atropelar o levante militar que vinha sendo meticulosamente conspirado e costurado ao longo de meses pelo chefe do Estado-Maior do Exército, general Humberto Castello Branco, para derrubar o presidente João Goulart.

Autonomeou-se “Comandante das Forças em Operações da Defesa da Democracia” e disparou para emissoras de rádio e redações de jornal um “Manifesto à Nação e às Forças Armadas”. O alto comando das Forças Armadas não costumava botar muita fé nas palavras do bravateiro Mourão Filho – até porque seu plano de tomada da Guanabara não era algo propriamente novo.

Só que, naquele dia, o general mineiro estava com sede de protagonismo e botou os 4 mil soldados do Destacamento Tiradentes em marcha pela estrada União e Indústria, saindo de Juiz de Fora rumo à Guanabara. Naquele dia, o Jornal do Brasil estampou a manchete: “Minas desencadeia luta contra Jango”.

Já não havia mais volta. O golpe estava oficialmente nas ruas.

Deslocamentos militares. 1º de abril de 1964 (Foto: Arquivo Nacional/ Correio da Manhã)

Deposição de João Goulart da presidência da República e posse interina de Ranieri Mazilli

1-2 de abril de 1964

Já passava da meia-noite do dia 1º para o 2 de abril quando o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, promoveu uma sessão conjunta do Congresso Nacional e declarou vaga a presidência da República. Só que a afirmação era inconstitucional: João Goulart ainda estava em território nacional e no pleno exercício de seus poderes. Ato contínuo, o presidente da Câmara, Ranieri Mazilli, logo tomou posse na interinidade e selou o golpe de Estado.

Sessão de deposição de João Goulart. Foto de Jader Neves. Revista Manchete - Edição Histórica. Abril de 1964 (Fotos: Hemeroteca Digital/Fundação Biblioteca Nacional)

Posse do presidente da Câmara Ranieri Mazzilli, com a presença do senador Auro de Moura Andrade e do ministro do STF, Ribeiro Costa. Foto de Jader Neves. Revista Manchete - Edição Histórica. Abril de 1964 (Foto: Hemeroteca Digital/Fundação Biblioteca Nacional)

Marcha da Vitória no Rio de Janeiro 

2 de abril de 1964

Planejada desde o fim de março como sequência das Marchas da Família com Deus pela Liberdade que vinham ocorrendo em todo o país, a edição do Rio já tinha data, hora, local e trajeto marcados: 2 de abril, às 16 horas, saindo da praça da Candelária. Só que, entre o plano e a realização, João Goulart foi deposto. Daí que o evento recebeu o nome de “Marcha da Vitória” e serviu como exibição do consenso formado em parte significativa da sociedade no apoio ao golpe de Estado.

Assinatura do Ato Institucional nº1 pelo autonomeado “Comando Supremo da Revolução”

9 de abril de 1964

Assinado na sede do Ministério da Guerra pelo autoproclamado “Comando Supremo da Revolução” – formado pelos ministros da Marinha, Exército e Aeronáutica –, o Ato Institucional transferia parte dos poderes do Legislativo para o Executivo, limitava o Judiciário, suspendia garantias individuais e lançava as bases institucionais da ditadura. Mas aquele seria apenas o primeiro de 17 Atos Institucionais promulgados até 1969.

Leitura do Ato Institucional nº 1 pelo General Sizeno Sarmento Ferreira. 9 de abril de 1964 (Foto: Fundo Correio da Manhã/Arquivo Nacional)

Eleição e posse do general Castello Branco como presidente da República

11-15 de abril de 1964

O general Castello Branco foi eleito por votação indireta no dia 11 de abril de 1964 e tomou posse quatro dias depois no mesmo plenário do Congresso que depôs João Goulart. Jurou defender a Constituição, garantiu o fim das cassações e assegurou que passaria a faixa presidencial ao escolhido na eleição de 1965. Disse o que todos ali queriam ouvir, mas não cumpriu uma linha do que prometeu.

Posse de Castelo Branco como Presidente da República (Foto: Fundo Agência Nacional/Arquivo Nacional)

Vídeo sobre a eleição e a posse de Castello Branco como Presidente da República. Brasília, 1964 (Foto: Atualidades Brasileiras/Arquivo Nacional)


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