Trecho do livro HISTÓRIAS À BRASILEIRA, VOL. 3

O JABUTI E A FRUTA Uma vez apareceu na floresta uma árvore nova, que dava uma fruta que todos os bichos ficaram com vontade de comer. Mas só podia comer quem primeiro soubesse o nome da fruta. E, para ficar sabendo, era preciso perguntar a uma mulher que tomava conta e morava meio longe. Depois, embaixo da árvore, tinha que dizer bem certinho. Então a fruta amadurecia e caía. Um por um, cada bicho ia lá na casa da mulher e perguntava. Ela respondia. Ela não podia enganar ninguém. Tinha que responder direito, o nome certo, como o deus da mata havia mandado. Mas era um nome enorme e complicadíssimo. Quando chegava na metade do caminho, o bicho já tinha esquecido. E não podia voltar lá para perguntar de novo. Precisava guardar bem direitinho na cabeça, sem esquecer. Para complicar ainda mais, a mulher fazia uma coisa ruim, só para atrapalhar. Misturava as idéias na cabeça do bicho que perguntava. Quer dizer, depois de falar bem certinho o nome da fruta, quando o bicho já estava indo embora, tentando guardar o nome, ela chamava: - Ai, espera aí um pouquinho, compadre, que eu acho que me enganei! E dizia outro nome. Às vezes bem parecido, às vezes bem diferente. Mas sempre complicado. Então o bicho confundia um nome com o outro e, quando chegava embaixo da árvore, não conseguia dizer o nome certo. A fruta não caía lá de cima, e ele não podia comer. A mulher fez isso com o macaco, com o veado, com a onça, com o tucano, com a cutia, com a anta, com o quati... Os bichos já tinham descoberto essa maldade dela e avisavam uns aos outros. Bem que o lagarto, quando foi lá perguntar o nome, tentou voltar repetindo sem parar o primeiro que ela dissera. Mas não adiantou, porque ela chamou: - Ei, amigo, eu errei! O nome não é esse, não... Eu acho que é outro. Assim, ela queria guardar todas as frutas para ela, sem desobedecer ao deus da mata. Falava certo da primeira vez. Mas depois atrapalhava tudo. Fez isso com o coelho, com o jacaré, com o papagaio, com o guará, com a capivara, com a paca, com o caxinguelê. Todos eles já estavam avisados pelos outros, tentavam não se atrapalhar. Mas não adiantava. Porque sempre a mulher chamava: - Ih!... não é que eu me enganei? Não é esse nome, não, é outro. E lá vinha um mais complicado ainda. Não havia quem conseguisse guardar. Até que chegou a vez do jabuti. Sabendo do que tinha acontecido com os outros, ele teve uma idéia. Levou sua violinha quando foi se apresentar à mulher: - Por favor, a senhora pode me dizer qual é o nome da fruta? Ela respondeu: - Mussá, mussá, mussagambira, mussauê. Rapidamente, ele inventou uma musiquinha e começou a dedilhar as cordas da viola enquanto cantava: - Mussá, mussá, mussagambira, mussauê. Num instantinho a mulher chamou: - Ai, seu Jabuti, não é que eu lhe dei uma informação errada? O nome não é esse, não, é puçá, puçá, puçacambira, puçuarinha. O jabuti não parou de cantar: - Mussá, mussá, mussagambira, mussauê. A mulher vinha atrás dele, falando sem parar. - Ou será que eu me enganei? Acho que é içá, içá, pega na embira, solta a farinha... E o jabuti, firme, dedilhando a viola: - Mussá, mussá, mussagambira, mussauê. A mulher não desistia: - Ou será que é assá, assá, viu curupira, viu você? O jabuti não parava um segundo: - Mussá, mussá, mussagambira, mussauê. A mulher ficou furiosa, passou a mão num pedaço de pau e deu uma pancada no jabuti. Rachou seu casco todinho, mas o teimoso não parou: - Mussá, mussá, mussagambira, mussauê. Continuou até que chegou perto da árvore, e a mulher teve de voltar para casa. O jabuti cantou: - Mussá, mussá, mussagambira, mussauê. Era o nome certo. A fruta caiu. Ele continuou cantando, e foi uma chuva de frutas, todas madurando e caindo. Dava para todos os bichos provarem. E, como as frutas tinham um visgo grudento que nem jaca, os outros bichos aproveitaram e usaram o visgo para colar os cacos do casco rachado do jabuti. E ele ficou assim, remendadinho, até hoje.