
Quais os perigos da internet para os jovens?
"Se quisermos entender as adolescentes, precisamos entender as redes sociais", conta Brenda Fucuta, autora do livro Hipnotizados (Objetiva)
Se você é pai ou mãe e faz parte da chamada geração Y ou millenial - ou seja, se nasceu entre1980 e a primeira metade dos anos 1990 -, é provável que se preocupe com a quantidade de tempo que seus filhos passam em frente às telas. Mas também é bem provável que você mesmo tenha sido uma criança que passava um bom tempo diante da TV. É verdade que era outro tipo de relação - afinal, as telas não eram móveis, capazes de nos seguir por todos os cantos, e conteúdos, além de mais restritos, eram limitados a canais e horários específicos. Ainda assim, atire um controle remoto quem não sabia de cor a programação da TV aberta - e mais tarde também a da TV paga.
O convívio intenso dessa primeira geração com as telas foi tema do premiado livro Liga-desliga (Companhia das Letrinhas, 1992), de Camila Franco e Marcelo Pires. Mas na história - veja que ironia - era uma televisão que não saía da frente de um menino. Tanto Camila e Marcelo, como o ilustrador, Jarbas Agnelli, são publicitários e tinham total conhecimento de quanto tempo a TV já ocupava no mundo infantil - bem antes que a internet e os smartphones tablets fossem uma realidade tangível.
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Mas é preciso admitir que a geração que cresceu em frente à TV e viu toda a evolução da conectividade - da internet discada (com a musiquinha) aos gadgets com conexão ilimitada - vive presa ao celular. Ainda que a preocupação com a forma como as crianças se relacionam com as telas seja legítima - e necessária -, para os próprios adultos é dificílimo alcançar um equilíbrio de exposição. Em Papai, ó! (Pequena Zahar, 2024), sentimos a agonia do menino que insistentemente tenta chamar a atenção do pai - em vão. Enquanto o filho se abastece do que vê para criar um universo próprio cheio de fantasia, o pai mal consegue desviar os olhos do ceular - soa familiar?
Se o uso de telas é um mal necessário - e irreversível - como ensinar crianças e jovens a se relacionarem com elas de forma mais saudável? É possível reverter os danos que a exposição precoce a redes sociais e uso de gadgets podem causar à aprendizagem - ou, pelo menos, minimizá-los?
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Não é de hoje que as telas marcam a infância. "A diferença é que as crianças dos anos 1990 cresceram com a participação das telas maiores que são as televisões”, aponta a médica Tâmara Marques Kenski, pós-graduada em Psiquiatria pelo Instituto Superior de Medicina de São Paulo (ISDM-SP). “Na televisão, a gente tinha uma programação mais ampla, programas educativos, de entretenimento”, pontua ela. Ainda assim, eram telas e, portanto, já prendiam a atenção. Tiravam o tempo de outras atividades, deixando a criança mais passiva e reduzindo o estímulo à criatividade e à imaginação. Isso porque, por ser um tipo de entretenimento que já vem pronto, a TV não exige nenhum tipo de interação - basta a contemplação.
Mas se compararmos os conteúdos aos quais a geração Y foi exposta e o que as crianças de hoje assistem, há mudanças significativas. “Os estímulos visuais eram mais simples e previsíveis, sem tanta variação rápida de imagens e sons. Era comum também assistir TV por várias horas, mas havia limites naturais. Os programas tinham horários específicos e você precisava parar para outras atividades”, acrescenta a neurologista Letícia Brito Sampaio, coordenadora do Departamento de Neurologia da Infância e Adolescência do Instituto da Criança e do Adolescente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Para a geração das crianças de hoje, a tecnologia evoluiu, a internet chegou e ficou mais acessível e rápida, as telas ficaram menores e portáteis. “O que antes ficava restrito à sala e a uma programação em horário determinado, passou a poder ser acessado o tempo inteiro e levado para qualquer lugar”, lembra Tâmara.
Além disso, os conteúdos são mais diversos e customizáveis, enquanto os gadgets e redes sociais estão o tempo todo estimulando a interação - rolar a página, curtir, compartilhar, comentar. "Os algoritmos recomendam conteúdo com base no histórico de visualização e preferências do usuário. Sem limitação de programação, as crianças podem passar mais tempo interagindo com os dispositivos. Os estímulos visuais e auditivos são variados e intensos, com mudanças rápidas de imagens e sons, afetando a atenção e a capacidade de concentração das crianças. É comum também fazerem várias coisas ao mesmo tempo, como assistir a um vídeo enquanto jogam ou conversam com amigos”, completa Letícia.
Assim, as crianças podem se conectar em casa, no carro, no restaurante, no parque – e até na escola. Diversos estudos, nacionais e internacionais, apontam os sérios e perversos efeitos disso, com a explosão das notificações de doenças como depressão e ansiedade no público infantil e adolescente. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Datafolha, com base em dados da Rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único de Saúde, registrados entre 2013 e 2023, pela primeira vez na história, os casos de ansiedade entre crianças e jovens superam os casos em adultos. A taxa de pacientes com idades entre 10 e 14 anos, atendidos por conta do transtorno, é de 125,8 a cada 100 mil.
“Os dispositivos móveis estimulam a constante troca de estímulos levando a períodos mais curtos de atenção e dificuldades em manter a concentração em uma única tarefa. Algumas atividades podem estimular áreas específicas do cérebro relacionadas à resolução de problemas e coordenação motora, mas o excesso pode afetar negativamente a memória e a capacidade de aprendizado”, explica a neurologista Letícia. Isso sem falar na maior dificuldade de selecionar e monitorar o conteúdo aos quais crianças e jovens são expostos - desde publicações de teor inadequados à faixa etária, até fake news.
