“O dia em que Peter Sutcliffe foi pego está gravado na minha memória”: Como Jennie Godfrey escreveu "A lista de coisas suspeitas", lançamento da Editora Paralela

24/04/2024

Jennie Godfrey, autora de A lista de coisas suspeitas (foto: Esme Mai)

A autora Jennie Godfrey se inspirou para escrever seu romance de estreia ao assistir à série documental The Yorkshire Ripper Files. “[Ela] me lembrou que meu pai trabalhou com Peter Sutcliffe, um aspecto da minha infância que eu quase esqueci”, explicou ela. “A série trouxe de volta memórias de viver em Yorkshire naquela época, e percebi que queria escrever sobre isso.”

A lista de coisas suspeitas acompanha Miv, de 12 anos, que decide tornar Yorkshire segura novamente ao encontrar o homem apelidado de Estripador de Yorkshire, para evitar que seu pai faça a família se mudar.

Miv e sua melhor amiga, Sharon, começam sua própria investigação e inevitavelmente descobrem segredos sobre sua pequena cidade, e as pessoas dentro dela, com consequências devastadoras. 

Mergulhado em um lugar e um tempo bem definidos, o romance captura a nostalgia da vida em Yorkshire dos anos 1970, ao passo que também confronta as realidades da vida na Grã-Bretanha de Margaret Thatcher. É um Norte que muitos leitores que já eram nascidos na época reconhecerão. Há rocambole para comer com o chá, crianças enchem as ruas brincando do raiar do sol ao anoitecer, e vizinhos fofocam bebendo canecas de chá quente — mas também há tensão. O desemprego aumenta à medida que o governo Thatcher avança, à medida que a indústria encolhe. Para as famílias, o dinheiro está apertado e as comunidades parecem fraturadas — tudo agravado pela ameaça de um serial killer cujos ataques tornam-se mais frequentes.   

Em suas próprias palavras, Godfrey nos conta a incrível conexão que sua família teve com Peter Sutcliffe, e como suas experiências de infância influenciaram sua primeira incursão na ficção.

Contracapa de

A lista de coisas suspeitas captura a nostalgia da vida em Yorkshire dos anos 1970, enquanto confronta as realidades da vida na Grã-Bretanha de Margaret Thatcher (foto: Desenho Editorial)

O nome 'Estripador de Yorkshire' era usado como um ‘bicho-papão’ para nos assustar.

Eu realmente queria capturar Miv às vésperas da adolescência, enquanto eu mesma era uma criança na década de 1970. Mas as partes da narrativa que vêm direto da vida real são coisas como brincar de caça ao Estripador no parquinho da escola, e o nome "Estripador de Yorkshire" sendo usado como um "bicho-papão" para nos assustar.  

Se não nos comportássemos, era só dizer que "o Estripador vai te pegar". Era a verdadeira linguagem da época. Nos deixavam brincar da manhã até tarde da noite, mas sempre conscientes dele e do perigo que ele representava.

O dia em que Peter Sutcliffe foi apanhado está gravado na minha memória, porque o meu pai ficava dizendo ‘mas eu o conheço'.

Meu pai era um engenheiro mecânico que fazia a manutenção de todos os veículos no depósito onde Peter Sutcliffe trabalhava, e ele assinava os registros de serviço para dizer que o trabalho havia sido feito, então meu pai costumava vê-lo e interagir com ele com frequência.  

O dia em que Sutcliffe foi apanhado está gravado na minha memória, porque o meu pai ficava dizendo: “Mas eu o conheço, eu o conheço. Ele é tão quieto. Ele é tão tímido. Eu não consigo acreditar que é ele”.  

Ele foi até sua van de trabalho e pegou os registros de serviço que Sutcliffe havia assinado para mostrar a mim e à minha mãe que estava dizendo a verdade, não que não acreditássemos nele, mas porque ele estava tão chocado por ter chegado tão perto dessa pessoa.

Meu pai é um perfeito pai dos anos 1970, ele nunca falou sobre como isso o afetou.

Mais tarde na vida, meu pai passou por uma grande conversão religiosa e se tornou o capelão na prisão de alta segurança de Woodhill, o que significa que ele trabalhou com pessoas como Rose West*, enquanto ela estava em prisão preventiva em Woodhill, e Ian Huntley** – algumas das piores pessoas que conhecemos. Acho que não dá para dizer que não há uma ligação.

