Errar é humano - e tentar de novo também!

18/03/2024

Quando se faz algo pela primeira vez, vem logo aquele frio na barriga. Será que vai dar certo? E se eu falhar? Como seres humanos, estamos sujeitos a errar sempre, não só quando estreamos em alguma atividade ou quando estamos aparendendo algo novo. Só não erra quem não tenta. Mas como se arriscar de novo depois de ter nossa confiança abalada?

Essa é a jornada de Celeste, a menina skatista que protagoniza - e batiza - o livro Celeste, a skatista (Companhia das Letrinhas, 2024), de Rachel Katstaller. Um dia, uma pista maneiríssima foi inaugurada em um parque em sua cidade. Era uma pista bowl, daquelas arredondadas, bem funda, que ganhou o nome de Baleia e deixou todos os skatistas empolgados - inclusive ela, é claro. Celeste não via a hora de chegar sua vez de estrear em uma descida tão intensa. O problema é que, quando isso finalmente acontece, ela se atrapalha e acaba levando um baita tombo. Ela corre, se esconde e até fica com raiva do skate - e de si mesma.

Celeste, a skatista

Se lidar com os próprios erros - e os sentimentos de vergonha e frustração que eles despertam - não é trivial para adultos, para as crianças é um aprendizado ainda mais desafiador. Errar não é algo ruim como muita gente costuma pensar. É claro que acertar é mais gostoso, mas, na maioria dos casos, os acertos ou a capacidade de fazer algo com maestria só vêm depois de errarmos, cairmos e falharmos - repetidas e incontáveis vezes. Faz parte do processo.

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Quando se deseja aprender algo novo, seja andar de bicicleta, jogar basquete, dançar balé ou falar em público, as chances de você errar em algum momento são grandes. Ainda que você leia tudo sobre o assunto, veja tutoriais e tenha alguém que explique direitinho o passo a passo, com todos os detalhes, a primeira vez é sempre desafiadora. Saber disso e ter essa noção de que o erro pode acontecer - e, provavelmente, vai - já é um recurso importante para lidar melhor com a frustração.

Depois, também é preciso reconhecer esse erro e olhar para ele, analisando o que aconteceu, para tentar fazer melhor e acertar na próxima tentativa. Não quer dizer que você não vai mais errar, mas que talvez não cometa o mesmo erro. Conforme progredimos, surgem novas dificuldades  e novos níveis de compreensão. É assim que vamos construindo algo fundamental para sermos bons em alguma coisa: a experiência. Errar não só faz parte do processo, como é uma ferramenta importante para aprimorar seu talento e seu conhecimento!

Celeste queria testar a nova pista

Errar frustra, sim: não dá para negar…

Mas nem sempre é fácil lidar com o erro. Celeste que o diga! O tombo dela não causou ferimentos, mas doeu muito mais do que qualquer machucado. Quando uma criança comete um erro e se frustra, é importante que os adultos legitimem esse sofrimento, explica a psicóloga e educadora parental Nanda Perim, criadora do Método PsiMama. “O adulto precisa reconhecer a dor, dizendo: ‘Você ficou frustrado, sei que você queria conseguir colocar sua meia direito de primeira, mas não conseguiu. Às vezes, eu tento fazer coisas que não consigo e também fico chateada/o’”, exemplifica. Ou seja: é preciso mostrar que é normal a criança ficar triste por não ter conseguido e que você também passa por isso às vezes. É uma forma melhor de lidar do que seguir aquele primeiro impulso de dizer que “não foi nada” - porque foi, sim! 

“A criança se sente vista e segura quando o adulto enxerga aquela dor que ela está experimentando”, diz a especialista. “É muito pior quando nós nos frustramos com a frustração da criança - o que, infelizmente, é o padrão. Aí, são duas frustrações para a criança. a sua própria e sentir que o adulto não entende a frustração dela”, explica Nanda.

Mostrar que você também erra é outro ponto que ajuda os pequenos a lidarem com os erros de uma forma mais saudável, quando for a vez deles. Uma ideia é aproveitar nossas próprias dificuldades para dramatizar nossos sentimentos se a criança estiver observando. “Você tenta abrir um pote de palmito e não consegue, por exemplo. Externa para a criança: ‘Ah, estou muito chateada, eu queria muito ter conseguido abrir esse pote, mas não estou conseguindo. Preciso me acalmar. Vou respirar fundo. Por que será que não estou conseguindo? Acho que minha mão está molhada, vou secar.' Aí seca a mão. Tenta de novo. E, bum, consegue! ‘Ah, consegui. Eu sabia que ia dar certo e que eu tinha que continuar tentando’”, demonstra a psicóloga.

