Agora eu era um explorador do Polo Norte, avançando pela neve com meus cães. Soprava o vento polar e fazia um frio glacial. Para um lado e para outro, neve, neve, neve; ao longe, bem longe, gelo, gelo, gelo. Mais longe ainda, tão longe que era quase o fim do mundo, um iceberg enorme, com outro maior por trás. Os cachorros puxavam o trenó, coberto de lona, comigo dentro, enrolado em casacos e trapos. Ouvia os barulhos do frio, ouvia o silêncio e avançava com toda a força. Eu ia, ia, ia, para depois poder voltar. Agora eu era uma astronauta, flutuando no espaço, fora da nave. Lá embaixo, azul, a Terra. Lá em cima, a bola prateada da Lua - se é que no espaço existe "embaixo" e "em cima". Por dois minutos, eu era o centro do universo. Um ponto, um pingo, um grão de pó, boiando no vazio. Agora eu era um pianista, tocando concertos mundo afora. Tocava concertos sozinho, tocava música de câmara, tocava com orquestra. Quase todo músico, quase todo dia, passa quase o dia todo estudando. Eu não: tinha tocado tanto, desde tão pequeno, que não precisava mais estudar. Tocar era que nem falar. Bom seria se falar fosse que nem tocar. A gente quase sempre fala demais e diz de menos. Tocando, não se joga uma nota fora. E a música diz muito mais do que dá para dizer.