"Queria capturar Miv às vésperas da adolescência, enquanto eu mesma era uma criança na década de 1970", diz a autora (foto: Desenho Editorial)

Nossas vidas após a captura de Peter Sutcliffe seguiram normalmente... Só não acho que processamos isso nos anos 1970.

Nossas vidas após a captura de Peter Sutcliffe continuaram normalmente, e nunca conversamos sobre isso. O livro explora alguns temas sombrios, e às vezes me pergunto se eles foram exagerados, mas minha criação foi muito semelhante.

Teve alguém que tirou a própria vida que morava na mesma rua que a gente. Nunca conversamos sobre isso. Meu pai teve um colapso durante a minha adolescência. Nunca conversamos sobre isso. E eu acho que, na época, durante os anos 1970, não fomos capazes de processar tudo o que aconteceu.  

O que estou achando realmente interessante é que há coisas como The Long Shadow na ITV, que acaba de ser feita, há um livro de memórias chamado The Stirrings, bem como alguns romances que exploram o Estripador [recentemente publicados]. É quase como se só estivéssemos processando esse tempo e lugar específicos agora. 

Há uma necessidade real de equilibrar a escuridão com a luz e você realmente consegue isso da perspectiva de uma criança.

Foi muito importante para mim contar essa história através dos olhos de uma criança por alguns motivos. Um deles é que as crianças têm uma perspectiva única sobre a vida. O segundo é que, se eu quisesse escrever sobre esse período, queria refletir a verdade sobre os anos 1970. Há uma necessidade real, ao meu ver, de equilibrar a escuridão com a luz e você realmente consegue isso da perspectiva de uma criança.

Eu com certeza aumentei para o medo que as pessoas sentiram durante esses anos como consequência de ouvir as pessoas falando sobre a mesma coisa hoje. [A segurança das mulheres] não mudou tanto quanto eu gostaria de imaginar.

A lista de coisas suspeitas é o romance de estreia da inglesa Jennie Godfrey (foto: Desenho Editorial)

Não estou interessada em gore ou coisas terríveis acontecendo com as pessoas. Mas estou interessada em entender como essas coisas aconteceram.

Meu podcast favorito de true crime é My Favorite Murder, onde eles dão espaço para pessoas compartilharem histórias de assassinatos em suas cidades. Explorar um assassinato de sua cidade natal é muitas vezes a droga de entrada das pessoas, aquilo que as torna realmente interessadas em true crime. E isso é verdade para mim em relação ao que aconteceu com Peter Sutcliffe — esse foi o assassinato da minha cidade natal.
 
Descobrir que algo assim pode acontecer em sua cidade natal ou em sua vida, tão perto de você, muda como você se sente sobre o mundo. Há algo sobre procurar, ou tentar entender de alguma forma, como essas coisas terríveis podem acontecer. 

Não estou interessada em gore ou coisas terríveis acontecendo com as pessoas, mas estou interessada em entender como essas coisas acontecem, e o porquê, onde e com quem.

Sempre quis escrever um livro sobre o qual as pessoas quisessem conversar.

Além de escritora, trabalho em meio-período como livreira. Eu amo livros. Amo conversar sobre livros. Então, sempre quis escrever um livro sobre o qual as pessoas quisessem conversar.

A lista de coisas suspeitas tem um ângulo histórico, tem um aspecto regional. Tem um aspecto político. Tem racismo, tem misoginia – o que você pensar, coloquei lá.  

Para mim, este livro é sobre a resiliência e o espírito humano. Mas eu adoro ouvir a opinião de outras pessoas sobre ele.

Não tenho interesse em ouvir falar de Peter Sutcliffe nunca mais.

Ainda não assisti The Long Shadow e ainda me fascina não ter assistido. Não é porque eu não quero, eu só acho que já deu para mim. É um clichê dizer que escrever romances é como um fechamento ou uma forma de terapia. Mas, de alguma forma, isso meio que aconteceu. Não tenho interesse em ouvir falar de Peter Sutcliffe nunca mais.  

A lista de coisas suspeitas, de Jennie Godfrey, está disponível nos formatos físico e e-book nas principais livrarias e lojas. Acompanhe as redes sociais da @editoraparalela para não perder nenhuma novidade sobre o livro! 


*Rose West: Serial killer britânica, que auxiliou o marido, Fred West, a torturar e assassinar pelo menos nove mulheres. Rose também assassinou a própria enteada.
**Ian Huntley: Assassino britânico, condenado pela morte de duas meninas de dez anos e também acusado de estupro e pedofilia.
 

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