
Almoço de família: Janaina Tokitaka coloca divórcio e diversidade à mesa
A autora e ilustradora Janaina Tokitaka fala sobre sobre divórcio, diversidade e novas configurações familiares em seu novo livro: "Almoço de família"
A literatura pode incomodar - e muito. Morte, inveja, pobreza, violência e preconceito são alguns dos temas que estão presentes nos livros, inclusive para crianças, e que podem gerar um profundo desconforto. É o que chamamos de temas fraturantes. Também fazem parte desse grupo questões como depressão e ansiedade. Envelhecimento e saúde mental na velhice. Sexualidade.
Ilustração de Bento vento tempo (Companhia das Letrinhas, 2024), de Stênio Gardel com ilustrações de Nelson Cruz, que trata com delicadeza sobre questões de sáude mental na velhice
Embora a literatura não tenha a obrigação de “servir para alguma coisa” - de apresentar uma moral, ensinar ou esclarecer… - e possa se bastar por si mesma, é inegável que as histórias que abordam temas difíceis podem provocar reflexões profundas. Crianças e adultos podem, por meio dos livros, se conectar a cenários e situações áridas que fazem parte do nosso tempo e da essência humana.
As histórias que olham de frente para questões tantas vezes ignoradas na sociedade podem ser ferramentas poderosas para olhar com mais criticidade para o que é considerado padrão, criar empatia por dificuldades coletivas e pessoais que pareciam distantes e ampliar a visão de mundo.
Veja alguns títulos que abordam com delicadeza temas complexos e que podem aproximá-los das crianças:
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A lagarta morreu. Justo ela, tão querida por todos os bichos. E agora, seus amigos têm muitas perguntas a fazer - assim como todos os que vivem o luto de alguém importante. Como será possível seguir a vida sem a lagarta por perto? Quando a dor vai parar de doer? Encontrar as respostas não é simples.
Há tempos, o pato sentia que algo não ia bem. Até que deu de cara com a dona morte - ela mesma! Na verdade, ele descobre que ela sempre esteve por perto. Com suavidade, acompanhamos os últimos dias de vida do pato, em uma narrativa em que a morte é apresentada como uma figura gentil.
Nesta história, dona morte aparece como uma figura encapuzada, mas nada ameaçadora. Ela se senta para conversar com um grupo de crianças em meio à iminente morte da avó - e toda a apreensão e tristeza que essa situação pode despertar. Uma narrativa capaz de mostrar que há beleza também nas despedidas difíceis.
Criaturas repulsivas. Desprezíveis. Indesejadas. Lançando mão de uma metáfora certeira, pessoas pobres e em situação de vulnerabilidade são retratadas neste livro como pombos, em ilustrações ricamente feitas em aquarela. Somos confrontados com o nosso próprio olhar para aqueles que, quando não estão invisíveis, nos incomodam tanto.
Você pode não conhecer o nome, mas conhece o sentimento. Aporofobia é o nome que se dá à aversão pelos pobres. Quando a gente levanta o vidro do carro assim que vê uma pessoa em situação de rua se aproximar. Quando finge que não vê um pedido de esmola. Ou pior: quando ofende essas pessoas, assim como é ofendida a família que aparece retratada nesta história. No livro, os mais diversos insultos são despejados sobre o homem e seus filhos. A pergunta que fica é: por quê?
Na família do menino, só ele via os invisíveis. Aqueles…as pessoas sem rosto, sem nome, sem casa que estão pelas ruas. Sozinhos ou em multidão. O menino só podia mesmo ter superpoderes para conseguir enxergar algo que os adultos não vêem. Um livro-imagem com sintonia perfeita entre texto e ilustrações.
A música composta pelo autor, que exalta a beleza da negritude (nos cabelos, nos olhos, no nariz…) ganhou uma versão ricamente ilustrada em formato de livro infantil. Nada melhor do que transformar em canção e poesia os traços antes menosprezados por puro preconceito - e poder celebrá-los.
Ver nem sempre significa enxergar. E este livro é exatamente sobre isso. Mas alguns encontros podem mudar - e ampliar - nossa perspectiva de mundo. É o que acontece quando o menino Alvo e a menina, Ebony, se encontram.O choque entre realidades tão distintas, revelam para o menino - tão cheio de privilégios - o que ele não conseguia ver. A obra, indicada para leitores a partir dos 9 anos, traz ainda um glossário que pode apoiar discussões por temas fundamentais que (ainda) são invisibilizados.
