Homem-cão na telona: humor e muitas camadas de emoção

25/02/2025

O Carnaval se aproxima e José Mariano, 6 anos, já tem planos: quer sair usando sua fantasia de Homem-Cão. Sua mãe, a ilustradora Bruna Lubambo (As aventuras de Dorinha e De passinho em passinho, ambos da Companhia das Letrinhas), ajudou a fazer uma máscara que imita a cabeça canina do personagem. O resultado ficou incrível e ele não vê a hora de estrear. Para acompanhá-lo, Bruna vai ser a repórter Sara Hatoff e o pai vai de Chefe. Todos são estrelas da série de livros O Homem-Cão (Companhia das Letrinhas, 2017), de Dav Pilkey. José é apaixonado pelos livros e teve um motivo extra para sua escolha de fantasia: a adaptação da história para o cinema estreia dias antes da festa, em 27 de fevereiro. “Esse ano, lembramos do filme, que sairia em uma data próxima. Vai ser uma brincadeira legal e talvez as crianças reconheçam, já que o personagem estará fresco na cabeça de quem assistiu”, conta a mãe. 

O Homem-Cão (divulgação)

A máscara foi feita com jornal e goma, no estilo das máscaras La Ursa, tradicionais no carnaval pernambucano. Bruna se inspirou em sua origem familiar, que é do Recife, e, literalmente, colocou a mão na massa. E esta não foi a primeira vez que José se inspirou nos personagens de Pilkey para brincar na folia. “Ano passado, ele foi de Capitão Cueca e desenhou até um estandarte, ‘Unidos do Capitão Cueca’”, conta. Um fã de verdade das famosas séries em quadrinhos do autor e ilustrador norte-americano. 

E ele não está sozinho nessa! Lucas Gavilan, 8, é fã do Homem-Cão e está contando os dias para conferir a animação no cinema. “Ele ama e fez turma toda da escola amar também”, conta sua mãe, a também ilustradora Clara Gavilan, autora que acaba de chegar à editora e lança, em março, Berço, balanço, colinho, neném (pelo selo Brinque-Book, ao lado de Rafaela Deiab e Tieza Tissi). “Ele se interessou primeiro pelo Capitão-Cueca, em uma ida a uma livraria. Na época, nem fazia a leitura sozinho, mas pedia que eu lesse para ele à noite”, relata. Hoje, Lucas não apenas lê como é “influencer literário”, como brinca Clara. “Na escola, eles têm um momento para ler o que quiserem. Ele sempre levava os livros do Homem-Cão. Então, começou a emprestar os que já tinha terminado para os amigos. Logo, a turma estava lendo a coleção inteira”, diz ela. Empolgado, assistiu ao trailer da animação com o pai e disse: “Acho que o filme vai ser muito emocionante! Gosto do personagem Homem-Cão porque ele tem uma cabeça de cachorro e faz coisas muito legais”, explica o menino. 

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Um papo honesto com as crianças

O Homem-Cão, o filme

O filme vai agradar muito aos fãs dos livros e conquistar novos, se for o caso. O espectador ri, com aflição, dos apuros do Homem-Cão, que tenta controlar seu instinto canino quando um brinquedinho faz barulho ou um esquilo passa correndo! Faz de tudo para não desviar a atenção de sua importante função como policial até mesmo quando a vontade é de dar umas boas lambidas molhadas no Chefe! Uma das características mais marcantes da série de livros, que aparece também de forma fiel na adaptação cinematográfica, é a maneira como os personagens são leves e divertidos, mas, nem por isso, deixam de ser carregados de emoções e de dialogar francamente sobre isso com o público infanto-juvenil de forma direta e honesta. Para a editora Gabriela Tonelli, da Companhia das Letrinhas, o enredo vai além da aventura e da jornada do herói. “Mesmo com a fantasia, com o que parece absurdo, é fácil se identificar com a história, com o que os personagens sentem, com as situações pelas quais passam”, detalha. 

De maneira geral, as crianças gostam de ser tratadas de igual para igual, sem desvios, enrolações ou firulas. Honestidade também conta pontos, assim como quando os adultos não subestimam sua capacidade de compreender temas profundos, de acordo com a idade, é claro. Tudo isso está presente tanto nos quadrinhos, quanto no filme O Homem-Cão, dirigido por Peter Hastings, o mesmo que assinou outra adaptação de Pilkey, com As épicas Aventuras do Capitão-Cueca (Companhia das LEtrinhas, 2017). Com boas doses de humor e aventura, os personagens também demonstram emoções reais e verdadeiras, além de tratar de temas sérios como a amizade e a capacidade de acreditar em si mesmo e no outro. “Pilkey, o autor, respeita muito a autonomia do leitor, assim como o direito dele de se divertir, refletir e se sentir acolhido - e é por isso que ele acerta tanto no tom do humor. Ele se aproxima do tom das crianças, de um jeito respeitoso, que não é forçado”, descreve Gabriela.

