O que as crianças aprendem ao ler na escola? Reflexões sobre literatura em sala

29/01/2021
O que uma criança aprende quando lê literatura? O que é um livro literário? Há uma progressão de aprendizados ao ler, assim como há em Matemática ou Português? Essas foram algumas das reflexões e das conversas estimuladas no encontro Semana Pedagógica, promovido pelo clube de Leitura A Taba.

Currículo literário em sala

O evento termina hoje, é possível assistir aos encontros anteriores no canal do YouTube do clube e nós assistimos ao primeiro dia, cujo tema foi: Currículo literário e formação de leitores. Trouxemos para esse post os tópicos, ideias e dicas que achamos essenciais na hora de pensar a literatura em sala de aula, coisa que a gente faz o tempo todo, certo? ;)

Progressão, diversidade e continuidade são os pilares de um bom currículo para leitura literária nas escolas. Imagem: Pequenas histórias para grandes curiosos, de Marie-Louise Gay

A conversa foi conduzida por Érica de Faria Dutra, que faz a curadoria dos livros para o projeto Taba na Educação, claro, dde A Taba. Ela é formadora de professores e gestores, atua no Instituto Avisa Lá, na Comunidade Educativa CEDAC, dá aulas na Pedagogia e na pós-graduação Literatura para Crianças e Jovens do Instituto Vera Cruz --  em que ministra a disciplina: Práticas de leitura literária na escola. Aqui embaixo, você assiste à conversa na íntegra. Em seguida, trouxemos um resumo dos principais pontos. Bóra laa https://www.youtube.com/watchhv=HioTjqXT0t4

Um currículo de leitura literária

Por que é preciso pensar em um currículo de literatura na escola desde a Educação Infantil -- bem antes, portanto, de Literatura ser uma disciplina do cotidiano dos jovens estudantese "Sabemos a importância do imaginar, do fabular, do deixar-se ser o outro sem deixar de ser si mesmo", explica Érica. Além disso, diz ela, a palavra é usada no texto literário de um modo diferente de como usamos no dia a dia. Érica pontua que qualidade e diversidade -- que algumas escolas públicas e privadas já conseguem garantir aos alunos -- ainda é pouco. Ela defende que é preciso ter diversidade, sim, mas também continuidade nas atividades literárias e uma progressão em termos de obras apresentadas. Porque se forma um  leitor ao longo de toda a escolaridade e não em um ano só. Assim, para ela, esses são pilares que devem orientar esse currículo, a envolver todos os professores em todas as etapas. Do mesmo modo que se pensa uma progressão, uma continuidade e uma diversidade -- inclusive de práticas -- para todas as disciplinas, é preciso fazer o mesmo na formação do leitor literário.

Gêneros e práticas

"As crianças podem ver os mesmos gêneros em outros anos, mas com outro olhar". Não precisamos trabalhar, portanto, determinado gênero apenas naquela etapa escolar, mas ao longo das séries, com obras mais complexas, que convoquem mais o leitor -- seja na estética, na forma, nas metáforas, nas emoções. A formação do leitor literário é bem mais complexa -- tanto quanto essencial -- e envolve uma complexidade de conteúdos, habilidades e também de práticas que é preciso um olhar atento para isso. "Não basta o professor ler um livro no começo da aula e pronto", coloca Érica.

A roda de empréstimo é uma prática importantíssima, que precisa ser pensada no currículo. Imagem: O livro de Lívio, de Hfrena Bragadottir

Para a especialista, a leitura em voz alta pelo professor é essencial. Mas é preciso pensar em outras práticas, como a leitura autônoma pelo aluno, a leitura não-convencional, as rodas de empréstimo, rodas de apreciação temáticas. Há recursos estéticos e também experiências para serem consideradas, que fazem parte desse olhar progressivo e em continuidade, como acontece em outras matérias. "Tudo isso tem de estar dentro de um currículo. Não é possível uma professora considerar isso e a do lado não considerar".  

