Humor na literatura infantil: uma ferramenta sofisticada
Além de aproximar as crianças dos livros, o humor as faz pensar e questionar. Conheça aqui alguns tipos de humor e os livros do gênero que mais fazem sucesso
O que há depois de lá? De lá? Onde? Opa: não, o título do livro que Alexandre Rampazo (2025) está lançando com a Brinque-Book não tem ponto de interrogação. Chama-se apenas: O Que Há Depois de Lá. Então, se não é sobre uma pergunta, pode ser que seja sobre uma resposta. Mas o que nos leva a buscar respostas?
O livro do artista paulistano nos dá esta tal de “curiosidade”. Curiosidade feito a do Zé, um dos chimpanzés de um zoológico que se intriga demais com um objeto, um objeto que abre outros. Em um jogo na linguagem do livro ilustrado, Rampazo nos narra a história em uma relação palavra, imagem e design daquelas para leitores e leitoras que gostam de ler detalhes. Primeiro, a capa, tem uma abertura em faca especial onde podemos ver o rosto do animal, um dos olhos aberto e o outro fechado, como quem procura algo com precisão. “Havia algo estranho jogado ali no chão”, começa a narrativa verbal. Pela imagem, começamos a ver também uma chave.
O pequeno chimpanzé, Zé, questiona os pais. Nada. O corvo que também morava por ali, começa a dar pistas e o tempo passa, mas a curiosidade do bicho, não. E a cada virar de páginas ele dá um passo a mais, assim como o projeto gráfico vai “abrindo” a história cada vez mais para nós. É a tal pers-pec-ti-va, sabe? Quando a gente pergunta, ela amplia.
O leitor ou a leitora pode se envolver com o pequeno personagem, observar os detalhes da ilustração, ver as mudanças que a narrativa de texto aponta, pode juntar tudo, pode filosofar sobre a vida. Coisa boa de fazer entre família, quando a gente consegue conversar, alargar o tamanho do mundo em que vivemos.

O autor Alexandre Rampazo
Conversamos com Alexandre Rampazo sobre seus desejos com esse livro novo circulando por aí. E o autor de Este é o lobo (Pequena Zahar, segunda edição, 2020) conta para nós alguns pontos que ele pensou. Confira:
Alexandre Rampazo: Hummm, está igual o Abujamra (Ator e apresentador falecido, Antonio Abujamra) no Provocações (programa da TV Cultura), que perguntava ao entrevistado no final: O que é a vida? (risos).
Alexandre Rampazo: Foi de uma pergunta quase filosófica. É o que acontece comigo, é uma provocação interna, dessas perguntas que eu levanto para mim mesmo, sabe? Porque eu sempre fui um cara muito perguntadeiro, desde a criança. De ver algo banal e perguntar: "Opa, e aí, para que que isso serve, né?”
E os livros acontecem de eu estar atento a essas coisas que chegam a mim, ao meu olhar e não deixar passar.
Eu tinha uma professora na faculdade que falava: "Fica atento ao ruído". E o que é estar atento ao ruído? Eu tenho uma caixinha que eu guardo chaves de chaves de cadeados assim, normalmente para as malas de viagem, assim. Elas estão todas marcadinhas assim: a chave com duas bolinhas e o cadeado com duas bolinhas, elas conversam. E no meio dessa caixinha, não sei por que, tinha uma chave grande, meio de porta. O que que essa chave tá fazendo aqui?”, falei, "Deve abrir alguma porta aqui…” Testei algumas portas, e obviamente não abriu nada.
Alexandre Rampazo: Você tem uma coisa completamente nova na sua frente, não sabe o que é, como ela funciona, o que ela faz, e que você tem que tentar encontrar uma resposta para isso. Pensei numa chave. É muito parecido com a vida da gente. O tempo todo a gente tá tentando abrir portas e qual é o simbolismo nisso? Abrir portas é conhecer lugares novos, é a possibilidade de novas perguntas, né? Novos mistérios, a possibilidade de acessar um outro lugar e de repente é um lugar até de desconforto…
Alexandre Rampazo: Comecei a fazer essa analogia, num ambiente de um zoológico, mas sem que o leitor soubesse, que é um zoológico. Pensei que normalmente é um bicho muito curioso. É muito próxima da curiosidade do humano, de poder caminhar e encontrar algo e manusear. Então pensei nesse personagem principal, encontrando um objeto que não fizesse o menor sentido para o cenário onde ele está. E, aos poucos, ele fosse descobrindo isso. E daí a gente chega no livro, como objeto: a capa parece uma janela, e tem um personagem, o Zé, olhando para fora.
Alexandre Rampazo: Exatamente! Olhando para o leitor. Não diretamente para o leitor, mas aponta para onde o livro vai. O leitor está na mesma posição que o chimpanzé.
Alexandre Rampazo: Isso. O texto inicial não chama de chave o que o personagem encontra. Então, o leitor que pega o livro pela primeira vez, ele também não sabe o que é esse objeto de metal. E na segunda página ele já meio que vai identificar, mas o personagem da nossa história, não. O Zé não sabe. E daí tem uma brincadeira narrativa de como o universo dele vai se expandindo aos poucos, e a página se expandindo. Conforme o tempo vai passando, existe essa expansão e a gente entende onde esse personagem está. No primeiro momento parece uma floresta e na verdade é um lugar reservado. O tempo todo o livro está brincando com esse micro e o macro, esse desvendar: a motivação pela curiosidade. A gente caminha é justamente por conta dessa curiosidade. Esse descobrir. Num primeiro momento, a gente está num conforto dos nossos iguais, nas pessoas que te trazem afeto, um afago e, de repente, é mais forte do que você querer dar um passo novo. Você tentar entender o que há depois de lá.
Alexandre Rampazo: Isso mesmo. Existe um modo de vida, existem pessoas adaptadas àquele modo de vida, no livro, personagens adaptados àquele modo de vida e o novo sempre pode ser uma escolha. O Zé poderia escolher fechar a porta e continuar no conforto dele, ali, né?
E o curioso também desse negócio de perguntar para o seu pai. Quando a gente tem filho, a gente se coloca num lugar de tentar ter todas as respostas. E não saber lidar com isso ou não demonstrar para o filho que você é falível. E ele te enxerga como realmente é. E você tinhas todas as respostas e, de repente, você não tem uma. E aí acontece até ao contrário e a criança faz você reformular ou resignificar um monte de coisa. A gente como adulto se esquece um pouco do inédito do mundo. Mas a curiosidade vem e é o que move a gente, a gente está fazendo perguntas o tempo todo.
(texto Cristiane Rogerio)
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