A nova animação é baseada no volume 1 da série de livros do Homem-Cão e mostra como ele surgiu, a partir da junção de um policial humano e seu amigo fiel, um cachorro. Em uma missão de trabalho, eles sofrem um acidente e precisam ser levados para o hospital, onde passam por um procedimento de fusão. Eles passam a ser um só: corpo de homem e cabeça de cão. Agora, eles vão precisar combater um vilão, o gato Pepê. 

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Quadrinho é leitura – e de muita qualidade!

Imagem do primeiro volume de O Homo-Cão

Em um contexto em que crianças e jovens são cada vez mais instados a estímulos rápidos e viciantes, incentivar a leitura, de diversas formas, ganha uma urgência ainda maior. Obras que oferecem uma experiência prazerosa, leve e divertida, sem perder, no entanto, a profundidade, como é o caso de Homem-Cão, aproximam ainda mais o público infantojuvenil da literatura e têm o potencial de ampliar o olhar para outros gêneros. “Tenho estudado a questão da formação de leitura desde a década de 1990. Posso afirmar, com respaldo acadêmico, que as histórias em quadrinhos são uma fonte de leitura e informação que forma leitores e articula comunidades leitoras”, diz a professora Valéria Bari, graduada em Biblioteconomia, professora da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e membro Observatório de Quadrinhos da Universidade de São Paulo (OHQ/USP). “Com toda a certeza, a leitura das histórias em quadrinhos gera interesse por outras fontes de leitura, criando um perfil leitor eclético. A leitura das histórias em quadrinhos não pertence a uma faixa etária, é atraente e recompensadora a  todas as pessoas, de todas as idades e níveis de educação”, afirma. 

Ainda assim, existe um certo “preconceito” por parte de algumas famílias e até de alguns educadores, como se os quadrinhos fossem um tipo de leitura menor ou menos importante, dentro da literatura. Para Valéria, esse “obscurantismo” está sendo vencido “Tanto, que, hoje, as histórias em quadrinhos figuram entre as fontes de leitura indicadas entre as políticas e diretrizes do Ministério da Educação, como os documentos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)”, destaca. “A leitura de lazer é voltada para a ludicidade, para o pertencimento e para o entretenimento. Constrói inteligência e conhecimento, por vias diferentes da Educação Formal. Brincando se aprende!”, lembra ela, que afirma ser urgente que educadores e formadores de opinião ajudem a estimular a sociedade a cultivar a leitura de lazer. “A história em quadrinhos, com uma linguagem híbrida de texto e imagem, é tida por diferentes especialistas como formadora de leitores ecléticos, senso estético e leitores críticos e ativos”, defende. 

Gabriela concorda e ressalta também que tão essencial quanto a alfabetização da palavra é a alfabetização da imagem. “Às vezes, deixamos de lado esse aprendizado de ler a imagem e refletir sobre o desenho das páginas – e isso é tão importante quanto o texto e tem sido muito presente nas nossas vidas”, argumenta. “Com as redes sociais, é comum que as pessoas se comuniquem exclusivamente através de imagens, fotos, artes desenhadas, montagens. Então, é fundamental ter acesso a essa alfabetização imagética”, pontua. Para ela, a história em quadrinho é um gênero literário que possibilita essa fusão na leitura.

Mas a editora também lembra que, embora este seja uma ideia pré-concebida comum, vale lembrar que a literatura não precisa ser utilitária. “Principalmente quando falamos sobre crianças, é comum achar que a leitura tem que ensinar algo, tem que ser pedagógica e não artística, não para refletir, divertir. Mas a fruição e o prazer, não só da leitura, como da arte como um todo, é um direito que deve ser universal”, diz ela. 

A adaptação para o cinema é outra forma de cativar leitores. Da mesma forma que crianças que já são fãs dos livros, como Lucas e José, ficam ansiosos para ver seus personagens favoritos em uma animação, o caminho inverso também acaba ocorrendo: parte do público pode ter o primeiro contato com a história no cinema e, a partir daí, despertar interesse pelos livros. “Toda adaptação é uma alteração de suporte, mídia, linguagem ou conteúdo, a partir de um texto-fonte. É desejável que a adaptação seja diferente do texto-fonte, mantendo, contudo, a fidelidade ao enredo e argumento. No caso do Homem-Cão, acredito que o enredo foi preservado, inclusive no sentido de convidar a audiência do filme a fazer a leitura das obras. Desse modo, a adaptação para o cinema favorece a mediação da leitura”, afirma a professora Valéria. 

Você faz parte do time de fãs do Homem-Cão, curiosos para ver as aventuras na animação, ou pretende assistir ao filme para depois devorar a leitura? Prepare a pipoca!

Trailer do filme (dublado): 

(texto: Vanessa Lima)

 

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