Trecho do livro O MUNDO NÃO É CHATO

OBJETO SIM EUCANAÃ FERRAZ "OS LIVROS SÃO OBJETOS TRANSCENDENTES" CAETANO VELOSO, Livro Também no Brasil, o século XX assistiu ao nascimento de manifestações artísticas excepcionais. A canção popular avizinhou-se da arquitetura, das artes plásticas, do teatro, do cinema e da literatura com vigor semelhante ao dessas áreas e injetou, por sua natureza híbrida, uma inequívoca complexidade na vida cultural do país. Nesse quadro, sem qualquer dúvida, nenhum compositor ou cantor esteve, ou está, mais próximo da excelência multiforme exigida pela arte moderna que Caetano Veloso. Impossível não reconhecer em sua obra musical o êxito na mobilização do vário sortimento de pesquisas formais da poesia e da música contemporâneas tanto para a captação das modulações cambiantes de sua expressão pessoal quanto para a apreensão da multiplicidade avassaladora da vida urbana. E, dado fundamental, a síntese aí alcançada não abdica de sua origem e não deixa de retornar a ela: a música popular. Como tive oportunidade de observar em outro momento, Caetano tem uma rara aptidão para o discurso público. Nesse sentido, às canções vêm se somar suas muitas e longas entrevistas, mas também seus textos em prosa, publicados em jornais, revistas, encartes de discos e CDs. Num deles, tratando de Je vous salue, Marie, de Godard, observa que no filme há "uma dança do intelecto entre os signos visuais" (p. 230). A escrita de Caetano, igualmente, mostra uma dança do intelecto: entre a racionalidade e a intuição, a argumentação lógica e a instabilidade da declaração apaixonada, o rigor da análise e o apreço pela expressividade provocativa da incoerência. Contrariando, no entanto, o que essa seqüência pode sugerir, o curso cambiante do pensamento não se limita a oscilar entre os extremos dos pares opositivos e cruza transversalmente as dualidades. Na prosa de Caetano, os dispositivos modernos aparecem na escolha dos temas - as cidades, o cinema, os shows de música popular, a poesia e o teatro de vanguarda, a dança contemporânea, as relações da arte com o mercado - e na forma. Os textos dos anos 70 são os melhores exemplos de uma pesquisa formal flagrante, vazados numa linguagem fragmentária, marcada por paronomásias, recortes bruscos, colagens e ritmos sintáticos. Há um livre exercício do pensamento, que, aparentemente desinteressado do próprio sentido, deixa ver uma lógica peculiar no jogo associativo de conteúdos e na manipulação das palavras, tratadas como matéria sonora. Soma-se a tudo isso um desprezo, típico da contracultura de então, por qualquer ordem intelectual acomodada em paradigmas consagrados. Pode-se observar aí alguma semelhança com os ruidosos discursos escrito, fílmico e gestual de Glauber Rocha, com a poética irrequieta de Waly Salomão, com as experimentações plástico-poéticas de Hélio Oiticica, mas também com a soma música-performance-comportamento dos cantores de rock-n'-roll ou os movimentos de câmera da nouvelle vague: sem deixar de ser a expressão pessoal de Caetano, os textos eram também o relato e o projeto de uma geração de artistas voltados para a libertação dos afetos, da arte, da cultura e da vida, cabendo à palavra ser um "gesto" a mais - mas fundamental - de uma utopia transformadora. O marco temporal dessa escrita tropicalista fica evidente quando percebemos que os textos anteriores aos anos 70 estão mais próximos dos mais recentes, nos quais se vê claramente o encaminhamento para uma discursividade próxima do ensaio, com o pensamento expondo, de modo mais ou menos sutil, sua construção em torno dos objetos de escolha, quase num girar da coisa à frente do olhar cubista, embora sem as bruscas rupturas. Nessa escrita mais ensaística permaneceu porém o tom exaltado, desdobramento da impaciência e da indignação, da simpatia e do amor. Daí, fatos e personagens podem parecer, à primeira vista, hipervalorizados, ou ainda, no oposto extremo correspondente, tornados por demais insignificantes. Observo, portanto, que o juízo e suas conseqüências (entusiasmar-se, amar, desamar, elogiar, recriminar) não se fazem à maneira de uma decisão tomada diante de