Mas não para por aí. “As redes sociais e os jogos podem levar a comparações e pressões constantes, levando a ansiedade, baixa autoestima, estresse e alterações do sono. A reprodução automática e a recomendação contínua de conteúdo pelos algoritmos criam uma estimulação contínua, que pode sobrecarregar o cérebro e dificultar a capacidade de desconectar e relaxar”, acrescenta. Isso sem falar nas demais consequências como o sedentarismo, a obesidade, a perda de interesse em outras atividades, as dificuldades de foco e atenção, os problemas no desenvolvimento de linguagem, os obstáculos de socialização, entre vários outros.
Tudo isso vêm afetando mais crianças e isso tem acontecido cada vez mais cedo. Outro estudo, realizado pelo Cetic.br, ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil, mostrou que crianças e adolescentes estão se conectando cada vez mais cedo. Segundo o levantamento, 95% das crianças e jovens de 9 a 17 anos acessam a internet e a maioria usa o celular para isso. Desse total, 24% começaram a usar a internet antes de completar 6 anos.
Diante do cenário preocupante, alguns pais decidiram se juntar para tentar reverter ou, pelo menos, frear essa tendência, antes que seja tarde demais. Eles se uniram e criaram o Movimento Desconecta, uma iniciativa que começou com um grupo de WhatsApp de pais em uma escola e, em dois meses, cresceu e se tornou um movimento que se espalhou por vários estados brasileiros.
“A proposta do Movimento Desconecta é adiar a entrega de celular para crianças e adolescentes até pelos menos 14 anos”, explica Fernanda Cytrynowicz, uma das fundadoras. Para ela, a distinção do celular das outras telas, como a televisão e os videogames é um ponto importante, justamente pela facilidade que existe em carregar o aparelho no bolso e acessar a qualquer momento, com diversos recursos. “Acreditamos que é possível manter o uso de outras telas considerando a ‘redução de danos’, a eliminá-las completamente, mas, para isso, é preciso estar consciente dos malefícios do uso excessivo e precoce e adotar algumas medidas para minimizar os efeitos negativos enquanto se permite o uso”, afirma. “Algumas dessas estratégias incluem limitar o tempo de tela, escolher conteúdos adequados para a idade, supervisionar o que as crianças estão assistindo ou jogando, e estar atentos às interações sociais e qualquer sinal de mudança de comportamento. Caso estas estejam sendo afetadas, algo mais drástico deve ser feito e pode-se considerar suspender o uso das telas com acompanhamento profissional psicológico”, acrescenta.
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Diante de tantos dados, estudos e do cenário que se apresenta, é consenso entre os especialistas de que o limite do tempo de tela e a escolha dos conteúdos são fundamentais para evitar prejuízos ao desenvolvimento e à saúde das crianças e dos adolescentes. Adiar o momento em que as crianças ganham o próprio smartphone assim como o acesso às redes sociais são alguns dos cuidados. Ainda assim, nas situações em que retirar completamente os dispositivos não é uma opção, é preciso supervisionar, limitar e saber o que os pequenos estão assistindo, jogando e com quem estão interagindo. “Em ‘emergências’, os pais podem fazer escolhas menos prejudiciais. Selecionar conteúdos educacionais ou programas adequados para a idade de cada criança, com um tempo determinado e optar por conteúdos que promovam aprendizado ou que sejam interativos, por exemplo, pode ajudar a reduzir os impactos negativos da exposição às telas”, diz Fernanda, do Desconecta.
Com a ajuda das especialistas, reunimos aqui algumas dicas para ajudar as famílias a navegarem pelo convívio das crianças e adolescentes com as telas, nos momentos em que precisarem recorrer a elas:
A fabulosa máquina de amigos (Brinque-Book, 2018), Nick Bland
Pipoca era uma galinha muito simpática. A mais simpática da fazenda Fricotico. Insistia em dizer olá para todos os amigos pela manhã, usava palavras como maravilhoso, fabuloso e alegrava todo mundo. Além disso, ela também contava histórias e fazia companhia aos outros animais. Até que um dia, no celeiro, encontrou um misterioso retângulo iluminado que dizia olá. O que seria aquele objeto? Ela resolveu dizer olá também, já que era tão simpática, e de "olá" em "olá", foi fazendo novos amigos. Será? Uma divertida fábula sobre relacionamentos na era da tecnologia, ilustrada com as cores, a irreverência e o talento de Nick Bland.
Que planeta é esse? (Pequena Zahar, 2024), Eduarda Lima
Era uma noite como outra qualquer, quando, de repente, sem aviso... TZZZZR! A cidade toda ficou no escuro. Sem luz e sem internet, lá se foi a reunião da mãe, o jantar do pai, a conversa da irmã com as amigas... Apagam-se as telas, então abre-se um livro e assim começa esta aventura. Atravessamos florestas ancestrais no Brasil e mares de mil cores na Austrália. Do Alasca à Papua-Nova Guiné, somos surpreendidos por aves-do-paraíso, desertos alienígenas e luzes que dançam no céu. Uau! Um a um, todos os membros da família se juntam e partilham o deslumbramento da natureza nas suas diversas manifestações. Nas páginas finais, somos levados a imaginar a utopia de uma "Cidade Verde", que fica como hipótese, desejo, esperança e incentivo ativista. É este o convite da premiada ilustradora Eduarda Lima: olhar lá para fora e redescobrir este planeta, cujo amanhã está nas nossas mãos construir.
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