Trecho do livro A EXPRESSÃO DAS EMOÇÕES NO HOMEM E NOS ANIMAIS

INTRODUÇÃO Muitos trabalhos foram escritos sobre a expressão, mas um número ainda maior sobre a fisionomia -, ou seja, sobre o reconhecimento do caráter por meio do estudo da forma permanente dos traços. Não me dedicarei aqui a este último tema. os tratados mais antigos que consultei me foram de pouca ou nenhuma utilidade. o famoso Conférences do pintor Le Brun, publicado em 1667, é o mais conhecido desses trabalhos, e contém algumas observações interessantes. outro ensaio um tanto antigo, o Discours, publicado em 1774­82 pelo conhecido anatomista holandês Camper, dificilmente pode ser considerado como tendo feito algum avanço significativo no tema. Os trabalhos seguintes, pelo contrário, merecem a maior consideração. Sir charles Bell, tão ilustre por suas descobertas em fisiologia, publicou em 1806 a primeira e em 1844 a terceira edição de seu Anatomy and philosophy of expression [Anatomia e filosofia da expressão]. Pode­se dizer com justiça que ele não só lançou as fundações do tema enquanto ramo da ciência, como também que ergueu uma bela estrutura. Seu trabalho é, em todos os sentidos, profundamente interessante; inclui uma descrição gráfica de todas as emoções e é admiravelmente ilustrado. É notório que sua contribuição consistiu principalmente em mostrar a relação íntima existente entre os movimentos de expressão e aqueles da respiração. Um dos mais importantes pontos levantados, ainda que aparentemente insignificante, é a contração involuntária dos músculos em volta dos olhos durante esforços expiratórios intensos, com o intuito de proteger da pressão sanguínea esses delicados órgãos. Esse fato, amplamente investigado para mim com a maior gentileza pelo professor Donders, de Utrecht, lança luz, como veremos a seguir, sobre várias das mais importantes expressões do rosto humano. Os méritos do trabalho de Sir C. Bell foram subestimados ou quase ignorados por muitos autores estrangeiros, mas plenamente reconhecidos por alguns, como Lemoine, que com grande justiça afirma: "o livro de c. Bell deveria ser estudado por quem quer que tente fazer falar o rosto do homem, pelos filósofos tanto como pelos artistas, pois, sob uma aparência mais superficial e sob o pretexto da estética, é um dos mais belos monumentos da ciência das relações entre o físico e o moral". Por razões que apresentarei em breve, Sir C. Bell não tentou tanto quanto poderia levar adiante seus pontos de vista. Não tenta explicar por que diferentes músculos são acionados sob diferentes emoções; por que, por exemplo, as extremidades internas das sobrancelhas são erguidas e os cantos da boca deprimidos por uma pessoa sofrendo de tristeza ou ansiedade. Em 1807, Moreau editou uma compilação de Lavater sobre fisionomia na qual incorporava muitos de seus próprios ensaios, contendo excelentes descrições dos movimentos dos músculos faciais, juntamente com valiosos comentários. ele pouco esclarece, no entanto, a filosofia do tema. Por exemplo, Moreau, ao falar do franzir de sobrancelhas, ou seja, da contração do músculo que os autores franceses denominam sourcilier (corrugator supercilii), observa com acerto: "essa ação das sobrancelhas é um dos sintomas mais bem definidos da expressão dos estados de dor e concentração". Acrescenta em seguida que esses músculos, por seus ligamentos e posição, são adequados para "apertar, concentrar os principais traços da face, como convém a todas as paixões verdadeiramente opressivas ou profundas, nas afecções em que o sentimento parece levar a organização a voltar­se sobre si mesma, a se contrair e encolher, como para oferecer menos força e superfície a impressões temíveis ou importunas". Aquele que pensa que esse tipo de comentário esclarece alguma coisa sobre o sentido e a origem das diferentes expressões tem uma visão do tema bastante diferente da minha. Na passagem acima não há mais do que um pequeno avanço, se tanto, na filosofia sobre o tema, além daquele alcançadopelo pintor Le Brun, que, em 1667, descrevendo a expressão de pavor, afirma: "A sobrancelha erguida de um lado e abaixada do outro dá a impressão de que a metade erguida quer juntar­se ao cérebro para protegê­lo do mal que a alma percebe, enquanto o lado abaixado, que parece inchado, assim se