Mergulhar no tempo das cerejas, por Meritxell Hernando Marsal
Meritxell Hernando Marsal compartilha sobre os desafios do processo de tradução de "O tempo das cerejas"
Por Claudio Angelo
Num mundo de meninos bruxos, guerras entre reinos fantásticos e fantasias sexuais de ricaços tarados, parece incrível que alguém consiga fazer um best-seller oferecendo ao leitor algo tão duro e sem glamour quanto o mundo real. Ponto para Carlo Rovelli, que bateu a vendagem de Cinquenta tons de cinza na Itália com seu precioso Sete breves lições de física (publicado no Brasil pela editora Objetiva). Você leu certo: física.
O pequeno e estrondoso livro do físico teórico italiano possivelmente deve parte do seu sucesso ao fato de entregar o que promete no título. São sete lições (alou, Buzzfeed!), e realmente breves. Devoram-se suas 88 páginas em uma sentada -- quem o fizer num voo de uma hora e meia terá tempo até de comer o sanduíche do serviço de bordo, mas duvido que preste atenção à oferta dos comissários.
Em todo o livro, há apenas uma equação, a da Relatividade Geral, que Rovelli apresenta com propósitos unicamente estéticos ao propor uma analogia ao leitor: algumas obras do engenho humano, como o Réquiem de Mozart ou as pinturas da Capela Sistina, podem exigir “um percurso de aprendizado” para serem apreciadas em sua completude. “Mas o prêmio é a beleza pura”. Algumas teorias da ciência, como a de Einstein, pertencem a essa mesma categoria. A relatividade, “a mais bela das teorias”, é a primeira das sete lições.
Ao olhar a física sob as lentes da estética, Rovelli faz o leitor de cúmplice de uma tentativa de romper o abismo existente entre a ciência e os demais domínios da cultura. Executa essa subversão com frases curtas, uma erudição impressionante e eventual humor, como quando fala das férias como o melhor período para estudar “porque não estamos distraídos pela escola”.
Estilo e concisão são elementos necessários, mas não suficientes, para explicar o apelo de Sete breves lições de física. O ponto decisivo é o fato de que o mundo real, revelado pela física apresentada no livro, é um lugar muito, muito esquisito. A natureza do tempo, do espaço e da matéria, descortinada por teorias e observações, deixa as aparatações de Harry Potter no chinelo e faz os apetites do sr. Grey parecerem coisa à toa.
Veja, por exemplo, o caso da bizarra mecânica quântica. A teoria concebida por Max Planck, parida (e em seguida deserdada) por Albert Einstein e criada por Niels Bohr, Werner Heisenberg e outros é a responsável pela revolução tecnológica que permite que você leia este texto na tela de um computador ou de um celular. Só que ela está toda baseada numa entidade, o elétron, cuja existência é probabilística, não absoluta -- aparentemente ele só existe quando interage com outras coisas.
Quer mais? Pois se aguente com esta: a matéria que nós conhecemos, que forma desde as estrelas até o seu cérebro, é apenas parte -- e uma parte bem pequena -- da matéria do Universo. A maior parte de tudo o que existe é composta de algo que a física não consegue descrever e não interage com outras formas de matéria a não ser por meio da gravidade. Ah! Falando em gravidade: sabe o espaço? Você acha que ele é um grande “lugar” contínuo onde “reside” a matéria e onde age a gravitação? Teóricos como Rovelli têm proposto que, na verdade, o espaço seja composto de partículas ou grãos, chamados “laços”. A continuidade do espaço é uma ilusão.
É claro, nenhuma descrição de um universo maluco estaria completa sem buracos negros. Rovelli dedica sua sexta lição a esses objetos improváveis (mas reais), infinitamente pequenos, mas infinitamente maciços. E deposita em seu estudo, por razões que o leitor entenderá, a esperança na decifração do mistério do tempo.
Na sétima lição, o italiano toca um vespeiro antigo da ciência, ao sugerir que o maior de todos os enigmas, a consciência humana, possa também ser investigado desde o ponto de vista da física. E filosofa sobre as consequências disso para nosso livre-arbítrio, bem como faz sua aposta sobre o futuro da civilização. Embora aqui Rovelli não seja exatamente otimista, ele não deixa de registrar o assombro -- inevitavelmente compartilhado por seus leitores -- diante de tudo o que a humanidade tem sido capaz de descobrir sobre a essência do mundo natural. A física pode parecer difícil para muita gente, e frequentemente ela exige que deixemos o senso comum de lado. O prêmio, porém, é a beleza pura.
Claudio Angelo nasceu em Salvador, em 1975. Foi editor de ciência do jornal Folha de S.Paulo de 2004 a 2010 e colaborou em publicações como Nature, Scientific American e Época. Foi bolsista Knight de jornalismo científico no MIT, nos Estados Unidos. Lançou em 2016 pela Companhia das Letras o livro A espiral da morte, sobre os efeitos do aquecimento global.
Meritxell Hernando Marsal compartilha sobre os desafios do processo de tradução de "O tempo das cerejas"
Rádio Companhia apresenta "As narradoras": minissérie em áudio sobre vozes literárias femininas do século XX
Como se preparar para a Conferência do Clima, que este ano acontece em Belém