Inaldete Pinheiro de Andrade e as histórias dos baobás

16/02/2022

Inaldete Pinheiro de Andrade é escritora, contadora de histórias, enfermeira, mestre em Serviço Social, fundadora do Movimento Negro em Pernambuco e ícone do Movimento Feminista no Recife. Aos 75 anos, a potiguar que vive na capital pernambucana desde os anos 1960 acaba de lançar o livro Uma aventura do Velho Baobá pela Pequena Zahar, ilustrado com a técnica da geotinta pela artista recifense Ianah Maia. O livro tem ainda posfácio e quarta capa assinados por Kiusam de Oliveira, autora de Tayó em quadrinhos - que também traz para a literatura infantil os baobás e seu significado ancestral para a população da diáspora negra.

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“Desde estudante eu escrevia. Sempre me distinguia com a minha redação. Eu gostava muito, tanto quanto gostava de ler; uma coisa alimentava a outra. Quando cheguei no Movimento Negro, eu optei pela pauta da saúde, porque sou enfermeira, e da educação, que sempre me tocou muito de perto, e isso me estimulou a escrever com esse recorte para a criança. Decidi fazer uma literatura para que as crianças se alegrem, para que conheçam a sua história, para que não esperem chegar ao fim da Universidade para conhecê-la. Foi assim que eu comecei”, conta dona Inaldete.

Ela mesma teve contato mais próximo com os movimentos negros quando se mudou para o Recife para fazer faculdade e passou a ler jornais independentes, como O Pasquim, que noticiavam as independências dos países africanos. Daí veio a inspiração para fundar o movimento pernambucano.

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Inaldete Pinheiro de Andrade, autora de Uma aventura do Velho Baobá

A autora começou a produção de textos para o público infantil e infantojuvenil no final dos anos 1980, com livros como O beabá do baobá, Cinco cantigas para você contar, Pai Adão era nagô e Eu, o coco, além do próprio Uma aventura do Velho Baobá.  

Inaldete também é autora de Racismo e anti-racismo na literatura infantojuvenil, de 2001, trabalho de crítica literária em que aborda a representação da população negra nos livros produzidos para crianças. E ela acredita que o cenário da literatura infantil avançou muito nesse aspecto. “Pessoas negras com conhecimento fortaleceram muito a literatura infantil, mudando a perspectiva, que era muito paternalista. Havia muito paternalismo ou muita agressão: criança sem nome ou com apelidos pejorativos. Isso mudou, mesmo que alguém ainda use termos como “moreninha”. Isso ainda existe”, ela diz.

 

“Onde for plantado um Baobá, o seu povo viverá sempre”

Grande conhecedora de baobás, Inaldete convivia com uma dessas árvores, que ficava perto de sua casa, e acompanhava sua floração linda e anual, mas sem saber seu nome. Então, em 1982, em viagem ao Senegal e outros países da África, ela se deparou com muitas dessas árvores, imensas, especialmente em espaços menos urbanos. Quis saber qual era o nome daquela planta magnífica.

O Baobá Florido em ilustração de Ianah Maia

De volta ao Brasil, contou às companheiras e aos companheiros: “Nós temos baobá em Recife e não sabemos. A partir daí, o baobá entrou na minha vida, na minha literatura, no meu sentimento e sobretudo na minha ancestralidade. É a África que vive em mim”.

Nativo das regiões tropicais da África, o baobá pode chegar a 30 metros de altura e viver 2 mil anos, com um tronco que chega a ter 10 metros de diâmetro. Seus frutos, folhas, flores e sementes são comestíveis e têm diversas propriedades medicinais. Para Inaldete, o baobá é sinônimo de resistência do povo negro na diáspora. Na alegoria de Uma aventura do Velho Baobá, a árvore milenar que dá nome ao livro sai da África para conhecer seus parentes no Brasil e aqui encontra baobás em condições sofríveis - mas vivos, fortes e florescendo.

Para a ilustradora Ianah Maia, é uma alegria fazer um livro sobre o baobá, que, "para além de ser uma planta muito resistente, uma planta centenária, traz toda essas outras perspectivas a respeito do tempo. É uma planta ancestral que foi trazida de África com os nossos ancestrais africanos".

Em O beabá do baobá, Inaldete aborda o momento da diáspora do povo negro e do baobá numa espécie de mito inicial da árvore e dos escravizados na terra estrangeira. No livro, conhecemos a história de um menino que, sequestrado de sua terra por traficantes de pessoas, leva no bolso sementes de baobá. Na terra para onde foi levado à força, o menino planta a árvore e faz ecoar as palavras do Homem-Grande de sua vila africana: “Onde for plantado um Baobá, o seu povo viverá sempre”.

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