Mergulhar no tempo das cerejas, por Meritxell Hernando Marsal
Meritxell Hernando Marsal compartilha sobre os desafios do processo de tradução de "O tempo das cerejas"

Quando tomo conhecimento de feminicídios, brigas entre torcidas, assassinatos à queima roupa e preconceitos vociferados com despudor, parece que meu livro Seis balas num buraco só continua sendo escrito à minha revelia. Se o masculino tóxico é capaz de tudo a partir de sua obsessão fálica, ainda se pode ver o impensável. Eis que, num 7 de setembro em comemoração aos 200 anos da nossa independência política, o presidente do Brasil puxa o refrão autolaudatório: “sou imbrochável”, reverberado pela multidão como um elogio imperial. Bem, cada país tem o Nero que merece. Mas eu não consigo refrear a sensação de ver meu livro sendo ilustrado aí, em grande estilo e ao vivo. Mais uma vez, a crise do masculino se manifesta didaticamente nas atitudes do presidente, que dia sim, dia não, expressa seu ódio às mulheres e alardeia sua condição de machão autoritário. A pergunta é: por que esse homem que ocupa o mais alto cargo da nação vive tão preocupado com sua vida sexual a ponto de invocá-la como o grande tema de uma data memorável? Antes de tudo, ele está confessando o medo obsessivo de perder seu falo, ou seja, o pânico à castração que embasa o masculino tóxico, incapaz de admitir seu fracasso. Isso me remete a um ditado emblemático: “Dize-me o que alardeias e eu te direi o que te falta.” A louvação fálica do presidente soa como um pedido de socorro de alguém desesperado ante algo que perdeu ou nunca teve. E o que ele perdeu? Em sentido amplo: a consciência do seu papel na política, a compreensão do que é uma nação, a vocação para o diálogo, a possibilidade de admitir sua impressionante mediocridade. Ao invés do surrado “independência ou morte”, aquele refrão gritado em 7 de setembro de 2022 proclama a toxidade “imbrochável” do regime falocrático. A confissão pública de Jair Bolsonaro demonstra como é grave a crise do masculino no Brasil atual.
JOÃO SILVÉRIO TREVISAN nasceu em 1944. Escritor, roteirista, diretor de cinema e dramaturgo, tem vários livros publicados entre ensaios, romances e coletâneas de contos, como Pai, pai, A idade de ouro do Brasil e Devassos no Paraíso. Recebeu três vezes os prêmios Jabuti e da Associação Paulista dos Críticos de Artes (APCA).
Meritxell Hernando Marsal compartilha sobre os desafios do processo de tradução de "O tempo das cerejas"
Rádio Companhia apresenta "As narradoras": minissérie em áudio sobre vozes literárias femininas do século XX
Como se preparar para a Conferência do Clima, que este ano acontece em Belém