O que aprendemos com leitura literária na escolan

O que vai nos levar a um outro ponto: o que é conteúdo quando pensamos em formação de um leitor literário< Para a especialista, a leitura literária é um conteúdo em si mesma, não precisa -- e não deve -- estar a serviço de algum outro conteúdo. O currículo literário deve ser pensado pelo que ele garante de aprendizagem às crianças por si mesmo. "Em geral, a escolha do livro é atrelada a um conteúdo que não é literário. Meu trabalho na área de formação de professores tem sido muito forte no sentido de a gente não fazer esse tipo de relação", explica Érica. Claro que o livro pode suscitar conversar sobre outros temas, assuntos, disciplinas. Nada impede que uma obra literária esteja inserida numa pesquisa de Ciências, por exemplo... Pelo contrário. Crianças aprendem de um modo complexo, combinando informações objetivas com outros conteúdos mais do campo do sensível -- como as artes ou as experimentações corporais e dos sentidos. Mas o que Érica propõem em sua reflexão é:
  • não reduzir o livro ao seu uso instrumental em determinada disciplina ou tema; não escolher uma biblioteca pensando em como as obras podem apoiar o ensino de conteúdos didáticos outros;
  • e perceber o que de fato a leitura de uma obra literária proporciona na escola.
"Às vezes, a gente vê livros lindíssimos não sendo lidos em toda a sua potencialidade [porque não estão atrelados a um determinado conteúdo]. E temos visto o contrário também: a escolha do livro não tão bom, mas que se relaciona melhor com um outro conteúdo", lamenta ela.

O que se aprende lendo literaturao

"A gente precisa pensar: o que eu quero que as crianças aprendam quando eu leio para elasi", propõe a especialista. A própria Érica revela sua lista:
  • 1. Experiências distintas -- esteticamente distintas: "se leio um conto de fadas, isso gera pensamentos, sentimentos, emoções diferentes do que seu eu leio um conto de mistério";
Por isso, é importante garantir diversidade de autores, de gêneros, de culturas... E também ter em mente a continuidade, oferecer às crianças um acervo diverso e a possibilidade de fazer "revisitas", talvez mais aprofundadas, ao que já foi lido.
  • 2. Patrimônio cultural da humanidade;
Temos muitas histórias, que falam muito sobre nós, desde tempos imemoriais. Tudo isso é uma riqueza a que todas e todos precisam ter acesso.
  • 3. Comportamentos leitores;
Que são as ações que o leitor faz quando lê. Por exemplo: parar num determinado trecho, quando o texto está difícil, e ler de novo. Ou compartilhar as impressões depois de uma leitura que tocou, emocionou, que de algum modo nos marcou. "Não é fácil recomendar um livro. Isso é conteúdo", avalia Érica, lembrando a complexidade de argumentos e de conceitos que um pequeno leitor precisa organizar e comunicar para justificar sua recomendação para além do "gostei".
  • 4. Leitura estética;
Aqui, especialmente os mais experientes, começam a reconhecer e a dominar escolhas estéticas dos livros, como tipo de narrador, construção do personagem, o tipo de desfecho...
  • 5. O uso estético da palavra;
A forma como usamos a palavra no dia a dia e o jeito como o texto verbal é trabalhado na literatura são aplicações bem distintas de uma mesma linguagem. Compõe nuances do domínio do idioma escrito; a capacidade de tirar prazer de um uso bonito, pensado, refinado das palavras.

Progressão e complexidade nas obras

Pensando o currículo a partir desses conceitos, a ideia de progressão é a mais complexa delas, até porque a própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC), por exemplo, define gêneros textuais e abordagens por idade -- e não de uma forma mais contínua, em que cada etapa escolar ganhasse mais complexidade. Para Érica, "muita coisa envolve a progressão". Há progressão nas habilidades de leitura, na complexidade de temas e de abordagens, de estética.

As leituras de um mesmo gênero variam de acordo com a idade e a fluência leitora. Imagem: Socorro em: uma vida nada fácil, de Silvana Rando

Os livros literários têm várias estéticas, a do personagem, do conteúdo, da narração... Esses são pontos a se considerar na hora de pensar numa progressão, em uma ideia de currículo que suponha trabalhar as habilidades listadas acima com mais e mais complexidade -- como na Matemática. Por exemplo, um livro sobre a relação entre irmãos para crianças muito pequenas vai abordar o tema de forma mais lúdica, em camadas que possam ser lidas em diversas faixas etárias, com nuances que podem estar mais ou menos explicitadas. Já um livro voltado para pré-adolescentes provavelmente vai trazer o tema de outra forma, com mais carga dramática, com um texto mais denso e trabalhado de forma a acessar memórias, pensamentos e sensações de um leitor que já viveu outras experiências e já lida com as emoções de uma maneira outra em relação a uma criança de quatro anos.

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