encontra por influência dos espíritos que vêm abundantes do cérebro, como para cobrir a alma e defendê­la do mal que ela teme; a boca escancarada revela a tomada do coração pelo sangue que se retirou em sua direção, o que o obriga, querendo respirar, a forçar a abertura extrema da boca e, ao passar pelos órgãos da voz, produzir um som inarticulado; e se os músculos e veias parecem inchados, isso é resultado dos espíritos que o cérebro envia a essas partes". Julguei as frases acima dignas de citação, como exemplos dos surpreendentes disparates que já foram escritos sobre o tema. Um trabalho ao qual me referirei com frequência em meu capítulo 13 é The physiology or mechanism of blushing [A fisiologia ou mecanismo do enrubescimento], publicado em 1839 pelo dr. Burgess. Em 1862, o dr. Duchenne publicou duas edições, in­fólio e in­oitavo, de seu Mécanisme de la physionomie humaine [ Mecanismo da fisionomia humana], em que analisa, por meio da eletricidade, e ilustra, com magníficas fotografias, os movimentos dos músculos faciais. Generosamente, ele me permitiu reproduzir todas as fotografias que desejasse. Seus trabalhos não têm recebido a devida atenção por parte de seus compatriotas. É possível que o dr. Duchenne tenha exagerado a importância da contração de músculos isolados nas expressões; pois, devido à maneira íntima como esses músculos estão conectados, como podemos ver nos desenhos anatômicos de Henle - creio que os melhores já publicados -, é difícil acreditar em sua ação isolada. No entanto, é evidente que o dr. Duchenne percebeu essa e outras fontes de erro, e como sabemos que ele foi eminentemente bem­sucedido na elucidação da fisiologia dos músculos da mão com a ajuda da eletricidade, é provável que no geral esteja certo quanto aos músculos da face. em minha opinião, o dr. Duchenne fez progressos importantes no tema graças a sua maneira de abordá­lo. Ninguém estudou com tanto cuidado as contrações isoladas de cada músculo e os sulcos que elas produzem na pele. ele também demonstrou - e essa é uma importante contribuição - quais músculos estão menos submetidos a ação voluntária. Pouco entra em considerações teóricas e raramente tenta explicar por que certos músculos, e não outros, contraem­se sob a influência de determinadas emoções. Um eminente anatomista francês, Pierre Gratiolet, proferiu uma série de conferências sobre a expressão na Sorbonne, e suas notas foram publicadas (1865) depois de sua morte com o título De la physionomie et des mouvements d'expression [Sobre a fisionomia e os movimentos de expressão]. trata­se de um trabalho muito interessante, cheio de observações valiosas. Sua teoria é razoavelmente complexa e, até onde pode ser resumida numa frase, diz o seguinte (p. 65): "De todos os fatos que apresentei, resulta que os sentidos, a imaginação e mesmo o pensamento, por mais elevado e abstrato que o consideremos, não podem ser exercidos sem despertar um sentimento correlativo; esse sentimento se traduz diretamente, simpaticamente, simbolicamente ou metaforicamente em todas as esferas dos órgãos exteriores, que o exprimem segundo seus modos próprios de ação, como se cada um deles tivesse sido diretamente afetado". Gratiolet parece desconsiderar o hábito hereditário, e até certo ponto o próprio hábito no indivíduo; e por essa razão, a meu ver, deixa de dar a explicação correta, ou qualquer explicação que seja, de muitos gestos e expressões. Para ilustrar o que ele chama de movimentos simbólicos, citarei suas observações (p. 37), tiradas de Chevreul, sobre um homem jogando bilhar: "Se uma bola se desvia ligeiramente da direção que o jogador pretendia imprimir­lhe, já não o vimos cem vezes empurrá­la com o olhar, a cabeça e mesmo os ombros, como se esses movimentos puramente simbólicos pudessem corrigir seu trajeto? Movimentos não menos significativos se produzem quando falta impulsão a uma bola. e entre os jogadores novatos, esses movimentos são às vezes tão pronunciados que chegam a provocarum sorriso nos lábios dos espectadores". Esses movimentos, ao que me parece, podem ser atribuídos simplesmente ao hábito. Sempre que um homem desejou mover um objeto para um lado, empurrou­o para aquele lado; se quis movê­lo para a frente, empurrou­o para a frente; e se desejou pará­lo, puxou­o para trás. Portanto, quando