
Literatura afro-brasileira na escola
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Inaldete Pinheiro de Andrade é escritora, contadora de histórias, enfermeira, mestre em Serviço Social, fundadora do Movimento Negro em Pernambuco e ícone do Movimento Feminista no Recife. Aos 75 anos, a potiguar que vive na capital pernambucana desde os anos 1960 acaba de lançar o livro Uma aventura do Velho Baobá pela Pequena Zahar, ilustrado com a técnica da geotinta pela artista recifense Ianah Maia. O livro tem ainda posfácio e quarta capa assinados por Kiusam de Oliveira, autora de Tayó em quadrinhos - que também traz para a literatura infantil os baobás e seu significado ancestral para a população da diáspora negra.
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“Desde estudante eu escrevia. Sempre me distinguia com a minha redação. Eu gostava muito, tanto quanto gostava de ler; uma coisa alimentava a outra. Quando cheguei no Movimento Negro, eu optei pela pauta da saúde, porque sou enfermeira, e da educação, que sempre me tocou muito de perto, e isso me estimulou a escrever com esse recorte para a criança. Decidi fazer uma literatura para que as crianças se alegrem, para que conheçam a sua história, para que não esperem chegar ao fim da Universidade para conhecê-la. Foi assim que eu comecei”, conta dona Inaldete.
Ela mesma teve contato mais próximo com os movimentos negros quando se mudou para o Recife para fazer faculdade e passou a ler jornais independentes, como O Pasquim, que noticiavam as independências dos países africanos. Daí veio a inspiração para fundar o movimento pernambucano.
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Inaldete Pinheiro de Andrade, autora de Uma aventura do Velho Baobá
A autora começou a produção de textos para o público infantil e infantojuvenil no final dos anos 1980, com livros como O beabá do baobá, Cinco cantigas para você contar, Pai Adão era nagô e Eu, o coco, além do próprio Uma aventura do Velho Baobá.
Inaldete também é autora de Racismo e anti-racismo na literatura infantojuvenil, de 2001, trabalho de crítica literária em que aborda a representação da população negra nos livros produzidos para crianças. E ela acredita que o cenário da literatura infantil avançou muito nesse aspecto. “Pessoas negras com conhecimento fortaleceram muito a literatura infantil, mudando a perspectiva, que era muito paternalista. Havia muito paternalismo ou muita agressão: criança sem nome ou com apelidos pejorativos. Isso mudou, mesmo que alguém ainda use termos como “moreninha”. Isso ainda existe”, ela diz.
Grande conhecedora de baobás, Inaldete convivia com uma dessas árvores, que ficava perto de sua casa, e acompanhava sua floração linda e anual, mas sem saber seu nome. Então, em 1982, em viagem ao Senegal e outros países da África, ela se deparou com muitas dessas árvores, imensas, especialmente em espaços menos urbanos. Quis saber qual era o nome daquela planta magnífica.
O Baobá Florido em ilustração de Ianah Maia
De volta ao Brasil, contou às companheiras e aos companheiros: “Nós temos baobá em Recife e não sabemos. A partir daí, o baobá entrou na minha vida, na minha literatura, no meu sentimento e sobretudo na minha ancestralidade. É a África que vive em mim”.
Nativo das regiões tropicais da África, o baobá pode chegar a 30 metros de altura e viver 2 mil anos, com um tronco que chega a ter 10 metros de diâmetro. Seus frutos, folhas, flores e sementes são comestíveis e têm diversas propriedades medicinais. Para Inaldete, o baobá é sinônimo de resistência do povo negro na diáspora. Na alegoria de Uma aventura do Velho Baobá, a árvore milenar que dá nome ao livro sai da África para conhecer seus parentes no Brasil e aqui encontra baobás em condições sofríveis - mas vivos, fortes e florescendo.
Para a ilustradora Ianah Maia, é uma alegria fazer um livro sobre o baobá, que, "para além de ser uma planta muito resistente, uma planta centenária, traz toda essas outras perspectivas a respeito do tempo. É uma planta ancestral que foi trazida de África com os nossos ancestrais africanos".
Em O beabá do baobá, Inaldete aborda o momento da diáspora do povo negro e do baobá numa espécie de mito inicial da árvore e dos escravizados na terra estrangeira. No livro, conhecemos a história de um menino que, sequestrado de sua terra por traficantes de pessoas, leva no bolso sementes de baobá. Na terra para onde foi levado à força, o menino planta a árvore e faz ecoar as palavras do Homem-Grande de sua vila africana: “Onde for plantado um Baobá, o seu povo viverá sempre”.
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