Guia de reanimação de escritores

16/05/2016

 

Por Juan Pablo Villalobos

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Foto: Moggi Interactive

Eu já conheci muito escritor na minha vida. Muito. Talvez demais. Conheci escritor pós-moderno. Vesgo. Policial. Flamenguista. Canhoto. Norueguês. Socialite-socialista. Conheci até escritor que não escrevia. Juro. E conheci o cara que escrevia os livros do escritor que não escrevia. É um mundo muito diverso. Mas todos os escritores do mundo inteiro, e até do universo, acho, têm uma coisa em comum. Só uma. Uminha. Todos são hipocondríacos. Lembro de uma vez que fui para um festival literário no interior do Paraná e eu estava com uma crise de sinusite. No jantar depois da apresentação fiquei conversando com um escritor brasileiro que tinha uma crise de rinite sobre a relação da densidade e dos níveis de liquidez da meleca com o tipo de alergia. Outra vez, na Inglaterra, passei duas horas conversando sobre doenças do fígado com um autor indiano finalista do Booker (a gente estava bêbado). Os rins também são um tema favorito, especialmente entre os autores mexicanos. Pedras no rim, melhor ainda. E câncer, lógico. Escritor alemão adora falar em câncer. Por isso fiquei abismado quando percebi, aterrorizado, que NENHUMA feira do livro e NENHUM festival literário tinha uma guia, regulamento ou manual de reanimação de escritores. Já imaginou? O que você faria, caro leitor, se estivesse no lançamento de um livro e o autor tivesse, nesse momento, um chilique? Sim, eu sei a resposta simples: perguntar se tem um médico no público, chamar uma ambulância, deixar espaço para ele respirar, fazer a manobra de Heimlich se o coitado se engasgou com o gelo do whisky etc. Mas a questão não é tão simples, não. Você tem certeza de que é preciso reanimar o cara? Eu não. Nem sempre. Tem bastantes situações ambíguas que implicam grandes dilemas morais. Por isso tomei a iniciativa de criar o primeiro GUIA DE REANIMAÇÃO DE ESCRITORES PARA USO DOS LEITORES EM FEIRAS DO LIVRO E FESTIVAIS LITERÁRIOS. O uso do guia é muito simples, só é preciso analisar a tipologia do escritor e a situação ou contexto para determinar o que tem que fazer.

 

  1. Se é um autor consagradíssimo, que ganhou o Nobel (ou que está nas listas para ganhar): fique quieto, não se aproxime dele, não faça nada. Não importa se o escritor se salva ou morre, cedo ou tarde a viúva vai denunciar você.
  2. Se é um autor de livros de autoajuda: fique tranquilo, ele vai se virar sozinho.
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  4. Se o chilique do escritor foi claramente provocado pela ingestão de substâncias recreativas: tem que reanimar o cara urgentemente e verificar se o fornecedor dele não é o mesmo que o seu.
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  6. Se é um autor do século XIX, Dickens, Tolstói, Tchekhov: mudar de fornecedor de substâncias recreativas.
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  8. Se é um autor do século XXI: faça o favor de passar para mim o telefone do fornecedor de substâncias recreativas dele.
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  10. Se é uma socialite: gravar a agonia com o celular e vender o vídeo para a Band.
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  12. Se é um escritor da América Latina durante um evento que acontece nos Estados Unidos e o cara não teve o cuidado de contratar um seguro médico: faça o favor de administrar uma injeção para acelerar o processo e que o coitado não sofra.
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  14. Se é um desses autores que ficam falando que a "verdadeira narrativa contemporânea" está nos seriados de televisão: reanimar o cara igualzinho a Grey's Anatomy ou ER, ou seja, simulando a reanimação, de mentirinha.
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  16. Se é um youtuber: grave a agonia no celular e bote o filminho no YouTube.
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  18. Se ele é autor de literatura confessional (diários, memórias, autobiografias): preste atenção! É o último capítulo e ele não vai poder contar!
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  20. Se o escritor está fazendo uma turnê organizada pela embaixada do país dele e os diplomatas ficam com ele de um lado pro outro: faça o favor de administrar uma injeção para acelerar o processo e que o coitado não sofra mais.
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  22. Se é dos Estados Unidos: pergunte se o agente literário dele está presente na sala.
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  24. Se é o criador de uma saga de vampiros e criaturas sobrenaturais: fique tranquilo, ele é imortal.
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  26. Se você é médico: siga seus instintos literários.
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  28. Se o autor é poeta e político ou romancista e político: o que você está fazendo nessa porra de apresentação?
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CLÁUSULA ADICIONAL: GUIA PARA PEDIR AUTÓGRAFO DURANTE CHILIQUE DO ESCRITOR.

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  2. Ataque de asma: pode pedir assinatura e data.
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  4. Infarto: se o autor consegue segurar a caneta pode pedir só assinatura.
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  6. AVC: se está consciente pode pedir só assinatura.
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  8. AHS (Ataque Hipocondríaco Severo): exija dedicatória, assinatura, data e lugar.
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  10. Choque anafilático: se o autor consegue segurar a caneta, pode pedir só assinatura.
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  12. Oclusão intestinal: pode pedir assinatura e data.
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  14. Morte súbita: só dá para roubar a caneta.
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Tradução do portunhol para o português por Andreia Moroni.

 

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Juan Pablo Villalobos nasceu em Guadalajara, México, e morou alguns anos no Brasil. É autor de Festa no covil, Se vivêssemos em um lugar normal e Te vendo um cachorropublicados pela Companhia das Letras e traduzidos em quinze países. Ele colabora para o blog com uma coluna mensal. Twitter

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Juan Pablo Villalobos

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