um jogador vê sua bola tomar uma direção errada e deseja intensamente que ela siga outra direção, não pode deixar de, por um antigo hábito, inconscientemente fazer movimentos que em outras situações julgou eficazes. como exemplo de movimentos simpáticos, Gratiolet cita o seguinte caso (p. 212): "Um jovem cão de orelhas pontudas, ao qual o dono mostra de longe um apetitoso pedaço de carne, fixa ardorosamente com os olhos aquele objeto, seguindo todos os seus movimentos, e enquanto os olhos observam, as duas orelhas se adiantam como se aquele objeto pudesse ser ouvido". Aqui, em vez de falar em concordância entre os ouvidos e os olhos, parece­me mais simples acreditar que, como durante muitas gerações os cães, quando olhavam fixamente para algum objeto, também erguiam as orelhas para tentar perceber algum som, e, ao contrário, quando ouviam algum som olhavam fixamente na direção de onde ele partira, os movimentos desses órgãos se tornaram firmemente ligados por um hábito persistente. O dr. Piderit publicou em 1859 um ensaio sobre a expressão, que não consultei, mas no qual, como ele mesmo afirma, antecipa muitos dos pontos de vista de Gratiolet. em 1867 publicou seu Wissenschaftliches System der Mimik und Physiognomik [Sistema científico da mímica e da fisiognomonia]. É quase impossível transmitir em algumas frases uma noção adequada de seus pontos de vista; talvez as duas frases seguintes digam o que é possível dizer de forma resumida: "os movimentos musculares de expressão estão em parte relacionados a objetos imaginários e em parte a impressões sensórias imaginárias. Nessa proposição se encontra a chave para a compreensão de todos os movimentos musculares expressivos" (p. 25). e ainda: "Movimentos expressivos se manifestam principalmente nos numerosos e móveis músculos da face, em parte porque os nervos queos põem em movimento se originam na vizinhança direta do órgão da mente, mas em parte também porque esses músculos dão suporte aos órgãos dos sentidos" (p. 26). Se o dr. Piderit tivesse estudado os trabalhos de Sir c. Bell, provavelmente não teria dito (p. 101) que franzimos as sobrancelhas quando rimos intensamente porque o riso tem uma natureza semelhante à da dor; ou que nas crianças (p. 103) as lágrimas irritam os olhos, e por isso provocam a contração dos músculos circundantes. Muitas observações boas estão espalhadas nesse volume, ao qual aludirei mais adiante. Pequenas discussões sobre a expressão podem ser encontradas em vários trabalhos, que não vejo necessidade de citar especificamente aqui. Bain, no entanto, em dois de seus trabalhos, tratou do tema mais longamente. ele diz: "Vejo as assim chamadas expressões como parte integrante dos sentimentos. Acredito ser uma lei maior da mente que, juntamente com os sentimentos internos, ou consciência, exista uma ação difusora, ou excitação, sobre os órgãos corporais". em outro momento, acrescenta: "Um número bastante considerável de fatos pode ser subordinado ao seguinte princípio: a saber, que os estados de prazer estão ligados ao aumento, e os de dor, à diminuição, de algumas, ou todas, as funções vitais". Mas a lei acima citada, da ação difusora dos sentimentos, parece muito genérica para esclarecer expressões especiais. Herbert Spencer, ao tratar dos sentimentos em seu Principles of psychology [Princípios de psicologia] (1855), faz as seguintes observações: "o medo, quando intenso, se expressa em gritos, em esforços para esconder­se ou escapar, em palpitações e tremores; e essas são exatamente as manifestações que acompanhariam a experiência real do mal temido. As paixões destrutivas se manifestam com uma tensão generalizada do sistema muscular, ranger de dentes, protrusão das garras, dilatação dos olhos e narinas, rosnados; e essas são formas atenuadas das ações que acompanham o ato de matar uma presa". Aí temos, acredito eu, a verdadeira teoria de um vasto número de expressões; mas o interesse maior e a dificuldade do tema estão em seguir seus resultados, incrivelmente complexos. Suponho que alguém (quem foi, porém, não consegui estabelecer) tenha anteriormente proposto um ponto de vista parecido, pois Sir C. Bell diz: "tem sido defendido que o que chamamos sinais exteriores da paixão sejam simplesmente os concomitantes daqueles movimentos voluntários