Autores e ilustradores negros para conhecer e celebrar
De Emicida a Kiusam de Oliveira, de Chimamanda Ngozi Adichie a Otávio Junior: veja autores e ilustradores negros para apresentar às crianças
Por Waldete Tristão
Muito já se falou sobre esse tema e, se ainda estamos falando nele é porque ainda se faz necessário, pois, apesar dos avanços legais e das discussões crescentes e permanentes sobre diversidade e inclusão, o racismo continua tendo uma força estrutural que atravessa todas as esferas da sociedade brasileira.
No campo educacional, essa realidade se manifesta tanto na invisibilidade das culturas afro-brasileira e indígena quanto na ausência de práticas pedagógicas que promovam a equidade racial. Diante disso, este ensaio defende a urgência de se falar em antirracismo e de se implementar efetivamente a educação das relações étnico-raciais nas escolas, conforme previsto em lei, mas ainda negligenciado na prática.

Retrato de Waldete Tristão
O racismo no Brasil não se limita a atos isolados de discriminação; ele está enraizado nas estruturas sociais, políticas e econômicas e muitas vezes se manifesta de maneira sofisticada. A ideia de uma “democracia racial” — que sugere uma convivência harmoniosa entre os diferentes grupos étnicos — é um mito que mascara desigualdades profundas. Até porque, indicadores sociais revelam que pessoas negras e indígenas enfrentam maiores taxas de pobreza, menor acesso à educação de qualidade e menor representatividade em espaços de poder. Nesse contexto, o antirracismo surge como uma postura ativa e necessária, que vai além da simples negação do racismo: trata-se de agir para desconstruir os mecanismos que o sustentam.
A escola é um dos principais espaços de socialização e de formação da cidadania e da identidade. É nela que crianças e jovens constroem sua visão de mundo, seus valores e suas relações com o outro. Por isso, a educação das relações étnico-raciais é fundamental para promover o respeito à diversidade, fortalecer a autoestima de estudantes negros e indígenas e formar cidadãos críticos.
Essa formação precisa começar desde a educação infantil. É nesse período que se experimentam as primeiras noções de pertencimento, identidade e convivência. Crianças pequenas já percebem diferenças raciais e, sem uma mediação pedagógica adequada, podem reproduzir estereótipos e preconceitos presentes no ambiente familiar e social. Por isso, é essencial que educadores da infância estejam preparados para abordar a diversidade étnico-racial com sensibilidade, intencionalidade e compromisso.
A inserção de práticas antirracistas na educação infantil pode se dar por meio de:
- Brincadeiras que valorizem diferentes culturas.
- Livros infantis com protagonistas negros e indígenas.
- Representações visuais diversas nos materiais pedagógicos.
- Conversas sobre respeito, identidade e ancestralidade.
Importante destacar que esse desafio não se restringe às escolas públicas. Nas instituições privadas, onde muitas vezes há maior acesso a recursos pedagógicos, o enfrentamento ao racismo também é negligenciado. A falsa ideia de que o racismo é um problema exclusivo das camadas populares contribui para o silenciamento do tema em ambientes escolares elitizados. Assim, tanto nas escolas públicas quanto nas privadas, a educação das relações étnico-raciais permanece como uma lacuna urgente a ser preenchida — e isso deve começar desde os primeiros anos da vida escolar.
Desde 2003, a Lei 10.639 tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas. Em 2008, a Lei 11.645 ampliou essa obrigatoriedade para incluir também a história e cultura indígena. A celebração de um Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro, foi instituída como feriado nacional, reforçando a importância da data como marco de reflexão sobre a luta contra o racismo e a valorização da cultura negra.
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Nesse contexto, muitas escolas até realizam atividades educativas, durante o mês de novembro: rodas de conversa, exposições, apresentações culturais, estudos sobre a vida de Zumbi dos Palmares e outros líderes negros. Essas ações são valiosas e devem ser reconhecidas como passos importantes na construção de uma educação antirracista. No entanto, é preciso saber que não é suficiente que essas práticas ocorram apenas em novembro. Instituições educacionais comprometidas com esta temática fazem isso o ano inteiro!
