2024 tem Olimpíada! E os Jogos deste ano já vão entrar pra história antes mesmo de começar: Paris 2024 será a edição da equidade de gênero, isto é, pela primeira vez na história, serão 5.250 homens e 5.250 mulheres competindo. A delegação brasileira também deve ser composta por mais mulheres do que homens, feito que também é inédito. Considerando que, na primeira edição dos jogos, em 1896, as mulheres eram proibidas de competir, é bom demais ver como a participação das mulheres tem crescido no esporte.
Além disso, no time Brasil, temos mais favoritas ao alto do pódio do que favoritos. Entre elas, a skatista Rayssa Leal, que levou a medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Tóquio e chega em Paris com muitas chances de levar o ouro. Rayssa, assim como as skatistas Karen Jonz e Letícia Bufoni, são inspiração para que mais meninas se arrisquem em esportes radicais. Meninas como Celeste, a protoganista do livro Celeste, a skatista (Companhia das Letrinhas, 2024), de Rachel Katstaller.
Celeste, a skatista (Companhia das Letrinhas, 2024) mostra como persistir e se arriscar é fundamental - em especial para as meninas
Na história, a pequena Celeste ama andar de skate pelas ruas de sua cidade. Enquanto ela deslizava sobre as rodas nada podia pará-la. Até que um dia, ao se aventurar em uma nova pista bowl, a menina se atrapalhou e caiu. Não se machucou, mas o tombo a assustou tanto que Celeste guardou o skate no fundo do armário e parou de andar... Felizmente, ela consegue recuperar a coragem para se arriscar e encarar dificuldades - uma inspiração importante, especialmente para as meninas.
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Meninas no skate: uma por todas, e todas por uma
Quando o assunto é esporte radical, são as meninas da nova geração, como Rayssa Leal, que estão começando a desfrutar de um ambiente mais receptivo para elas. “Quando eu comecei a competir, só tinha campeonato masculino, então eu competia com os meninos, e mesmo assim fui conquistando meu espaço, fui ganhando os campeonatos. Mas nunca me intimidei, eu sempre pensei ‘eu consigo fazer isso, igual eles’, e também sempre tive o apoio da minha família. Então, mesmo com as dificuldades, eu tento seguir focada no meu objetivo e dou o meu melhor”, diz a skatista Raicca Ventura, de 16 anos. Ela conquistou a medalha de prata nos Jogos Pan-Americanos 2023 e é uma das grandes promessas para um pódio inédito nas Olimpíadas na modalidade park.
Capa do livro Celeste, a skatista (Companhia das Letrinhas, 2024)
A skatista Daniela Vitória, de 14 anos, também se apoiou na família pra se manter focada diante dos olhares estranhos que recebia. “Acho que toda menina já enfrentou algum tipo de dificuldade quando começou no skate. Alguns olhares diferentes, pessoas achando que é um esporte mais masculino, mas isso mudou bastante com o tempo. Eu sempre tive o apoio da minha família, principalmente do meu pai, então isso me fazia continuar focada em busca do meu sonho”, conta ela, que faz parte da seleção brasileira de skate júnior desde 2022. Elas ainda destacam uma característica especial das skatistas que contribuiu para que as mulheres ganhassem cada vez mais espaço dentro do esporte: uma cultura de competição única, em que as atletas torcem e incentivam umas as outras, diferente da rivalidade e hostilidade características de competições esportivas.
“Hoje, temos competições masculinas e femininas em todas as modalidades do skate, o que é muito legal e importante pro cenário do esporte. Mas sempre tivemos muito apoio dos outros atletas, o skate é um esporte diferenciado por isso, todo mundo torce um pelo outro, eu adoro isso.” Raicca Ventura, skatista
Esse apoio tão característico entre os skatistas foi retratado de forma delicada e envolvente no livro Celeste, a skatista. Na história, depois que Celeste leva um tombo em uma pista desafiadora, são dois novos amigos skatistas que lhe ajudam a recuperar a coragem para voltar a se arriscar - e resgatar o skate que ela havia guardado no armário.
“Acho que hoje, as meninas se tornaram referência para todos por conta do sucesso nas principais competições do mundo inteiro. As meninas também são muito acolhedoras, nós skatistas costumamos ser muito unidas durante os eventos, e isso só se fortalece a cada campeonato que competimos.” Daniela Vitória, skatista.
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Mulheres no esporte ainda desafiam estereótipos de gênero
Um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2015 sobre prática de esporte e atividade física, mostrou que dos entrevistados que afirmaram praticar esportes, 63,2% eram homens e 36,8%, mulheres. O principal motivo para a prática de algum esporte, segundo os resultados da pesquisa, foi relaxar ou se divertir, sendo tal justificativa mais comum entre os homens (37,8%) do que entre as mulheres (13,5%). Entre as mulheres, o principal motivo para praticar esportes foi melhorar a qualidade de vida ou bem-estar.