que a estrutura corporal torna necessários". Spencer também publicou um valioso ensaio sobre a fisiologia do riso, no qual insiste na "lei geral que estabelece que os sentimentos, quando ultrapassam uma certa intensidade, emergem como ações corporais"; e que "uma sobrecarga de força nervosa, não direcionada por algum motivo concreto, seguirá manifestamente primeiro as vias mais habituais; e, se essas não forem suficientes, passará em seguida às menos habituais". Essa lei parece­me ser da maior importância para esclarecer nosso tema. Todos os autores que escreveram sobre a expressão, com exceção de Spencer - o grande aprofundador da teoria da evolução -, pareciam estar firmemente convencidos de que as espécies - inclusive o homem, é claro - existiram desde o início em sua atual condição. Sir c. Bell, estando disso convencido, defende que muitos de nossos músculos faciais são "puramente instrumentais nas expressões"; ou que são "uma provisão especial" para essa finalidade única. Mas o simples fato de que os macacos antropoides possuem os mesmos músculos faciais que nós torna bastante improvável que em nosso caso esses músculos sirvam exclusivamente para a expressão; pois ninguém, imagino, estaria inclinado a admitir que os macacos foram providos de músculos especiais somente para exibir suas horríveis caretas. com grande probabilidade, usos distintos - independentes da expressão - podem ser, com efeito, atribuídos a quase todos os músculos faciais. Evidentemente, Sir C. Bell desejava estabelecer uma distinção tão ampla quanto possível entre os homens e os animais inferiores; e conseqüentemente afirma que nas "criaturas inferiores não há expressão, mas sim algo que se relaciona, mais ou menos superficialmente, a seus atos de volição ou a seus instintos necessários". Afirma ainda que seus rostos "parecem principalmente capazes de exprimir fúria e medo". Mas mesmo o homem não consegue exprimir com sinais externos amor e humildade tão claramente quanto um cachorro, quando, com orelhas caídas, boca aberta, corpo torcido cauda abanando, encontra o amado dono. também não podemos entender esses movimentos no cachorro como atos de volição ou instintos necessários melhor do que o sorriso e o brilho nos olhos de um homem quando encontra um velho amigo. Se Sir c. Bell tivesse sido questionado sobre a expressão de afeto nos cães, sem dúvida, teria respondido que esse animal foi criado com instintos especiais que o adaptaram ao convívio com os homens, e que qualquer investigação suplementar da questão seria supérflua. Apesar de negar enfaticamente que qualquer músculo tenha sido desenvolvido unicamente para exprimir emoções, Gratiolet parece nunca ter refletido sobre o princípio da evolução. Aparente mente, vê cada espécie como uma criação isolada. Assim também pensam os outros autores que escreveram sobre a expressão. Por exemplo, o dr. Duchenne, depois de falar sobre os movimentos das pernas, refere­se aos que formam as expressões do rosto e observa: "o criador não teve, portanto, de preocupar­se com as necessidades da mecânica nesse caso; ele pôde, seguindo sua sabedoria, ou - perdoem­me o modo de falar - por uma fantasia divina, pôr em ação este ou aquele músculo, somente um ou vários ao mesmo tempo, para que os sinais característicos das paixões, mesmo as mais fugazes, se inscrevessem passageiramente na face dos homens. Uma vez criada essa linguagem da fisionomia, bastou­lhe, para torná­la universal e imutável, dar a todo ser humano a faculdade instintiva de sempre exprimir seus sentimentos pela contração dos mesmos músculos". Muitos autores consideram todo o problema da expressão como inexplicável. Assim, o ilustre fisiologista Müller diz: "A expressão completamente diferenciada dos traços nas diferentes paixões demonstra que, dependendo do tipo de sentimento provocado, grupos totalmente distintos de fibras do nervo facial são ativados. Da causa disso somos absolutamente ignorantes". Sem dúvida, enquanto considerarmos o homem e todos os outros animais como criações independentes, não avançaremos em nosso desejo natural de investigar até onde for possível as causas da expressão. De acordo com essa doutrina, toda e qualquer coisa pode ser igualmente bem explicada; e isso se provou tão pernicioso com respeito à expressão