determinada causa, geradora de um efeito. Sob o foco do pensamento está algo mais espesso, intenso e de maior escala: a proporção e o alcance de cada coisa (ato, personagem, linguagem...) no interior de um sistema. Na verdade, não há um valor predeterminado nem a possibilidade de o objeto ser pensado isoladamente. É o que se verá nas leituras de fenômenos da cultura como Carmen Miranda, Giulietta Masina, Mãe Menininha do Gantois, um filme, uma peça de teatro, a declaração de um jornalista, uma canção, um disco. O sucedâneo dos assuntos se dá não porque animado por um simples mecanismo de digressão, mas porquanto o deslocamento parece ser o modo único de aquela sensibilidade existir. Um estilo, portanto. A escrita de Caetano impressiona sobretudo por sua visão dos matizes a meio de uma coisa e outra, por sua procura extremada, e nunca concluída, por um ponto em que instalar a palavra, apta a exercer sua razão ética, estética e política. Longe da transitividade estreita entre causa e efeito, ou do salto entre um extremo e outro, a palavra move-se por sutis florações do pensamento, da observação. Não será difícil, então, percebermos que os comentários se desdobram muitas vezes movidos pelo indisfarçável prazer da inteligência que assiste ao próprio maquinismo em ação, importando menos o desenovelar de uma circunstância (algo como uma decifração ou um fecho elucidativo) que o gosto de perscrutar impasses e armadilhas, de algum modo presentes naquilo que se diz e sempre inerentes ao próprio ato de dizer-escrever. Estamos, então, na esfera do ensaio tanto quanto na da crônica. Em que pesem as diferenças, nestes três momentos - antes, durante e depois dos anos 70 - há uma larga utilização de citações, referências colhidas aparentemente ao acaso, reminiscências, achados de humour, ironia, deboche, rompantes de indignação, doçuras sentimentais, argumentações dilatadas, sínteses, concisão, seqüências, cortes. Outra marca que atravessa os textos da juventude e segue até 2004 é o que poderíamos chamar de exaltação da fala: fala amorosa que se desdobra em mais e mais, que se gasta como se não fora ter fim, cega à possibilidade de crise. Estaríamos diante de uma pulsão da observação? Caetano Veloso, o criador (englobando-se com tal epíteto as várias facetas do artista e do crítico da cultura), está constantemente pondo-se num lugar para ver, pensar, dizer; colocando-se sempre em relação a alguém, a um discurso, a uma moral, a uma estética. Nos textos selecionados aqui, vê-se claro o desejo daquele que fala: situar-se em forma de diálogo, interpretação, anotação, glosa, paródia, o que significa dizer, antes de mais, que Caetano está sempre em posição de enunciação. Estamos definitivamente diante de um olhar político sobre as coisas. Em sua base, o desejo de compreender as várias dimensões ideológicas da fala: onde o discurso se produz? Para onde ele se projeta? Ou ainda, quais seus circuitos e limites? Esse olhar político não poderia ainda deixar de chamar a atenção para sua dimensão mais coletiva e contratual: a do idioma. Daí, os textos dizem de si mesmos (explicitamente ou não, sempre o dizem) que estão sendo escritos em língua portuguesa: consciência e afirmação de um lugar, de uma civilização, de um problema, de um projeto e de uma utopia. Escreve-se, em tal perspectiva, com o desafio de projetar-se na língua e de projetar a língua. Esse e todo posicionamento será político. E repercute neles uma exigência: o Brasil - pensado sempre em sua condição de país americano - deve ser capaz de "experiências extremas". A maior delas seria incorporar os progressos técnicos e humanos da América do Norte e superar os impasses daquela cultura numa operação radical. Tal ambição desmedida tem, no entanto, um exemplo a seguir: a música e os músicos. Os textos aqui reunidos parecem movidos por certas combinações: música e política, música política, política musical, políticas da música. Conforme o caso, produz-se uma fraseologia marcial, da recusa, ou movimentos bruscos de decisão, encadeamentos sintáticos cerrados, de ataque, defesa: a escrita é posicionamento. A expressão "experiências extremas" pode mesmo