Ainda segundo a pesquisa, as modalidades preferidas pelos homens são: ciclismo (75,2%), lutas e artes marciais (70,0%) e atletismo (64,5%). Já entre as mulheres, os quatro esportes mais praticados são dança e ballet (85,0%), ginástica rítmica e artística (80,5%), caminhada (65,5%) e fitness (64,4%).
Apesar dessa pesquisa já ter quase 10 anos, ela nos dá indícios do porquê os esportes radicais serem mais comumente atribuídos aos homens. Para eles, a prática de esportes está relacionada à diversão, e isso também faz parte do imaginários dos esportes radicais.
Celeste mostra que a força, a persistência e a coragem não são atributos exclusivamente masculinos ao desafiar seus medos e se arriscar - depois de um baita tombo!
De acordo com Carla di Pierro, psicóloga do Time Brasil nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro (2016) e de Tóquio (2020), essa visão de que mulheres não são feitas para os esportes radicais é histórica. “Desde muito tempo atrás, quando o Barão de Coubertin organizou as Olimpíadas Modernas, as mulheres eram proibidas de competir. As mulheres eram vistas ali como seres que precisavam cuidar do lar e a grande função era a de reprodução. O esporte, a força, a luta, eram vistos como coisas só para os homens. E é claro que isso tem a ver com uma sociedade mais machista, patriarcal, onde o corpo da mulher é submetido a esse olhar frágil, para ela também ficar nesse lugar de ‘é melhor você não ter vontade, nem interesse de fazer muitas coisas, quem manda aqui são os homens’. É uma visão histórica de muito tempo e que a gente vem mudando com muita força. Com o movimento feminista, as mulheres começaram a exigir os seus direitos dentro do esporte e, claro, fora do esporte também”, explica.
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Correr mais riscos = mais confiança em si mesma
Mas mesmo tantas décadas e tantas conquistas femininas depois, muitas meninas ainda se afastam da prática do esporte antes do final da adolescência. Segundo uma pesquisa feita pelas marcas Dove e Nike, a taxa de meninas entre 11 e 17 anos que abandonam os esportes é duas vezes maior do que entre os garotos. Quase metade (45%) das garotas nessa faixa etária desistem de praticar as atividades físicas, sendo a principal razão a baixa confiança em seu próprio corpo. O curioso é que, ainda segundo a pesquisa, 66% das meninas disseram que teriam mais confiança sobre o próprio corpo se tivessem persistido na prática esportiva.
“É importante a gente lembrar que quem está participando do desenvolvimento da menina no esporte nessas idades são pessoas que vão incentivar ou que vão brecar a trajetória dela. E não só nos esportes radicais. Em qualquer prática esportiva, as meninas vão poder aprender a usar o corpo a favor delas. Eu acho que essa é a parte mais interessante do esporte: faz a menina perceber que através do corpo, ela pode chegar aonde ela quiser. Se for natação, maratona, skate, escalada, não importa. É um corpo que tem a possibilidade de, se treinado e encorajado, chegar muito longe”, afirma Carla.
Os esportes radicais desenvolvem nas crianças várias habilidades físicas, como força, equilíbrio e consciência corporal. Além, é claro, das habilidades emocionais, como atenção, capacidade de superar obstáculos, de lidar com falhas e a coragem para se arriscar e testar seus próprios limites - como a pequena Celeste.
Deslizando sobre o skate, Celeste parecia voar - ainda bem que ela não desistiu!
Uma menina que é desencorajada de praticar atividades em que precisa correr riscos e usar a força de seu corpo tem seu potencial limitado. “A consequência é não usar todo o potencial dela, é não poder experimentar, não poder viver situações em que ela pode perceber essa força física e essa força emocional. A falta desse incentivo pode limitar onde essa mulher pode chegar, seja em lugares altos no esporte ou dentro de grandes empresas, por exemplo”, conclui.
Daí também a importância de vermos meninas como Rayssa, Raicca e Dani sendo reconhecidas pelo seu talento e conquistas no esporte. Elas são modelos para tantas outras que nem imaginavam que o skate poderia ser uma possibilidade.
“Eu fico muito feliz quando vejo que outras meninas se inspiram em mim, é importante mostrarmos que a gente consegue fazer tudo que desejamos, a gente treina muito e não desiste. Acho que o conselho seria esse: não desistir, seguir treinando, dando o melhor sempre”, aconselha Raicca Ventura.
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