quanto com respeito a qualquer outro ramo da história natural. Nos humanos, algumas expressões, como o arrepiar dos cabelos sob a influência de terror extremo, ou mostrar os dentes quando furioso ao extremo, dificilmente podem ser compreendidas sem a crença de que o homem existiu um dia numa forma mais inferior e animalesca. A partilha de certas expressões por espécies diferentes ainda que próximas, como na contração dos mesmos músculos faciais durante o riso pelo homem e por vários grupos de macacos, torna­se mais inteligível se acreditarmos que ambos descendem de um ancestral comum. Aquele que admitir que, no geral, a estrutura e os hábitos de todos os animais evoluíram gradualmente, abordará toda a questão da expressão a partir de uma perspectiva nova e interessante. O estudo da expressão é difícil devido ao fato de que os movimentos muitas vezes são extremamente sutis, e de natureza efêmera. Uma diferença pode ser claramente percebida e mesmo assim às vezes é impossível, pelo menos em minha experiência, estabelecer em que ela consiste. Quando testemunha mos uma emoção profunda, nossa simpatia é tão intensamente despertada que a observação atenta é esquecida ou se torna impossível; fato do qual tive diversas provas curiosas. Nossa imaginação é outra fonte de erro, ainda mais grave; pois se pela natureza das circunstâncias esperamos uma dada expressão, prontamente imaginamos sua presença. Apesar de sua enorme experiência, o dr. Duchenne por muito tempo alimentou a ideia, como ele mesmo afirma, de que inúmeros músculos se contraíam sob certas emoções. todavia, posteriormente se convenceu de que o movimento estava restrito a um único músculo. Com o objetivo de fundamentar da melhor maneira possível e determinar, livre das opiniões correntes, até onde mudanças específicas dos traços e gestos são realmente expressões decertos estados de espírito, os seguintes meios pareceram­me os mais úteis. em primeiro lugar, a observação de crianças, pois elas exibem um grande número de emoções, como observa Sir c. Bell, "com extraordinária intensidade"; enquanto mais tarde algumas de nossas expressões "deixam de ter a fonte pura e simples da qual brotam na infância". em segundo lugar, ocorreu­me que os loucos deveriam ser estudados, pois eles são dados às mais intensas paixões e as manifestam sem nenhum controle. Não tive oportunidade de fazê­lo eu mesmo, por isso dirigi­me ao dr. Maudsley, que me apresentou ao dr. J. Crichton Browne. este dirige um enorme manicômio perto de Wakefield e, como descobri, já havia abordado o tema. excelente observador, ele mandou­me, com incansável gentileza, copiosas notas e descrições com valiosas sugestões; dificilmente eu poderia exagerar a importância de sua ajuda. Devo também à gentileza de Patrick Nicol, do Sussex Lunatic Asylum, interessantes contribuições em duas ou três questões. em terceiro lugar, o dr. Duchenne, como já vimos, galvanizou certos músculos do rosto de Em homem velho, cuja pele era pouco sensível, e assim produziu várias expressões que foram fotografadas em tamanho grande. felizmente, ocorreu­me mostrar diversas das melhores fotos, sem explicação prévia, a mais de vinte pessoas cultas de diferentes idades e ambos os sexos, perguntando­lhes, em cada caso, por qual emoção ou sentimento estava tomado o velho homem; registrei as respostas nas palavras de cada uma delas. Muitas das expressões foram imediatamente reconhecidas por quase todos, ainda que descritas não da mesma maneira; penso que isso pode ser considerado verdadeiro, e será aprofundado mais adiante. Por outro lado, os mais variados juízos foram feitos a respeito de algumas das expressões. A exibição das fotos também foi útil em outro sentido. Convenceu­me do quão facilmente podemos ser enganados pela nossa imaginação; pois da primeira vez que vi as fotos do dr. Duchenne, simultaneamente lendo o texto, e assim sabendo o que era pretendido, fiquei impressionado pela verossimilhança de todas, com poucas exceções. No entanto, se eu as tivesse examinado sem nenhuma explicação, sem dúvida teria ficado em alguns casos tão confuso quanto outras pessoas ficaram.em quarto lugar, eu esperava encontrar muita ajuda nos grandes mestres da pintura e da escultura, observadores tão atentos. Assim, vi fotografias e gravuras de muitas obras