Rita Carelli e o 'reflorestamento dos imaginários' na ponte entre dois mundos
A autora fala sobre o existir entre a cultura ocidental e os povos originários, na infância entre indígenas e a na importância de fugir de ideias pré-concebidas
“Ser índio deixou de ser sinônimo de escondido no mato”, como já declarou Ailton Krenak. Os indígenas hoje podem viver em cidades, ter acesso às tecnologias, usar calça jeans - mais de 63% deles, aliás, vivem fora das terras indígenas no Brasil. O Censo de 2022 contabilizou 1,7 milhão de indígenas no país, o que corresponde a 0,83% da população total do país - a maior parte concentrada na região da Amazônia legal.
Com poesia, somos introduzidos ao universo da menina Tuiupé em Tuiupé e o maracá mágico (Companhia das Letrinhas, 2024)
Mas ser indígena não é só questão de origem. É comungar de uma cultura própria mas diversa. São muitos povos, muitas línguas diferentes, muitas tradições particulares. Em comum, há uma relação estreita com a natureza e uma lógica que contraria o eurocentrismo a que estamos acostumados. Podemos aprender com a cultura indígena uma nova forma de nos relacionarmos com o planeta, com outros seres e com nós mesmos.
Nosso tempo é especialista em criar ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio sentido da experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de dançar, de cantar. E está cheio de pequenas constelações de gente espalhada pelo mundo que dança, canta, faz chover. Ailton Krenak em ‘Ideias para adiar o fim do mundo’
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Nesta história, o próprio criador decide descer à Terra para dar uma olhadinha em suas criaturas… Mas ele assume a forma de um tamanduá. Enquanto o povo da aldeia o alimenta, sonhando transformá-lo em jantar, dois meninos mais do que sabidos, Roti e Cati, percebem quem o animal é na verdade. Uma bela forma de apresentar às crianças uma lógica diferente da que está presente nas narrativas eurocentradas. A história é frequente nas apresentações de Ailton Krenak, que concebeu o livro em parceria com Rita Carelli.
Em formato de cordel, com versos fluidos, conhecemos uma história que aconteceu há muito tempo, em uma época de bonança e alegria para os povos originários. Um tempo em que se colhiam frutos e plantas, se tomava banho de rio e a paz reinava.Nesse tempo, a menina Tuiupé, vivia com seu pai, o pajé Saracura. Como toda menina, Tuiupé sonhava. Porém, em um dia em que precisou escapar de uma grande chuva, algo impensável aconteceu… Este livro é parte da Coleção Canoa, que tem como objetivo levar literatura infantil de qualidade a preços acessíveis. E a autora, Auritha Tabajara, nascida no Ceará, é a primeira mulher indígena a publicar livros de cordel no Brasil.
Que maravilha é poder se reconhecer indígena. Com orgulho e poesia, este poema-manifesto celebra as origens, a ancestralidade e a identidade dos povos originários. Uma obra para mostrar às crianças o que ser indígena representa - e poder celebrar os sabares, tradições e costumes próprios. Outro livro que faz parte da Coleção Canoa.
Talvez este seja um dos primeiros livros que deu voz a um indígena para falar sobre a própria cultura. Na primeira parte, somos apresentados a Kaxim um “menino que não sabia sonhar". O pajé havia escolhido-o como seu sucessor, mas para que ele pudesse compartilhar dos segredos do ofício, era preciso aprender a sonhar - uma capacidade cada vez mais difícil de ser cultivada em meio a tanta racionalidade. Na segunda parte, o autor compartilha, com humor, suas experiências no mundo dos brancos.
É pelos olhos do menino Kabá que conhecemos um pouco mais sobre os Munduruku. "Nossos pais nos ensinam a fazer silêncio para ouvir os sons da natureza; nos ensinam a olhar, conversar e ouvir o que o rio tem para nos contar; nos ensinam a olhar os voos dos pássaros para ouvir notícias do céu; nos ensinam a contemplar a noite, a lua, as estrelas..."
Esta antologia conta com a contribuição de 12 autoras indígenas contemporâneas: Auritha Tabajara, Bruna Karipuna, Chirley Maria Pankará, Eliane Potiguara, Glicéria Tupinambá, Lidiane Damaceno Krenak, Márcia Mura, Naine Terena, Simone Karajá, Telma Taurepang, Trudruá Dorrico e Vanessa Kaingang. A partir de sonhos, da ancestralidade, de vivências intensas e da observação da natureza, os contos e recontos que fazem parte dessa obra misturam ficção e não-ficção, costurando um universo próprio. Além de mostrarem a amplitude e a riqueza da cultura indígena, as histórias contadas ressaltam as tramas que nos conectam enquanto seres humanos: o amor, a amizade, as relações familiares. A obra conta com um glossário e é indicada para leitores a partir de 9 anos.
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