Famílias em isolamento

09/04/2020

O isolamento social devido à pandemia do Covid-19 mudou totalmente a rotina das famílias brasileiras. Home office, serviços domésticos, crianças com tarefas da escola, tudo isso 24 horas por dia sem poder sair de casa (nem se isolar dentro do próprio isolamento!) está enlouquecendo muita gente e fazendo todo mundo repensar hábitos. Veja alguns relatos que nos fazem entender que, mais do que nunca, #tamojunto.

(Crédito: Andrew Seaman/Unsplash)

 

"Não quero ter de pedir nada por uma semana"

"Tenho 3 filhos, uma menina de 12 anos e dois meninos, um de 11 e outro de 10. Moramos só nós quatro em uma casa. Felizmente, não estou fazendo home office, sou tradutora e intérprete, entreguei um trabalho no fim da primeira semana de quarentena e não peguei mais nenhum. 

Quando recebi a notícia de que iríamos entrar em isolamento social, achei o máximo! Pensei: férias!. Moramos em uma casa com piscina e churrasqueira, logo, me imaginei tomando sol todos os dias, enquanto as crianças brincavam na piscina, jogando jogos de tabuleiro e passando tempo de qualidade juntos. Na primeira semana percebi que não seria assim. 

Já estávamos sem nenhuma funcionária há duas semanas, a casa estava de ponta cabeça, toda vez que eu pedia para alguma das crianças fazer algo era um sem-fim de reclamação. Foi uma semana que eu não parei, era comida, louça, lavar, estender e dobrar roupa. Sentei com as crianças e juntos criamos uma lista de coisas que achávamos que deveriam ser feitas todos os dias, em dias intercalados, uma vez por semana e a cada 15 dias. E aí dividimos por igual as tarefas entre eles. Tudo lindo, na teoria.

Na prática, todo dia eu tenho que pedir para fazerem. Não estipulei horário para que as coisas fossem feitas, precisavam ser feitas e pronto. Queria que eles pensassem e decidissem quando seria a melhor hora. Não rolou. Varriam o chão de manhã e aí sujavam tudo de novo durante as refeições e eu ouvia que já tinha sido varrido. E eu falando: “Pensemmm!!! Vocês têm cérebro! Não é possível”. Estávamos entrando na terceira semana e, apesar de melhor, ainda estava muito difícil. Eu ia dormir às 5h da manhã arrumando as coisas, as pernas doendo, os pés, as mãos, até os dedos! 

Nesse fim de semana, finalmente, fiz o que pensava que seria a quarentena. Tomei sol, eles brincaram na piscina, jogamos, montamos quebra-cabeça. Sinto que ainda precisamos de um ajuste, talvez seja a questão do horário. Tem sido difícil achar o equilíbrio entre ser compreensiva com as dificuldades de se estar em casa e ser incisiva quando algo tem que ser feito.

Não sei se, após a quarentena, conseguirei manter os hábitos. Algumas coisas eu quero tentar, mas neste momento eu só estou exausta de ter que pedir todo dia para fazerem a mesma coisa. Só fico pensando que, quando acabar o isolamento, eu quero não ter de pedir nada, pelo menos por uma semana".

Luana Arnhold, tradutora e intérprete, mãe de Beatriz, 12, Victor, 11, e Oliver, 10


 

"No final da tarde eu lembro que estou de camisola ainda e nem sei se escovei os dentes"

"Por aqui, os dias estão uma loucura. Estou de pé às 6h para organizar café e banho para as crianças estarem sentadas no notebook às 7h. A confusão começa cedo, é notebook que não liga, mouse que não funciona, professora que fica sem internet. A plataforma virtual é nova para todos e a adaptação tanto das crianças quanto do professor está sendo na base do suor.

Enquanto elas estão no notebook, eu não posso trabalhar, então, faço o almoço, limpo a casa e ajudo numa dúvida ou outra. Nesse meio tempo, as crianças brigam porque, com as duas tendo aulas online simultaneamente, é uma loucura para escutar o professor e interagir no microfone. E elas querem lanchar durante a aula toda! Não satisfeita, a professora de educação física quer que os pais brinquem com as crianças!