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Às vezes, nós, adultos, quando fazemos algo errado ou não conseguimos realizar uma tarefa da maneira como esperávamos, ficamos frustrados, xingamos e até choramos. Mas queremos que a criança saiba lidar de primeira com as próprias frustrações, sem chorar ou reclamar, de preferência com um sorriso no rosto. Não parece justo. Ter um olhar empático, fazendo o exercício clássico de se colocar no lugar do seu filho ou do seu aluno ou de qualquer criança com quem você convive em um momento de frustração é importante para saber o que fazer para ajudar.

Errar pode ser mais leve

Outra postura importante para acolher uma criança quando ela precisa lidar com o erro é ajudá-la a resolver o problema de forma colaborativa. Imaginr qur a criança derrubou um copo de água. Em vez de gritar, dizer que ela não presta atenção, que não toma cuidado, você pode dizer: “Puxa, que pena. Vamos consertar essa situação? Eu pego um pano e você seca a água que caiu na mesa. Tudo bem?”. Reconhecer o erro e chegar junto com a criança a uma solução ajuda a substituir a culpa e a vergonha por uma atitude mais resolutiva. O que eu faço agora com esse erro? Dá para consertar? Dá para resolver? Dá para aprender o que não fazer para que o erro não se repita?

“É muito desafiador, mas os pais precisam observar o peso que colocam no erro da criança e tentar diminuir essa carga”, diz Nanda. O adulto transforma o erro em algo enorme e, assim, a criança aprende que errar tem um peso muito grande. "Quando a criança comete um erro, ela fica de castigo, leva bronca, leva crítica, grito. Na escola, o nome dela vai para o quadro da professora ou ela perde o recreio. Tudo isso vai fazendo com que ela sinta medo de errar, por conta das consequências devastadoras que o erro traz”, acrescenta.

Diante de tanta pressão, essa criança vai passar a negar que errou, vai preferir contar uma mentira ou não vai querer tentar de novo, só para não correr o risco de errar. “É preciso ressignificar o peso do erro”, diz a psicóloga. E chamar a atenção para a importância dele também. Se mudarmos um pouquinho o ângulo, dá para enxergar o erro como algo positivo, que nos ensina - e mostrar isso desde cedo aos pequenos.

Uma nova chance: a importância de tentar de novo

Diante de um erro e de toda essa frustração que vem com ele, de onde tirar força e confiança para tentar de novo? Fácil, não é. Mas dá, sim. Depois de acolher a criança, é preciso oferecer tempo e espaço para que ela se sinta motivada a tentar de novo, mesmo que o primeiro impulso tenha sido a vontade de desistir. “Os adultos têm uma mania de querer que a criança erre, se frustre e já esteja logo muito animada para tentar de novo. Precisamos dar mais tempo para que ela se recupere daquela frustração”, recomenda a psicóloga.

No livro, os amigos ajudam Celeste a se levantar de cada tombo no drop. E a incentivam a tentar de novo - o que, claro, é muito encorajador. Mas para  Nanda, a melhor motivação que a criança pode ter é a interna. "Os adultos têm o costume de ficar batendo palma, dar estrelinha, elogiar o tempo inteiro. Isso vai formando nos pequenos uma procura por motivação externa, quando a mais interessante é a interna. A motivação intrínseca é que tem o poder de nos mover”, aponta.

Frustração faz parte

E o que é essa motivação intrinseca? É quando, por exemplo, a criança está montando um quebra-cabeça e montar uma figura completa. Aí ela dá um sorriso. “Ela sente o prazer de ter completado. Ninguém bateu palma, ninguém elogiou, ninguém parabenizou. Ela mesma sentiu”, diz a psicóloga. Tem coisa mais gostosa do que tentar, tentar, tentar uma manobra de skate e, finalmente, conseguir? Para Celeste, não. E ninguém nem precisava estar lá para aplaudir. Isso não quer dizer que os pais não podem elogiar ou bater palmas para os filhos. Eles só precisam lembrar de estimular esse orgulho particular da criança sobre suas próprias conquistas.

Outro ponto que não dá para desconsiderar é que, dependendo da atividade que a criança está tentando fazer, há toda uma expectativa cultural da sociedade, para que ela seja ou não boa naquilo. No caso de Celeste, por exemplo, que é uma menina e adora andar de skate por aí… Ainda há quem acredite que esse “é um esporte de meninos” e que eles são melhores nisso.

O espaço fica ainda mais inóspito porque esperam mesmo que ela desista. Essa não deveria nem ser uma questão a se discutir, mas, nesse caso, tentar, tentar e conseguir ganha um gostinho ainda mais especial. Muito já mudou nesse sentido, mas ainda é preciso avançar para que meninos e meninas conquistem o que quiserem. “É preciso desconstruir, trazendo reflexões para os espaços, para as escolas, para pais e mães e para as próprias crianças, além de dar a elas liberdade para escolherem o que querem fazer”, lembra Nanda. Acreditar no seu filho e, mais do que isso, estimulá-lo a acreditar nele mesmo, é o primeiro passo para chegar onde quiser, com todos os erros, tropeços e tombos que a jornada inclui.

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