ser entendida como o nome do campo para onde se encaminha o pensamento político de Caetano, exigindo-se com tal deslocamento contínuo e vigoroso que a arte, a política, o corpo, modos de viver cotidianos e códigos morais sejam capazes de se instalar ali, como o próprio Caetano o fez, em definitivo. E, insistentemente, seus textos dizem quanto, no Brasil, a música popular é a instância da vida coletiva mais apta para viver essa experiência. Quando, por exemplo, o tropicalismo apresentou seu projeto artístico-ideológico de vanguarda musical reconhecendo a experiência da bossa nova, das canções de rádio dos anos 50, das marchinhas de carnaval dos anos 30, e quando, mais adiante, Caetano e Gilberto Gil ajudaram a fortalecer o carnaval baiano dos trios elétricos, dos afoxés e da chamada axé music, é sem dificuldade que se pode enxergar nesses momentos uma mesma proposição: a permanência da música como arte moderna, original, popular e de mercado consolida o mais poderoso modo de expressão coletiva do Brasil e confirma ser possível aquela "experiência extrema". Em muitos dos textos aqui reunidos, o que está em ação, percebe-se fácil, é um pensamento sobre a música do Brasil. Porém, mais que isso, o que Caetano inventa para si mesmo como destino crítico é um modo de pensar o Brasil através da música, estando no ponto mais alto disso a ambição de um projeto para o país por meio da música. Mas não se entenda esse foco principal como uma insuficiência qualquer. Para além do fato de Caetano estar falando como alguém de uma área específica - poetas, cineastas, atores, arquitetos e filósofos falariam a partir de balizamentos próprios -, ele está se detendo sobre um caso específico: o brasileiro. E sobre ele como que propõe a projeção da música num horizonte ideal (possível), onde brilharia como uma promessa de superação de limites a ser perseguida pela ética, pela moral, pela política, pela educação, mas igualmente pelo cinema ou pelo teatro, temas constantes dos textos aqui reunidos. Sobre temas, poder-se-ia dizer que um dos principais é o próprio Caetano. Sim, muitas vezes ele e sua música são o assunto. Porém, sua presença mais intensa não se dá no nível temático. Mais que isso, toda a fala parece vir de sua singularidade radical, de uma condensação ou de um transbordamento de sua presença. Mais: de seu corpo. Estamos diante de uma afirmação erótica, de um discurso que incita suas forças produtivas: física, existencial, psíquica. Esse pensamento, que faz coincidir o corpo e a política, a vida e a arte, deixa ver, mais uma vez, a permanência da utopia dos anos 60, que teve por extremo o enquadramento romântico-pop da seqüência júbilo, paixão e morte de não poucos artistas, sobretudo cantores e músicos. Em contraste, muitos textos dão a ver a inclinação de Caetano para o documental. Ou, para falar em termos cinematográficos, para o documentário (um oposto extremo de O cinema falado, longa-metragem dirigido por ele em 1986). "Eu gostaria de fazer um filme chamado Memórias do subdesenvolvimento" (p. 84). Nos textos aqui recolhidos há um desejo claro de mostrar o que o outro faz, o que o outro pensa e diz, a cena, o nome. Exterioridades, enfim. Muitas vezes a "câmera" da escrita parece apenas querer apresentar, apontar, fotografar, restringindo-se a subjetividade do escritor apenas à escolha dos temas, aos enquadramentos e à montagem. Mesmo quando Caetano Veloso é o assunto de Caetano Veloso, é possível ver o personagem da música popular atravessado pelas imensas, terríveis e belas contradições da vida brasileira; o falante de língua portuguesa atravessado por outras línguas; o americano do sul atravessado pela América do Norte; o cantor-compositor-poeta atravessado por João Gilberto e Fernando Pessoa. Essas e outras tantas linhas de força internas-externas dão ao personagem uma dimensão, até onde isso é possível, exterior ao Caetano que escreve sobre ele, o outro. O cronista se situa aí, no cruzamento entre o documentário e o lirismo confessional. Não há dúvidas de que, ao pensar de modo original a cultura brasileira no amplo quadro da modernidade, Caetano Veloso afirmou-se