Jabuti 2016: "As mentiras que as mulheres contam"

18/11/2016

O grande nome da crônica não poderia ficar de fora do Jabuti. Luis Fernando Verissimo ganhou o segundo lugar na categoria Contos e Crônicas com As mentiras que as mulheres contam, lançado em 2015 pela Editora Objetiva. 

As mentiras que as mulheres contam é a resposta do próprio Verissimo ao livro As mentiras que os homens contam, lançado em 2000. Em entrevista para a revista Época, o autor comentou sobre o grande intervalo entre os lançamentos dos dois títulos: "Quando saiu o As mentiras que os homens contam me perguntavam quando sairia um livro sobre as mentiras das mulheres e eu brincava que seria um livro grosso e caro demais. No fim, os dois livros ficaram mais ou menos do mesmo tamanho."

Tudo começa com a mãe, com o “Olha o aviãozinho!” à mesa do almoço. É a mentira inaugural, que vai se desdobrando em outras ao longo da vida. Nem sempre a ideia é disfarçar um caso ou ocultar um segredo. Por vezes são apenas eufemismos, ambiguidades, desculpas educadas — tudo com o objetivo um pouco mais nobre de preservar a harmonia social. Na coletânea ainda aparecem, por exemplo, a senhora que tenta enganar a si mesma fazendo uma plástica atrás da outra e a moça que mente a idade — para mais! — apenas para ouvir que ainda está nova. Há dramas, comédias, tragicomédias — e até histórias que terminam em tragédia. Mas tudo permeado pelo humor irresistível de Verissimo.

Leia uma das crônicas de As mentiras que as mulheres contam. 

* * *

Recordação

Ele tinha concordado com a redecoração do apartamento porque a mulher, coitada, fizera cinquenta anos e a plástica não resolvera nada. Quer dizer, ela ficara com a pele esticada e os olhos mais puxados,
mas continuava com cinquenta anos. E começara a olhar em volta, à procura de outras coisas para mudar. Já que tinha que envelhecer, era injusto que as coisas ao seu redor ficassem como estavam. Decidiu mudar
toda a decoração do apartamento.

Quando ele chegou em casa, naquele dia, encontrou o decorador na sala, sentado na ponta de uma poltrona com os pés juntos. O nome do decorador era Ubirici, mas todos o chamavam de Ubi.

— O Ubi tem ideias ótimas — disse ela.
— Espero que, além de ótimas, não sejam caras — brincou ele.

O Ubi nem sorriu. Aliás, o Ubi nem olhara para ele, desde que ele entrara.

— Vamos mudar tudo — anunciou a mulher.
— Meu escritório também?
— Começando pelo seu escritório.
— Mas, querida…
— Já vou — disse o Ubi, pulando da cadeira como se tivesse sido espetado.
— Espere! — disse ela. — Nós ainda não decidimos o que fazer nesta sala.

O Ubi suspirou. Está bem. Ficaria. Começou a circular pela sala, acompanhado pela mulher.

— Estas cortinas, claro, saem. São muito pesadas para o tamanho da sala.
— Sim, Ubi — disse ela, olhando para o marido com uma expressão de “Viu como ele entende?”.
— A primeira coisa que nós vamos fazer é mudar a cor do tapete. Tem que ser mais claro. Mais moderno.
— Certo.
— Este vaso sai.
— Mas esse é um…
— Eu sei o que é. Não senta com a decoração que eu estou imaginando. Sai.
— Sim, Ubi.
— Este quadro, fora. Esta mesa, muito rococó. Vamos botar uma baixinha, com tampo de vidro. Esta poltrona, fora.

Era a poltrona em que ele estivera sentado, com evidente desgosto.

E então o Ubi parou na frente dele.

— Este marido…

Até a mulher se assustou.

— O que tem ele?
— Não combina com o esquema que estou imaginando.
— Mas…
— Fora.
— Mas, Ubi!
— Precisamos de um mais liso e comprido.

A mulher desistiu da decoração e decidiu fazer outra plástica. Afinal, botox não deixava de ser uma espécie de redecoração, e muito mais barata. Mas de vez em quando, olhando o marido, ela ainda suspira
e se pergunta se fez a escolha certa. 

 

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