Com quantos brinquedos se faz uma brincadeira? Brinquedos prontos ou inventados pelas crianças? Artesanais ou industriais? E os feitos de natureza? Como compor acervos lúdicos para meninas e meninos? São muitas as questões quando o assunto é o brincar, talvez o verbo mais conjugado na infância – de todos os tempos e lugares.
Foto Exposição Brinquedos do Brasil: invenções de muitas mãos/SESC Departamento Nacional
Adriana Klisys, pesquisadora de jogos, brinquedos e brincadeiras, autora de livros como Quer jogar? (editora Sesc) e Ciência, arte e jogo (editora Peirópolis), conta que são muitos os tipos de brinquedos, inclusive aqueles que não estão limitados aos objetos propriamente ditos. Ela explica como um gesto com os braços pode transformar uma criança em um piloto de carro a girar um guidão, em um avião em pleno voo, em um bandido disparando uma arma. É o que chama de “brinquedo algum” – ou “imaginação que brinca”. Entre esses brinquedos invisíveis, também estão as parlendas, cantigas de roda ou ladainhas de pular corda, passadas de geração em geração, compondo um verdadeiro “tesouro lúdico cultural”.
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Diretora do Caleidoscópio Brincadeira e Arte, ela chama a atenção para brinquedos cujos materiais suscitem a imaginação das crianças. Assim, entre fantasias prontas e um baú repleto de tecidos de diferentes texturas, o segundo dá uma maior margem à criação. “Afinal, o mundo do brincar é um mundo de autoria infantil”, afirma. “A fantasia pronta de princesas como Branca de Neve e Cinderela são méritos da equipe Disney que as criou. Mérito de adultos, portanto. Já as fantasias criadas com materiais menos estruturados são de autoria das crianças”, explica.
Foto Exposição Brinquedos do Brasil: invenções de muitas mãos/SESC Departamento Nacional
Brinquedos de longo alcance
Ela defende os “brinquedos de longo alcance”, termo cunhado pelo psicólogo Leontiev. São feitos de materiais simples, que podem ser utilizados de diversas maneiras e, assim, agregar diferentes significados. Como exemplos enumera sobras industriais, como retalhos de madeiras, tecidos, couros, carretéis de linha, rolhas de garrafa, além dos presentes Esse tipo de brinquedo é bem ilustrado no vídeo “The Adventures of a Cardbox”, que mostra como uma criança transforma uma caixa de papelão comum em inúmeras situações, possibilidades de brincadeiras.
Essa preocupação pela imaginação e pela criatividade na infância transpassa os muros da escola. Adriana defende que seja prioridade uma formação lúdica dos professores de educação infantil. Explica que para caminharmos precisamos de duas pernas: o produto e o processo. Em uma sociedade cada vez mais preocupada com a produtividade, fica de lado tudo o que não é produção, e ficamos mancos, “pulamos feito o Saci Pererê”.
Foto Exposição Brinquedos do Brasil: invenções de muitas mãos/SESC Departamento Nacional
Daí um enorme desinteresse pela escola, que, por vezes, supervaloriza resultados. Ela propõe uma troca de valores, estabelecer brincadeira como prioridade nacional: “Um dia teremos um Ministério Lúdico que vai revolucionar a qualidade de vida que o brincar proporciona não só às crianças. Está faltando brincadeira na Rocinha, nas relações políticas, está faltando brincadeira nas relações violentas de trânsito! Está faltando brincadeira no lugar dos altos usos de antidepressivos!”. Se brincar é, por definição, “estabelecer vínculos”, que vínculos estamos deixando de estabelecer quando as crianças deixam de brincar?
Foto Exposição Brinquedos do Brasil: invenções de muitas mãos/SESC Departamento Nacional
Como levar a brincadeira livre para as escolas?
Os ambientes cimentados das escolas também não ajudam nessa missão nacional. Ela defende espaços mais verdes e naturais para as brincadeiras das crianças. “E se não optar por esta escolha-coragem radical, outras soluções intermediárias podem ser adotadas, como ter caixas de areia, tonéis ou bacias de terra, pedrinhas, jardins e hortas suspensas, fontes d´agua, enfim, cuidar de ter natureza por perto!”, faz a ressalva.
E que tal um intercâmbio de brinquedos de diferentes regiões do Brasil? “Imaginem trocar conchas do Rio de Janeiro por semente jarina da Amazônia, trocar bucha do interior de SP por cabaças de Bahia, trocar areia branca e fina de Natal por pedras mineiras? Em um país que temos Burle Marx como grande paisagista, que tal brincar com as crianças de estudar paisagismo? Fazer uma campanha para plantio de mudas, especialmente de temperos, flores, que possam atrair passarinhos, borboletas e toda uma fauna de interesse infantil?”, questiona ela, que foi curadora da exposição Brinquedos do Brasil: Invenções de muitas mãos, em cartaz no Sesc do Rio de Janeiro no ano de 2018.
Foto Exposição Brinquedos do Brasil: invenções de muitas mãos/SESC Departamento Nacional
Os brinquedos artesanais são claro exemplo do tipo de relação que se deve ter com o objeto com que se brinca. Por isso, ela ressalta a importância da diversidade de brincares. “Uma criança que brinca com mamulengos que representam a bernúncia brinca não só com o objeto que tem em mãos, mas com a história que ele carrega, com os valores culturais que estão nesse brinquedo, tem a oportunidade de conhecer mais sobre a diversidade de costumes de seu próprio país”, conclui, com a certeza do valor desse momento, da grandiosidade de uma boa brincadeira.
(Texto atualizado em 15/8/2022)