A educação das relações étnico-raciais deve ser permanente, transversal e integrada ao currículo escolar durante todo o ano letivo, pois, ao reduzir o debate racial a um único mês — por mais simbólico que ele seja — corre-se o risco de transformar a luta antirracista em uma ação pontual, esvaziada de continuidade e profundidade. A legislação exige mais do que homenagens: exige compromisso pedagógico e político com a transformação da realidade educacional.
Eu gostaria muito mais de falar em educação das e para as relações étnico-raciais nas escolas do que de antirracismo, no entanto, o cotidiano escolar ainda revela silêncios históricos e estruturais, nos quais o racismo paira de forma contundente, ainda. Muitos profissionais da educação sinalizam não se sentirem preparados para abordar questões raciais, seja pela ausência desde a formação inicial, seja por receio de lidar com conflitos, seja por acreditar que somente os profissionais negros ou ativistas podem fazer isso. Além disso, o currículo escolar ainda privilegia narrativas europeias, apagando as contribuições africanas e indígenas para a formação da sociedade brasileira, ao mesmo tempo em que reforça estereótipos, naturaliza desigualdades e perpetua o racismo.
Mas, para que a educação cumpra seu papel emancipador, há alguns caminhos para a transformação, através da implementação de práticas pedagógicas antirracistas, desde a educação infantil. Isso inclui:
- Formação continuada de professores com foco em letramento racial;
- Revisão dos materiais didáticos e inclusão de autores negros e indígenas;
- Criação de espaços de escuta e diálogo com estudantes e comunidades;
- Fortalecimento de projetos interdisciplinares que articulem arte, literatura, história e sociologia com a temática racial;
- Compromisso institucional — público e privado — com a implementação das leis e com a construção de uma cultura escolar antirracista;
- Valorização das ações realizadas em novembro, mas com a consciência de que elas devem ser mais uma, ao longo do ano.
Além disso, é fundamental reconhecer a responsabilidade das famílias nesse processo. A parceria entre escola e família é indispensável para que os valores de respeito, equidade e justiça social sejam vivenciados de forma coerente dentro e fora do ambiente escolar. Famílias precisam estar abertas ao diálogo, à escuta e à desconstrução de preconceitos, contribuindo para a formação de crianças conscientes de seu lugar no mundo. Estou falando de uma predisposição para a (re) educação das relações raciais, vivenciadas pelas famílias que muitas vezes pode significar o silêncio e a ausência do enfrentamento de práticas racistas internalizadas.
A construção de uma sociedade antirracista também depende de uma rede de proteção social articulada, que garanta direitos, promova políticas públicas inclusivas e enfrente as desigualdades raciais de forma sistêmica, de tal modo que educação, família e políticas sociais caminhem juntas.
Por fim, falar em antirracismo e da implementação da educação das relações étnico-raciais nas escolas não é uma escolha, mas uma urgência ética e política. É preciso romper com os silêncios que sustentam o racismo e construir uma educação comprometida com a justiça social, a diversidade e a dignidade humana. A escola pode transformar realidades — desde que esteja disposta a enfrentar seus próprios limites e a se reinventar como espaço de inclusão e resistência. E essa reinvenção precisa acontecer em todas as escolas, públicas e privadas, durante todo o ano — e não apenas em novembro, nem apenas a partir do Ensino Fundamental, mas desde os primeiros anos da infância.
Ao escrever este ensaio, reconheço que repito o que já vem sendo dito há muito tempo por estudiosos, pesquisadores e militantes da educação antirracista, mas essa repetição não é redundância — é resistência. É a reafirmação de uma luta que ainda não foi vencida, e que precisa continuar sendo dita, escrita e vivida até que se torne prática cotidiana e política pública efetiva.
Somente com o envolvimento das escolas, das famílias e de uma rede de proteção social comprometida com a educação, e quando necessário, a reeducação das relações étnico-raciais é que poderemos sonhar com a existência de uma sociedade verdadeiramente equânime, fraterna e comprometida com a justiça social.
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Waldete Tristão é doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Pedagoga e Mestra pela PUCSP. Atuou como professora e coordenadora pedagógica na rede municipal paulistana. Escritora de livros para as infâncias. Consultora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) no campo da equidade racial na educação básica. Professora no curso de Pedagogia do Instituto Singularidades, em São Paulo. Autora, ao lado de Rodrigo Andrade, de O quintal das irmãs (Pequena Zahar, 2024).
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