Irena Freitas, de 'A floresta': livro foi reação às queimadas na Amazônia

05/05/2021

Em 2020, as cenas e notícias chocantes das queimadas na Amazônia e no Pantanal deixaram muita gente com uma sensação de impotência diante da destruição, com vontade de magicamente voar até lá para ajudar os animais e replantar o que foi consumido pelo fogo. E é isso o que faz a protagonista de A floresta, livro que é lançamento de maio da Companhia das Letrinhas e que surge como reação ao desmatamento da Amazônia. Concebido e ilustrado pela ilustradora manauara Irena Freitas, trata-se de uma narrativa visual sobre a jornada dessa personagem que, depois de assistir às queimadas na TV, viaja até o lugar para salvar os bichos e, com a ajuda deles, fazer a floresta brotar novamente.

No livro 'A floresta', uma menina vai salvar a Amazônia das queimadas

Uma garota cheia de imaginação tenta salvar a
floresta das queimadas e da destruição. Leia +.

“Ver a destruição nos jornais o tempo todo me marcou muito, então quis ilustrar. Acho que foi a minha forma de processar a situação”, conta Irena, que nasceu em Vitória (ES), mas foi para Manaus com menos de um mês de vida porque toda a família de seu pai é da capital do Amazonas. Aqui ela conta um pouco sobre a carreira, o processo de criação e ilustração do livro, a situação de Manaus durante a pandemia e dá uma dica para a leitura de livros-imagem com as crianças.

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A ilustradora Irena Freitas, que escreveu os livros 'A floresta' e 'Manaus'

A autora Irena Freitas

Blog da Letrinhas: Quando e como você se descobriu ilustradora e autora de livros?

Irena Freitas: Eu fiz faculdade de jornalismo e design, mas já adolescente sabia que queria trabalhar com ilustração. Só não sabia exatamente como. Durante a graduação, eu passei um ano pelo Ciências sem Fronteira em Porto, Portugal, e durante esse tempo eu pude fazer uma matéria optativa em ilustração e aprendi muito! Mas nem cogitava em fazer livros na época, porque parecia algo muito inalcançável. Só foi depois do mestrado em Ilustração, quando fui pra Savannah, nos Estados Unidos, que tive mais tempo de pensar em criar meus próprios livros. Conheci gente que trabalhava na aérea e ser autora perdeu um pouco dessa aura de impossível, sabe? Foi durante o mestrado que fiz meu primeiro livro, o Manaus (Edições Barbatana, 2019), e, depois de publicado, ele abriu várias portas para outras produções e me trouxe até A floresta.

Ilustração do livro 'A floresta', de Irena Freitas, sobre as queimadas na Amazônia

Uma menina se cansa de ver as queimadas pela TV  e resolve agir em A floresta

BL: A floresta é o seu segundo livro publicado. Como surgiu essa história e quais foram as suas inspirações para ele?

Esse livro teve um processo diferente. Na época em que aconteceram as queimadas, eu estava trabalhando um outro livro, apenas como ilustradora, sobre meio ambiente, e fiquei com vontade de incluir algo sobre a situação aqui na Amazônia. Mas no fim das contas achei que não tinha nada a ver e guardei os rascunhos que mais tarde deram origem ao A floresta. As imagens para o livro estavam tão claras na minha mente que parti logo para os rascunhos, ao invés do texto. Depois que os rascunhos estavam prontos, acabei dispensando o texto por inteiro. Foi um livro que fluiu muito fácil, logo de cara sabia que queria apenas usar vermelho e verde pra representar o fogo e a mata, geralmente demoro muito pra escolher as cores.

 

Rascunho de ilustração para o livro 'A floresta', sobre a Amazônia

Rascunho de Irena Freitas no papel para o livro A floresta

De que maneira a tragédia das queimadas no ano passado influenciaram esse trabalho? Você já pensava em fazer um livro sobre a Amazônia ou a floresta antes ou ele foi uma reação a tudo o que aconteceu?

Foi uma reação, com certeza! Nunca tinha pensado em escrever um livro sobre o assunto, apesar de gostar muito de ilustrar temas ligados à natureza, mas ver a destruição nos jornais o tempo todo me marcou muito, então quis ilustrar. Acho que foi a minha forma de processar a situação.