intelectualmente. Mas, a fim de atestar sua condição de compositor-cantor popular, declinou desde sempre o título de intelectual, com isso tornando mais complexas e escorregadias as categorizações, os graus e os rótulos. Em texto de 1972 (p. 116), ele se recusava veementemente a ser a "caricatura de líder intelectual de uma geração". Tal esquiva nascia da consciência de que, àquela altura, a "miséria da intelectualidade brasileira" tinha visto nele "um porta-estandarte, um salvador, um bode expiatório" (ibid.). O repúdio ao mito - congelamento ideológico em tudo oposto à mobilidade praticada por Caetano - confirmava (confirma) a liberdade do artista e devolvia (devolve) à intelectualidade brasileira, à Universidade, à imprensa, às instituições, governamentais ou não, ligadas à educação e à arte suas responsabilidades política e histórica. E ainda, se essas e outras declarações hiperbólicas devem ser encaradas como atitudes conjunturais, revelam, por outro lado, um escrúpulo, um rigor e uma insatisfação permanentes, e sustentam uma posição definitiva: Caetano é um artista que pensa. E com esta publicação, o livro, mais uma vez, impõe-se como destino de seu pensamento, porto de textos dispersos até então. Ao dizer "mais uma vez", refiro-me a Verdade tropical, a Letra só, mas também a Alegria, alegria (Pedra Q Ronca, Rio de Janeiro, s. d.), onde, num gesto semelhante ao nosso, Waly Salomão reuniu textos e entrevistas de Caetano até o ano de 1976. A efemeridade vê-se substituída pelo desejo de permanência que pulsa em todo livro, este objeto transcendente, sim, que extrapola aqueles que o fazem, que excede fronteiras físicas, sociais, simbólicas, e vai em direção ao desconhecido. Este objeto sim. [...] MINHA ALMA CANTA Paulinho da Viola é um dos meus maiores amores cariocas. Poucos são capazes de entender e admirar sua obra como eu. Não admito que um bando de imbecis ressentidos venha me ensinar a respeitá-lo. Na qualidade de seu amigo, colega e devoto, protesto contra a ignomínia de terem-no feito posar de vítima. O que tenho visto na imprensa a respeito do nosso cachê do show do Ano-Novo é uma palhaçada. De onde vem essa caricatura de igualitarismo? Eu não desejo engolir calado os desaforos de jornalistas hipócritas nem de leitores débeis mentais que escrevem cartas à redação. (Muito menos de ex-compositores patologicamente mentirosos.) Afinal, por que o Jornal do Brasil não distribui com as professoras de escola pública os cachês dos artistas que contrata para suas festas de aniversário, quando fecha o Metropolitan (com boca-livre para 4 mil convidados, uísque importado etc.) e apresenta megaestrelas? Que tal distribuir pelos faxineiros o pagamento dos chefes de redação? Ou dar os jornais de graça nas portas das fábricas? Se eu quiser este bilhete impresso na primeira página desse maligno veículo, devo esperar que seja grátis porque, diferentemente da Pepsi-Cola, eu sou um artista angelical? Ou, ao contrário, devo esperar um preço altíssimo por eu ter sido promovido a "marajá" por articulistas analfabetos que devem estar pleiteando certo tipo de presidência da república? Sugiro que se faça uma investigação minuciosa para saber se o Jornal do Brasil, ao celebrar os mil números da revista Domingo, ofereceu pagar exatamente o mesmo à Velha Guarda da Portela, Marisa Monte e Paulinho da Viola. Eu, de conversa com meus colegas, sei que não. Será que isso me autoriza a acusar o jornal de perdulário, racista e discriminador? (Aliás, essa conversa de pretos sambistas sem oportunidade no mercado soa como sórdida demagogia no momento em que o êxito dos grupos Raça Negra, Só Preto Sem Preconceito e Negritude Júnior ocupa o ápice da pirâmide comercial.) Qual a explicação para o alarde contra nos terem pago aos seis 540 mil reais, quando ninguém protestou contra o pagamento possivelmente do dobro desse total a Rod Stewart? Esses bandidos das redações dizem que nós ganhamos dinheiro demais na noite do Réveillon. Não é verdade. Trabalhar na noite do Ano-Novo para mim é quase inaceitável. Não foi sem muito esforço que me convenceram a topar fazê-lo por 100 mil reais. Não há nada de superfaturado nessa