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Mauricio Santana Dias apresenta “Bambino a Roma”, novo livro de Chico Buarque: “Trata-se de um duplo retorno ao passado”
O consagrado tradutor e professor fala sobre o novo romance de Chico, que mistura ficção às memórias da infância do autor
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Em 2007, voltando de uma conferência da ONU sobre mudança do clima na Indonésia, comprei um pinot noir francês, determinado a abri-lo apenas em 2020. A uva e a data tinham bons motivos: a pinot seria a primeira cepa a declinar com o aquecimento global, à medida que a região onde é produzida, a Borgonha, ficasse mais quente e seca. E 2020 seria o ano em que a humanidade saberia se teria começado a vencer a crise do clima.
Em fevereiro daquele ano fora lançado o celebrado AR4 (Quarto Relatório de Avaliação) do IPCC, o painel do clima das Nações Unidas. O trabalho rendeu ao grupo de cientistas o Prêmio Nobel da Paz, dividido com o ex-vice-presidente dos EUA e ativista climático Al Gore. Seu sumário executivo, de 18 páginas, fazia dois alertas fundamentais: o aquecimento do sistema climático era “inequívoco” e “muito provavelmente” causado por atividades humanas. Se nada fosse feito para reduzir emissões, poderíamos esperar um aquecimento global de até 4oC no fim deste século.
O IPCC também dizia que a hora de agir era aquela. As emissões de gases de efeito estufa precisariam chegar ao pico no máximo em 2020 e começar a declinar a partir dali para que fosse possível estabilizar a concentração de carbono na atmosfera em níveis menores do que o dobro do que havia no ar antes da era industrial. Falhar em fazê-lo tornaria a redução de emissões cara demais e alguns efeitos da mudança do clima muito mais difíceis de manejar.
Mas havia esperança: o Nobel para Gore e para o IPCC energizou a comunidade internacional, a mídia e a opinião pública. Países até então renitentes à ação climática, como a Austrália e o Brasil, engajaram-se nas negociações internacionais para suceder o bonitinho, mas ordinário, Protocolo de Kyoto. A conferência de Bali, a COP13, foi um sucesso e pavimentou o caminho para uma nova fase de cooperação internacional no clima. O negacionista George W. Bush estava no fim do mandato nos EUA e acabou substituído no ano seguinte por (ai, que saudade!) Barack Hussein Obama.
Corta para 2020 e ainda bem que eu não guardei aquele vinho: ele acabaria deixando um gosto péssimo na boca. Porque as emissões de gases de efeito estufa não só ainda não atingiram o seu pico como não há previsão nenhuma de isso acontecer.
O clima positivo de 2007 afundaria dois anos depois na neve de Copenhague. A COP15, maior reunião de chefes de Estado da história, produziu um fiasco tão grande que os líderes globais mais ou menos literalmente fugiram do país de Hamlet sem nem posar para a foto oficial. Seis anos e uma reeleição de Obama depois, a comunidade das nações encontrou um outro momento “só love” na romântica Paris, onde um acordo para salvar a humanidade envolvendo todos os países foi finalmente fechado na COP21. O Acordo de Paris, porém, dependia de um aprofundamento do multilateralismo para funcionar. Em vez disso, o que nós ganhamos? Trump, Pútin, Orbán, Erdogan, Morrison, Johnson e, claro, o seu Jair.
A atmosfera da Terra redonda, evidentemente, está pouco se lixando para quem acha que o aquecimento global é uma conspiração comunista. Ela segue inexoravelmente as leis da física. Em particular, para nossa desgraça, a Primeira Lei da Termodinâmica, segundo a qual se você acrescenta energia a um sistema (digamos, retendo radiação infravermelha por gases na atmosfera) essa energia vai realizar trabalho em algum lugar (por exemplo, evaporando oceanos e aumentando tempestades). E a Segunda Lei da Termodinâmica, segundo a qual é sempre mais fácil cagar um sistema do que organizá-lo (e é por isso que os impactos da mudança climática são majoritariamente negativos).