Você vive em Manaus e, além das queimadas no estado nos últimos anos, a cidade foi atingida de maneira cruel pela pandemia. Ao mesmo tempo, a região amazônica tem aparecido bastante na mídia por conta dos recentes ataques às instituições de proteção ambiental. Como você enxerga e relaciona tudo isso, sendo que o próprio surgimento do coronavírus está ligado à predação do meio ambiente? Como tudo isso alterou a vida das pessoas na cidade?

Vou ser sincera e te dizer que ainda não processei meus sentimentos sobre a pandemia completamente. Janeiro de 2021 foi um mês especialmente horrível para o Amazonas, muitas pessoas perderam familiares por falta de oxigênio e pelo coronavírus. Foi um caos, parecia uma cena de guerra de um filme, todo mundo estava desesperado. Agora, alguns meses depois, as pessoas já se esqueceram completamente da situação e voltaram a bares, restaurantes etc., mesmo que a situação esteja longe do controle. É muito difícil de entender as pessoas. Mas é isso que também tento trazer um pouco em A floresta: não adianta nós presenciarmos ou assistirmos a tragédias na TV se não nos interessamos por pensar criticamente e buscar soluções para o problema. Do contrário, nos tornamos apáticos e fadados a repetir os mesmos erros.

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Rascunho de A floresta na mesa da autora

A personagem principal do livro busca recriar ou salvar a floresta que queima. E você, está envolvida com a causa ambiental de alguma maneira? Como reverter esse quadro tão devastador?

Eu honestamente acho que faço pouco. Mas tento sempre separar o lixo e levar em pontos de coleta para reciclagem. Minha família tem um sítio e temos horta e frutas que plantamos para o consumo do dia a dia. Também tento comprar muita coisa na feira de pequenos produtores, porque agricultura familiar tende a ser muito mais sustentável a longo prazo para o planeta e evita que grandes áreas sejam desmatadas para grandes plantações. São pequenas medidas, mas fáceis de qualquer pessoa aderir.

Seu primeiro livro, Manaus, também é uma narrativa visual. Você costuma conceber as suas histórias primeiro de maneira imagética? Como é esse processo?

Acho que depende da história. Estou trabalhando num projeto que o texto veio primeiro e agora estou trabalhando nas imagens. Mas, muitas vezes, quando penso na história, já imagino as imagens. Como me vejo mais como ilustradora que escritora é um processo mais natural para mim.

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Ilustração do livro 'A floresta', de Irena Freitas, sobre a Amazônia

A menina faz um chamado aos seres da floresta

Os livros-imagem e objeto costumam levantar dúvidas de pais e até de professores a respeito de como fazer sua leitura compartilhada. Você percebe isso de alguma maneira? E poderia dar dicas sobre como fazer isso para os nossos leitores, por favor?

Eu geralmente deixo a criança folhear o livro primeiro e depois volto e compartilho o que gostei. Então pergunto pra criança o que chamou a atenção dela e tento ir apontado as conexões entre as imagens.

Imagem do livro 'A floresta', de Irena Freitas, sobre a Amazônia

O verde volta à floresta e às páginas do livro

Quais técnicas de ilustração você usa em A floresta? Como foi o seu processo de trabalho e quanto tempo ele levou para ficar pronto?

Esse livro foi feito com uma mistura de técnicas, alguns elementos fiz em colagem, outros em tinta nanquim e outros digitalmente. Mas juntei todos os elementos no Photoshop para compor as imagens. Geralmente, a primeira imagem do livro é a mais difícil de criar, porque ainda não sei direito a hierarquia dos elementos e das cores. Como esse livro foi feito em poucas cores, também teve esse desafio. Em geral, acho que levei de dois meses e meio a três pra fazer a arte final de todas as  ilustrações, levando em consideração que os rascunhos já tinham sido feitos e aprovados pela editora quando comecei a trabalhar nas cores.

Você pretende continuar criando para o público infantil (ainda que nenhum dos seus livros seja restrito às crianças)? Tem novos projetos em andamento?

Tenho, sim! A ideia é que o Manaus seja o início de uma série de livros de cidades brasileiras. Também estou trabalhando em um livro ilustrado sobre folclore e memória afetiva. Tem sido um novo desafio!

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