Almoço, descansa... Libero o celular para eu conseguir respirar e tentar trabalhar um pouco. Mal acabam de almoçar e já querem lanchar! Nisso é TV alta, vídeos e celular. E, assim, no final da tarde eu lembro que estou de camisola ainda e nem sei se escovei os dentes! Banho. Elas comem pela 916.372 vez e eu finalmente capoto".

Anete Senna, consultora comercial, mãe de Anna Luiza, 16, e Luna, 9

 

 

"Tenho aprendido que antes feito que perfeito"

"Trabalhar em home office é um pouco mais complicado do que muitos imaginam. É preciso colaboração de toda a família para nos mantermos concentrados e focados no trabalho. A demanda aumentou bastante e sem esse foco e concentração não é possível realizar minhas tarefas. Além desse aumento da demanda de trabalho, vieram as aulas online para as crianças, o que é totalmente novo para mim e imagino que para a maioria dos pais.

A dinâmica que montamos é a seguinte: seguimos o mesmo cronograma escolar para seleção da matéria a ser estudada naquele dia. Se na segunda-feira na escola o Pedro tinha aulas de português e matemática, então, em casa ele seguirá estudando essas disciplinas naquele dia. Também estipulamos um horário: ele estuda às 16h, podendo haver alteração se for necessário. Não fico presa, porque imprevistos podem acontecer. Porém, ele precisa concluir as tarefas e assistir às aulas naquele dia, para não acumular.

O pai o auxilia com a plataforma de ensino e o Pedro executa as atividades sozinhos. Caso ainda surjam dúvidas na matéria estudada, eu auxilio no horário da noite. Felizmente, ainda não aconteceu.

Como o trabalho tem consumido bastante do meu tempo, não consegui montar um cronograma com as atividades avaliativas. Porém, peço a ele que sempre verifique se enviou tudo o que o professor pediu, dentro do prazo estipulado. Minha vontade era sentar com ele e montar um cronograma todo fofo e organizado, para ter certeza de que ele não perdeu nenhum prazo. Porém, tenho aprendido que antes feito que perfeito".

Michele de Jesus, analista de sistemas, mãe de Pedro, 9

 

 

"Tivemos que nos reinventar nas brincadeiras pelo excesso de energia"

"Trabalhar em home office está sendo tranquilo, pois já estou acostumado. Procuro dar atenção à minha filha nas refeições e fazer algumas pausas. No entanto, tivemos que nos reinventar nas brincadeiras pelo excesso de energia, o sono dela desregulou e ela não entende a situação direito apesar de explicarmos.

Minha esposa, como fica mais tempo direto com a Marina, está mais estressada e perdendo a paciência mais rápido por causa da rebeldia da infante (risos). O pior de morar em apartamento numa cidade grande é que não podemos sair de jeito nenhum e faz muita falta ver a natureza, poder correr com a pequena. Fazemos exercícios hitt e funcional na varanda, nos quais ela participa e se diverte.

A escola manda algumas brincadeiras educativas pelo app, mas é pouco. Então, estamos nos reinventando e adicionando novas atividades. Mais união, muita história, brincadeiras, exercício juntos, alguns filminhos. E também muitas perguntas dos avós, que ela morre de saudade!"

Thiago Laurindo, administrador, pai de Marina, 2


 

"Me dá certa alegria constatar que a gente consegue dar conta da própria vida"

“Sempre tivemos uma convivência intensa, o que facilita muito agora, pois não temos surpresinhas. Moramos em casa, o que é um baita privilégio pois temos espaço, árvore, piscina, cama elástica. Acordamos cedo, tomamos café, dou um tempinho para eles e, então, começam as tarefas da escola, isso é sagrado.

Faz xixi, lava a mão, desliga a TV e foco, concentra. Dou alguns intervalos, mas estamos amando as atividades da escola, tanto eles quanto eu. À medida que eles vão fazendo, eu estou cozinhando ou fazendo coisas da casa. Meu marido está trabalhando ainda mais nessa quarentena, mas ainda assim divide bastante as tarefas domésticas comigo.