Em 2020, o ano em que deveríamos ter começado a resolver o problema, a atmosfera parece determinada a provar seu ponto. O ano começou com o inferno australiano. Prosseguiu com nuvens de gafanhotos do tamanho de cidades arrasando as plantações na África e com tempestades assassinas em Minas Gerais e no Espírito Santo – as piores chuvas da história em Belo Horizonte. Depois, com o centro expandido de São Paulo convertido numa ilha. Em fevereiro, a insuspeita Antártida registrou dois recordes históricos de calor em dois dias. Tivemos no mundo o janeiro mais quente da história, na esteira do segundo ano mais quente da história, que fechou a década mais quente da história.
Ainda faltam dez meses para o fim do ano. A atmosfera terá tempo de sobra para aprontar várias com a gente até o Réveillon. Para vocês me cobrarem depois: em junho ou julho a Europa terá uma onda de calor brutal com temperaturas acima de 40oC. Em março os números recorde da dengue (calor + chuva = mosquito) assustarão novamente os brasileiros. Em setembro o Caribe será sacudido por um ou mais superfuracões. E a Califórnia vai pegar fogo. Eventos extremos raros se tornaram frequentes. Como o relatório do IPCC de 2007 previu que se tornariam mais ou menos por esta época. O tal “novo normal”. Rajendra Pachauri, o líder do IPCC no AR4, não poderá mais dizer “eu avisei”: o cientista indiano morreu no dia 13 de fevereiro, mesma data em que o recorde de calor de janeiro foi anunciado. Mas ele avisou. A ciência está avisando desde 1990.
Em 2020, o ano em que deveríamos ter começado a resolver o problema, alguns atores-chave parecem enfim entender que isto é uma porra de uma emergência. Greta Thunberg, a pirralha, foi a estrela maior do principal convescote do capitalismo global, em Davos. Banqueiros descobrem (oh!) que extremos climáticos bizarros podem desestabilizar as finanças mundiais (aide-memoire: o Banco Mundial diz isso desde o começo do século). O principal jornal britânico passou a recusar anúncios de petroleiras. O carro elétrico virou objeto do desejo.
O próprio IPCC, praticando o ato demasiado humano de tentar adiar o fim, reajustou seus cenários e nos deu uma nova data-limite: temos até 2030, na COP35 (perdeu a conta?) para produzir uma inflexão nas emissões que permita lidar com o problema sem arrebentar a economia mundial no caminho. Ufa! Aliviada, leitora? Não tão depressa: para isso que isso aconteça será preciso cortar no mínimo 2,5% do CO2 da humanidade todos os anos. De novo: nem no pico das emissões nós chegamos ainda. Qual será a desculpa em 2030?
No ano em que deveríamos ter começado a resolver o problema, o pior assassino não é mais a mudança climática. O pior assassino é o negacionismo de agentes públicos eleitos com a missão de proteger seus cidadãos e que insistem em governar, planejar obras e gerir cidades, Estados e sistemas econômicos como se o clima do futuro repetisse o clima do passado e eventos como as supertempestades do Sudeste fossem apenas “anomalias”. A conta chegou, amiguinhos. Prevenir teria saído mais barato que remediar. Não deu. E vou logo avisando: o cartão que vai passar na máquina é o de cada um de nós.
Claudio Angelo nasceu em Salvador, em 1975. Foi editor de ciência do jornal Folha de S.Paulo de 2004 a 2010 e colaborou em publicações como Nature, Scientific American e Época. Foi bolsista Knight de jornalismo científico no MIT, nos Estados Unidos. Lançou, em 2016, pela Companhia das Letras o livro A espiral da morte, sobre os efeitos do aquecimento global, ganhador do Prêmio Jabuti na categoria Ciências da Natureza, Meio Ambiente e Matemática.
Claudio Angelo nasceu em Salvador, em 1975. Foi editor de ciência do jornal Folha de S.Paulo de 2004 a 2010 e colaborou em publicações como Nature, Scientific American e Época. Foi bolsista Knight de jornalismo científico no MIT, nos Estados Unidos. Lançou, em 2016, pela Companhia das Letras o livro A espiral da morte, sobre os efeitos do aquecimento global, ganhador do Prêmio Jabuti na categoria Ciências da Natureza, Meio Ambiente e Matemática.
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