cobrança. Não é a primeira vez que ganho tal quantia para uma única apresentação. Já ganhei mais. Para Ano-Novo e Carnaval, em princípio, dobra-se o preço. A companhia de alguns dos meus colegas mais queridos e a homenagem ao grande maestro contribuíram para que eu me decidisse. Tenho recusado cifras que passam do milhão para fazer anúncios. Fá-los-ei quando bem entender. Os demagogos que, embora vivam de propaganda, fingem reprovar Tom por ele ter feito comerciais não me intimidam. Se minha intenção na vida fosse ficar rico eu não teria dificuldades de realizá-la. Mas é flagrante que os grandes nomes da música brasileira ganham muito pouco, se comparados com seus colegas de outros países (os quais, naturalmente, quando vêm ao Brasil não fazem abatimento...). De todo modo, meu cachê não pode ser decidido pelo cinismo de editorialistas. E muito menos por câmaras de vereadores. Onde estamos? Na União Soviética? É impossível que alguém ache que o povo do Rio preferiria que sua prefeitura não fizesse festa de passagem de ano. (Vá dizer que se decidiu que de agora em diante não se gasta nenhum tostão com o Carnaval - nem os governantes nem os foliões - porque há crianças sem escola e famílias sem moradia!) A esse povo, que sempre quer o Réveillon - e que só teve palavras entusiasmadas para descrever o show do último -, eu quero mais uma vez emprestar minha energia, na luta contra as forças autodestrutivas que querem negar o mínimo de beleza a um evento em que a população carioca deu, em contraste com o comum dos seus dias, mostras de contentamento e tranqüilidade. Já fiz inúmeros shows de graça. Farei outros quando quiser e achar útil. Esse do Réveillon foi patrocinado pela Petrobras e pela Pepsi-Cola. Diz-se que esta última pagou a Madonna 7 milhões de dólares por anúncio de trinta segundos. Por que essa multinacional desprezaria ter sua marca ligada a seis dos mais respeitados nomes da música brasileira? Isso só acontecerá se a imprensa carioca, com sua campanha, provar de uma vez por todas que não compensa contratar artistas brasileiros. Faço meus preços segundo os fatores implicados em cada evento. A oferta feita pelo contratante é, naturalmente, o ponto de partida das negociações. Não costumo me imiscuir nas negociações dos meus colegas quando participo de shows coletivos. Fiz uma excursão pela Europa com João Gilberto (meu mestre supremo) e João Bosco em que os cachês, os transportes e os quartos de hotel eram diferentes para cada um. Nunca soube quais eram essas diferenças. Apenas exigi que se cumprisse o que tinha sido estipulado para mim no meu contrato - e fiquei satisfeito. Os jornalistas insinuam que o caráter de homenagem a Jobim transformaria o pagamento dos cachês numa espécie de homenagem aos artistas participantes. Nada mais ridículo. O próprio Paulinho da Viola tem repetido que o que o magoou não foi a diferença de pagamento, mas o fato de alguém na organização do evento ter-lhe mentido dizendo que os cachês seriam iguais. Eu próprio nunca esperaria que o fossem. Fingindo de igualitaristas, os repórteres, os colaboradores improvisados e os leitores missivistas demonstraram apenas que pretendem ir a fundo em sua resistência neurótica a que se homenageie o maior compositor brasileiro em sua própria cidade. (Como o meu queridíssimo Hermínio Bello de Carvalho, eu não me conformo com o aeroporto do Rio não ter passado a se chamar Aeroporto Antônio Carlos Jobim.) E o jornal, por sua vez, quer, com essas falsas polêmicas, manter o seu valor comercial, certo de que as fortunas cobradas da publicidade obviamente não serão usadas para pintar as paredes das escolas públicas. Ter, no entanto, algumas das cavalgaduras que assinam reportagens e artigos pintando fisicamente as paredes de tais escolas - e longe das redações - seria uma vitória da cultura brasileira. JORNAL DO BRASIL, 16 DE JANEIRO DE 1996. O texto-carta se refere a uma polêmica sobre cachês pagos a Gal Costa, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Chico Buarque, Gilberto Gil e Paulinho da Viola quando do "Tributo a Tom Jobim", show que comemorou o Réveillon de dezembro de 1995 na Praia de Copacabana.