Em uma visita ao pomar, o pai diz à pequena Estela que as pretinhas são o melhor que há - as amoras, no caso. Ainda bem que a cabeça das crianças é cheia de pensamentos e consegue transfigurar do ordinário grandes ensinamentos. Uma obra inspirada na canção de Emicida de mesmo nome para embalar o orgulho de ser e ainda apresentar às crianças figuras célebres na luta contra o preconceito étnico-racial.
Em forma de poema visual, rico em rimas e paralelismo, entramos em contato com as múltiplas formas de ser - muito além do que se estabelece para cada gênero. Cores, roupas, gostos, formas de agir… nada pode se colocado em apenas duas caixinhas - afinal, há muitas cores mais além de azul e rosa.
Vai ter festa na escola e Kevin quer se vestir de princesa. Para ele não interessa se tem gente que acha estranho, se os meninos vestidos de cavaleiros não querem chegar nem perto dele - talvez eles pensem que seja contagioso…Kevin é uma princesa e ponto final. Ele pega emprestado o vestido e a maquiagem da mãe e da irmã, coloca sapato de salto… e vai.
Muitas crianças veem sua casa virar duas quando seus pais decidem trilhar caminhos diferentes. A emoção transborda em lágrimas - e muitas vezes em destruição. Com sensibilidade e beleza, a narrativa fala da beleza dos recomeços difíceis, mas cheios de esperança, para a família.
Não são só as comidas favoritas de Maya que vão mudando ao longo do tempo, conforme ela cresce. A família da menina também vai mudando: chega mais gente, amplia-se o formato. Seus pais se separam e ambos começam novos relacionamentos, que vão trazendo mais gente para se sentar junto à mesa. Uma narrativa poética que aborda a diversidade e valoriza as diferentes formas de se construir uma família.
Olívia tem uma família diferente dos padrões. E também é uma menina diferente, porque gosta mesmo é de usar palavras difíceis - como ‘intrigante’ ou ‘desfalecer’. Olívia foi adotada por Raul e Luís - que também não podiam ser mais diferentes entre si. Um gosta de brincar de boneca com a filha, o outro de cozinhar. Com ternura, a história deixa claro que com amor, todas as diferenças se tornam insignificantes.
A sensação de deslocamento, de não fazer parte, é algo que todos nós sentimos em algum momento. E é exatamente esse o sentimento da protagonista desta narrativa ricamente ilustrada. Ela se fecha, tímida, ao exterior que parece tão confuso e barulhento. Mas encontra nas histórias um refúgio - uma inspiradora jornada sobre a busca do nosso lugar no mundo.
O grande desafio de Dorinha, que vive sozinha, é preencher seus dias. Embora ela se mantenha ocupada, tem um vazio que não vai embora: o da solidão. Ela percebe que alguma coisa não está bem. Então, cheia de coragem, faz as malas e consegue se (re)conectar com o mundo e com ela mesma. Uma narrativa para nos fazer pensar quando a melancolia, a sensação de vazio passam do ponto e é preciso agir.
Todo mundo tem algo nada gentil para falar sobre o Ernesto. Implicam com a forma como ele fala, como se veste, com o que gosta de fazer. E, assim, vamos assistindo ao pobre Ernesto ficar cada vez mais sozinho… e triste. Só que não tem que ser assim. Um livro para despertar a empatia e encorajar as crianças (e os adultos também) a não naturalizarem (ou se conformarem), com qualquer tipo de opressão.
O avô "sempre teve os pés no chão". Mas agora seus pensamentos parecem cada vez mais afastados da Terra… Seus pensamentos vão se apagando. Suas memórias vão se apagando. Sua identidade vai se apagando. Uma narrativa comovente sobre como é testemunhar, em família, o envelhecimento de alguém querido.
O avô Cacá andava esquecido, confuso... Em vez de seu costumeiro comportamento inquieto, agora ele passava os dias sentado na cadeira de balanço. E seu neto, Bento, não só percebeu a mudança, como iniciou uma jornada para ajudar o avô a se reconectar com ele mesmo - e com o mundo. Uma narrativa em cordel com belíssimas ilustrações do premiado Nelson Cruz.
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Para inspirar a reflexão e encorajar uma conversa franca e delicada a respeito de perdas e ausências, selecionamos algumas passagens de obras sobre o assunto
Avós cuidam dos netos - mas pode chegar um dia em que eles é que precisem ser cuidados. Para as crianças, essa inversão pode gerar dúvida e preocupações. Como explicar o que está acontecendo?