A dimensão imaginária do fundo do mar

24/05/2018

 

Baiacu, garoupa, linguado... São 14 as espécies que compõem o Pequeno manual de peixes marinhos e outras maravilhas aquáticas, livro da artista Beatriz Chachamovits que será lançado neste domingo, na Livraria da Vila da Alameda Lorena, em São Paulo. A obra é um convite para que “marujos e marujas, curiosos e aventureiras, cientistas e pesquisadores de todas as partes!” viajem pelos mares da ciência e também da imaginação.

 

 

Há 12 anos a artista plástica paulistana pesquisa os oceanos e as criaturas marinhas, inspirações para suas criações – desenhos, pinturas e esculturas que investigam o ecossistema marinho, transformado muitas vezes numa topologia imaginária. Suas obras são uma expedição a universos reais e imaginários, habitados por seres de uma complexa rede biológica.

Mas, quando o livro foi concebido, Beatriz já tinha superado a sua fase de inventar criaturas marinhas. Queria trabalhar com os peixes reais – quais são, o que está acontecendo com eles, quais correm risco de extinção. “Surgiu essa necessidade de falar do fundo do mar com um público mais amplo e de entender como esse ecossistema já está sofrendo problemas, e as crianças são as melhores pessoas para entender isso.”

Desde a ideia do livro, foram três anos de trabalho, incluindo o processo de pesquisa, desenho e escrita. Há treze ilustrações de peixes (um deles é o leitor o convidado a desenhar!), acompanhadas de informações curiosas e científicas. As espécies abordadas são bem diversas, como peixe-borboleta ou peixe-porco, com imensa variedade de ambientes, formas e comportamentos, por exemplo. Entre as criaturas apresentadas, no entanto, uma foi inventada – cabe ao leitor descobrir qual é!

 

 

Apesar de o fundo do mar ter sido presente em suas brincadeiras de menina, a autora conta que passou a infância longe da praia. “Aconteceu por eu estar sempre pensando esse ecossistema como algo muito distante de mim e muito aberto à imaginação”, conta. “O mais incrível do fundo do mar é que conhecemos muito pouco dele, ainda há muito o que descobrir. Ele tem um véu imaginário gigante. Quero inspirar isso nas crianças. A coisa mais importante do fundo do mar é a sua dimensão imaginária.”

O fascínio pelo fundo do mar persegue a artista desde a época de faculdade, quando ela buscava uma poética para o seu trabalho autoral. Era uma fase que investigava muito as nuvens, com observações e gravações que poderiam durar horas. Em uma viagem para a Bahia, uma tempestade encobriu a praia de algas, que compunham as mais variadas formas. Aquilo a inspirou de uma maneira semelhante às nuvens. Fotografou as formas e voltou ao ateliê para desenhar.

 

 

A próxima vez que visitou a Bahia já experimentou um mergulho. “Entrei em uma caverninha, lá tinha peixes, crustáceos, um monte de corais, tinha tudo. Comecei a surtar com aquilo. O que é esse lugar absurdamente fantástico?” Voltou para casa e buscou artistas que abordassem o fundo do mar. Não encontrou muitas pessoas. “Decidi então  que esse era o meu lugar e que eu ia falar sobre ele. Passaram-se 12 anos e eu continuo. Não consigo nem pensar em falar sobre outro assunto.”

Seus últimos trabalhos, no entanto, têm exposto uma realidade bem menos bonita. Branqueamento dos corais, pesca predatória, poluição sonora são algumas das questões urgentes que ela começou a sentir a necessidade de abordar. “Entendi que o meu trabalho não estava passando o problema. Só estava falando de como o oceano é mágico, lindo e biodiverso.” Foi quando começou a fazer esculturas. “São esculturas que já são brancas. Começam a partir da morte do coral. Tenho aquários onde as coloco. Depois de algumas semanas elas não têm mais essa forma, são só um relevo nojento e podre dentro do aquário.” Hoje, a artista já voltou para os seus desenhos, uma espécie de infográfico sobre as espécies em extinção.

Apesar de todo o engajamento com o tema, o livro de Beatriz percorre um tom mais informativo do que ativista. “Pensei: ‘Se eu fosse criança, como eu poderia ser iniciada no fundo do mar?’.” Decidiu começar então com uma linguagem mais leve. “Fiz no livro o mesmo que fiz no meu trabalho de arte. Primeiro, entendo quem são os habitantes do oceano, como funciona esse ecossistema, para depois chegar aos problemas do fundo do mar.” Daí o tom lúdico e as brincadeiras propostas. “A gente só consegue de fato cuidar das coisas do mundo quando tem sentimento.”

Também propôs às crianças que extrapolem o universo do livro, pesquisem por conta própria. “Meu livro não dá todas as informações. Tanto que todos os bichinhos que você tem que achar dentro do livro são bichos estranhos, que não estão no imaginário das crianças. É para dar um espaço para as crianças aprenderem a pesquisar sozinhas.” E esse interesse pode proporcionar grandes experiências. “É isso o que eu quero para elas: a aptidão gigante de imaginar possibilidades. É muito engrandecedor você trabalhar a imaginação das crianças. Você desperta nelas uma coisa muito genial, o quanto ela pode crescer na viagem por esse universo.”

 

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