famosas; mas, com raras exceções, de pouco me valeram. Sem dúvida a razão é que nas obras de arte a beleza é o principal objetivo; e músculos faciais intensamente contraídos destroem a beleza. O tema da composição é geralmente transmitido, com incrível força e veracidade, por meio de outros hábeis recursos. Quinto, parecia­me de extrema importância estabelecer se, como se afirmou com frequência, mas com escassas evidências, encontramos as mesmas expressões e gestos nas diferentes raças humanas, especialmente aquelas que tiveram pouco contato com os europeus. Sempre que determinadas mudanças nas feições e no corpo exprimirem as mesmas emoções nas diferentes raças humanas, poderemos inferir, com grande probabilidade, que estas são expressões verdadeiras, ou seja, que são inatas ou instintivas. expressões ou gestos adquiridos por convenção na infância provavelmente difeririam tanto quanto diferem as línguas. Por isso, enviei no começo de 1867 as seguintes perguntas com um pedido, plenamente respeitado, de que somente a observação direta e não a memória fosse utilizada para respondê­las. estas perguntas foram escritas depois de um considerável intervalo de tempo, durante o qual minha atenção esteve voltada em outras direções, e percebo agora que elas poderiam ser bastante melhoradas. em algumas das últimas cópias, anexei em manuscrito algumas observações adicionais: 1. Exprime­se a surpresa pelo arregalar dos olhos e da boca e pela elevação das sobrancelhas? 2. A vergonha produz enrubescimento, quando a cor da pele nos permite percebê­lo? Se sim, até onde este desce pelo corpo? 3. Quando um homem está indignado ou desafiador, ele franze o cenho, mantém cabeça e corpo erguidos, apruma os ombros e cerra os punhos? 4. Quando se concentra ou tenta resolver algum problema, ele franze o cenho ou enruga a pele abaixo das pálpebras inferiores? 5. Quando abatido, desce os cantos da boca e eleva a extremidade interna das sobrancelhas pela ação desse músculoque os franceses apelidaram de "músculo do sofrimento"? Nesse estado as sobrancelhas fazem­se levemente oblíquas, com um pequeno inchaço em sua extremidade me dial; e o meio da testa fica enrugado, não toda a sua extensão, como quando se elevam as sobrancelhas exprimindo surpresa? 6. Quando satisfeito, brilham seus olhos, enruga­se a pele em volta destes e retraem­se os cantos da boca? 7. Quando um homem olha para outro com desprezo ou ironia, ergue­se o canto do lábio superior por sobre ocanino do lado pelo qual ele o está encarando? 8. Pode uma expressão de obstinação e tenacidade ser reconhecida principalmente pela boca firmemente fechada, pelo cenho baixo e pelas sobrancelhas levemente franzidas? 9. O desdém é exprimido por uma leve protrusão dos lábios e discreta expiração com o nariz empinado? 10. Manifesta­se o nojo virando­se o lábio inferior para baixo e elevando­se levemente o lábio superior com uma súbita expiração, como um vomitar incipiente ou cuspir? 11. O medo extremo é expresso aproximadamente da mesma maneira que o fazem os europeus? 12. O riso pode chegar ao extremo de fazer com que lacrimejem os olhos? 13. Quando um homem quer demonstrar que não pode impedir algo ou que ele mesmo não consegue fazer alguma coisa, ele encolhe os ombros, vira para dentro os cotovelos e estende as mãos para fora com as palmas abertas; e as sobrancelhas são erguidas? 14. As crianças, quando emburradas, fazem bico ou protraem fortemente os lábios? 15. expressões de culpa, malícia ou ciúme podem ser reconhecidas, ainda que eu não consiga defini-las? 16. Balança­se a cabeça verticalmente na afirmação e horizontalmente na negação? A observação de nativos que tiveram pouco contato com os europeus seria, é claro, a mais preciosa, embora a observação de qualquer nativo seja de grande interesse para mim. informações genéricas sobre as expressões são comparativamente de pouca valia; e a memória é tão enganosa que eu sinceramente peço que não se confie nela. Uma descrição precisa do semblante relacionado a uma dada emoção ou estado de espírito, determinando as circunstâncias em que este apareceu, seria de grande valia. Recebi 36 respostas de diferentes observadores às minhas perguntas, muitos deles missionários ou protetores dos aborígines, aos quais muito devo pelo enorme transtorno causado