Literatura infantil indígena e meio ambiente

07/10/2020

Títulos de literatura infantil indígena, escritos por autores de povos originários brasileiros, também têm aumentado em volume de publicações. Lançado no ano passado pela Companhia das Letrinhas, Nós - uma antologia de literatura indígena, por exemplo, é composto por dez narrativas contadas ou recontadas por escritores de diversas nações indígenas e que abordam temas variados. Desde que foi lançado, o livro tem “uma curva ascendente suave e consistente” em relação às vendas, de acordo com Mauricio Negro, ilustrador e organizador da publicação.

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Ilustração de Maurício Negro para a antologia Nós, de literatura indígena

Ele analisa que a literatura indígena, com muita resistência e persistência, tem ganhado espaço ao longo do tempo, mas considera que ainda falta muito a ser galgado. “Eu temo que agora, dado o momento político que a gente vive, haja dificuldade, pois existe um posicionamento institucional contrário a tudo isso que a gente trabalha e defende. Existe muita resistência por parte das pessoas que ignoram as raízes históricas e constitutivas do Brasil. Ou seja, desconhecem o que tem de mais bonito”, ressalta Mauricio. Ele destaca que, muito além dos 520 anos de colonização que “ainda está em curso com todos os seus vícios e cacoetes”, temos mais de 4 mil anos de história pregressa, de um pré-Brasil que tem muito a nos ensinar. “Desde que a gente esteja disposto a aprender. Ou a desaprender.”

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O meio ambiente perpassa todas as histórias da publicação, ainda que não seja necessariamente o tema central. “O Nós não trata diretamente do meio ambiente, pois não é necessidade do discurso indígena falar disso diretamente. O indígena não se sente como uma natureza à parte, eles são parte da natureza. Então, ao defender suas formas de viver, automaticamente eles estão defendendo a natureza”, explica.

Na literatura indígena é possível encontrar um conhecimento milenar a respeito de meio ambiente, inclusive por meio de uma ampliação da ideia de ciência, pois, dessa perspectiva, as distinções entre plano físico e metafísico são fluidas. “As histórias indígenas são contadas de uma maneira pluridimensional e sem fronteiras. Na nossa cultura, os livros que servem pra ensinar são os didáticos. A literatura serve pra encantar. A literatura indígena não segue esses princípios. Ela pode ensinar e encantar, tudo isso ao mesmo tempo.”

Ilustração de Laurabeatriz para Histórias de índio, de Daniel Munduruku

Ainda que os livros informativos tenham avançado muito ultimamente no sentido de “encantar e ensinar”, há uma grande diferença, de qualquer maneira, na abordagem da ciência pelos povos indígenas. “A ciência indígena está permeada de uma lógica, uma cosmogonia muito própria, que às vezes é muito difícil de ser compreendia por nós”, explica Maurício.

O ilustrador aponta ainda que o que ocorre muitas vezes é que o leitor ainda não familiarizado com a percepção e o modo de viver dos povos indígenas tende a colocar essas narrativas em frascos, que, via de regra, estão relacionados ao folclore, ao exotismo, a um olhar romântico, bastante distante do que significa de fato. Segundo ele, é preciso muito cuidado para não cair no reducionismo de encarar a literatura indígena como mitologia, por exemplo, retirando dela todo seu potencial de ciência.

Mauricio percebe que as crianças têm mais facilidade de lidar com essas histórias sem se preocupar em classificá-las no território do fantástico ou naturalista, aceitando mais a ideia de que cada cultura pode ter sua própria percepção sobre a vida.

(Texto por Juliana Simonetti)


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