Se amanhã eu acordar com vontade de preguiçar, tudo bem, não vai ter problema, porque a rotina faz com que tudo esteja no lugar. Essas tarefas, como tirar erva daninha do jardim, me ajudam a me sentir produtiva. Também estou me surpreendendo com meus filhos: nunca tinha colocado eles pra arrumar cama, cozinhar… Eles podem não fazer perfeitamente, mas fazem! 

Leio notícias de fontes que considero confiáveis pela manhã e depois não vejo mais nada sobre coronavírus. Aquelas mil mensagens em grupos de whatsapp sobre a pandemia eu simplesmente não leio. Estamos aprendendo a viver o hoje, não adianta ficar projetando a médio e longo prazo, aí você enlouquece.

Dou risada quando vejo esses memes de casais, aqui está tudo bem, vi que casei com o homem certo. Me dá certa alegria constatar que a gente consegue dar conta da própria vida, da própria comida, da própria roupa. Hábitos que ficarão: isso de cuidar nós mesmos, das coisas da casa. Outro também é a proximidade com a professora, a escola, isso com certeza vai ficar."

Lana Bitu, jornalista e escritora, mãe de Antônio, 9, e Miguel, 6

 


"A quarentena está sendo um momento para avançar passos na intimidade da família"

"O coronavírus chegou e, com ele, a quarentena, que mudou a rotina de todo o planeta. Tenho visto algumas cenas desse cotidiano pelas redes sociais, de pessoas cantando, batendo panelas, também memes de casais em crise pela convivência intensa e de pais desesperados com os filhos em casa e, ao mesmo tempo, trabalhando. 

Casado com uma mulher que sabe que seu salário foi uma consequência de anos de briga das mulheres, divido as atribuições domésticas com ela. Certamente, não estou sozinho, embora me veja como o único pai no grupo de pais (ou de mães) da turma da minha filha mais nova a discutir como deveria ser a rotina das aulas durante o isolamento social. 

O isolamento para nossa família está sendo como a estratégia de uma prova para um atleta fundista: em uma corrida decisiva, deve ser feito o que se treinou por um longo período, não dá para improvisar. Estamos pondo em prática o que viemos treinando desde sempre. As meninas não ficaram vendo telas enquanto jantávamos com amigos em saídas para restaurantes e também não ficam agora, confinadas; elas conquistaram sua autonomia escolar quando seus pais mostraram que a escola era importante lá no infantil e hoje cumprem a rotina determinada – mesmo em casa. Elas nos deixam trabalhar em home office pois sabem que nosso amor por elas sempre foi incontestável.

Vamos às panelas com a cumplicidade que o pai vai perder a paciência quando algo dá errado ou que vai ter briga pelo resto de leite condensado na lata. Não achamos que é hora de arriscar e começar algo com as meninas daquilo que nunca foi feito, percebemos que é hora de amenizar, fazer carne assada pois um ancho na chapa vai engordurar a cozinha e o braço direito da casa está no seu direito de se preservar.

Descobri que existem lençóis que não são king nem queen size, mas podem se encaixar na cama de qualquer jeito; e somente ela vai saber qual é o verso ou o direito de uma colcha de piquet. Descobri que posso continuar a fazer polichinelos e flexões em casa exatamente às 16h, sem precisar ter que dar exemplo de corpore sano e pontualidade para as duas. A quarentena está sendo, para nós, um momento de pôr em prática o que foi construído e para avançar passos na intimidade da família, e não para inventar receitas nunca antes cozinhadas. E, por fim, descobri novamente que o braço direito da casa é muito mais que o braço direito da casa".

Murilo Gomes, médico veterinário, pai de Olivia, 13 e Clarissa, 10

(Reportagem e texto de Fernanda Montano)

 

Leia mais:

+ Como as escolas estão se adaptando à quarentena?

+ As narrativas que compartilhamos em tempos de pandemia

+ O que a meditação pode fazer pelas crianças?

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