e pela valiosa ajuda recebida. especificarei seus nomes etc. no final deste capítulo para não interromper estes meus comentários. As respostas referem­se a muitas das mais selvagens e peculiares raças humanas. em muitos casos, foram registradas as circunstâncias em que se observaram cada uma das expressões, e as próprias expressões descritas. Nesses casos, as respostas são muito confiáveis. Quando as respostas foram simplesmente sim ou não, eu as recebi com extrema cautela. conclui­se, a partir das informações assim adquiridas, que um mesmo estado de espírito exprime­se ao redor do mundo com impressionante uniformidade; e este fato é ele mesmo interessante como evidência da grande similaridade da estrutura corporal e da conformação mental de todas as raças humanas. Em sexto e último lugar, concentrei­me também, com todo o cuidado, na expressão de diversas paixões em alguns dos animais mais comuns; e acredito que isso seja da maior importância, claro que não para decidir até onde no homem algumas expressões são características de determinados estados de espírito, mas para proporcionar a mais segura base para se generalizar as causas, ou origens, dos vários movimentos de expressão. Ao observar animais, estamos menos propensos a nos deixar influenciar pela nossa imaginação; e podemos estar seguros de que suas expressões não são convencionadas. Pelas razões acima citadas, notadamente a natureza fugaz de algumas expressões (as mudanças nos traços sendo frequentemente muito sutis); a facilidade com que nossa simpatia é despertada quando contemplamos qualquer emoção forte, e como assim nos distraímos; nossa imaginação nos enganando por saber vagamente o que esperar, embora certamente poucos de nós saibam exatamente que mudanças no semblante se produziram; e, finalmente, até nossa antiga familiaridade com o tema - pela combinação de todas essas causas, a observação da expressão não é fácil, como logo descobriram muitas pessoas a quem pedi que se fixassem em certos aspectos. Portanto, é difícil determinar com certeza quais são as mudanças dos traços e os movimentos dos corpos que normalmente caracterizam certos estados de espírito. Todavia, algumas das dúvidas e dificuldades foram afastadas com a observação de crianças, doentes mentais, diferentes raças de homens, obras de arte e, finalmente, dos músculos faciais sob o efeito de correntes galvânicas, como realizado pelo dr. Duchenne. Porém, ainda nos resta a questão mais difícil: compreender a causa ou origem das inúmeras expressões e decidir se uma explicação teórica pode ser confiável. Mais ainda, para saber qual explicação é a mais satisfatória, ou insatisfatória, usando apenas o melhor de nossa razão sem a ajuda de regras, só há uma maneira de testar nossas conclusões. Qual seja, observar se o mesmo princípio pelo qual uma expressão pode ser aparentemente explicada aplica­se a outros casos semelhantes; e, especialmente, se os mesmos princípios gerais podem ser aplicados com resultados satisfatórios tanto no homem quanto nos animais inferiores. Parece­me que este último método é o mais útil de todos. A dificuldade em decidir da verdade de qualquer explicação teórica, e em testá­la por alguma linha de investigação diferente, é o grande contrapeso ao interesse que este trabalho parece talhado a despertar. Finalmente, a respeito das minhas próprias observações, posso dizer que as iniciei no ano de 1838; e, daquela época até hoje, dediquei­me ocasionalmente ao assunto. Naquela data, já me encontrava inclinado a acreditar no princípio da evolução, ou da origem das espécies a partir de outras formas inferiores. Consequentemente, quando li o grande trabalho de Sir C. Bell, sua visão de que o homem teria sido criado com certos músculos especialmente adaptados para a expressão de seus sentimentos pareceu­me insatisfatória. Parecia provável que o hábito de expressar nossos sentimentos por meio de certos movimentos, apesar de agora inato, foi de alguma maneira adquirido gradualmente. Mas descobrir como esses hábitos foram adquiridos era uma tarefa nada fácil. todo o problema tinha de ser abordado com um novo enfoque, e cada expressão exigia uma explicação racional. foi por acreditar nisso que fui levado a tentar este trabalho, por mais imperfeita que tenha sido sua execução. [...]