Era só uma baleia na banheira. De repente, virou uma baleia e uma tartaruga com dor nas costas. E, assim, um a um outros bichos vão chegando e acabam com o banho relaxante da baleia. Talvez você não conheça o conceito dos contos acumulativos, mas com certeza já ouviu alguma história com essa estrutura narrativa, em que os personagens, um a um, se somam numa ação que se repete. E que as crianças menores adoram. Mas qual o segredo de tanto sucesso?
"Os contos acumulativos fazem muito sucesso exatamente por terem uma estrutura fácil de memorizar. Essa estrutura do texto - com as frases que se repetem e a sequência - oferece a possibilidade de a criança pequena recontar essa história sozinha, mesmo sem saber ler. Ela se sente capaz, potente, apta para retomar a história sozinha”, explica Edi Fonseca, formadora de professores e coordenadora de projetos do Instituto Avisa Lá.
Capas dos livros Baleia na banheira e Carona
Originado na tradição oral, esse gênero é uma narrativa de estrutura simples e divertida, que encanta especialmente os leitores de até 4 ou 5 anos, por ser uma brincadeira de repetição e acumulação com as palavras. É o caso do exemplo utilizado na abertura deste texto. A aglomeração de personagens na hora do banho é o mote do livro Baleia na banheira, de Susanne Straβer, que acaba de ser lançado pela Companhia das Letrinhas e é ótimo, inclusive, para a leitura com bebês. A alemã é autora de outros contos acumulativos, como Bem lá no alto e Muito cansado e bem acordado. Essa estrutura narrativa também aparece em outro divertido lançamento da Letrinhas, o livro Carona, do catarinense Guilherme Karsten.
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Carona tem um pouco mais de texto e algumas inferências engraçadinhas que podem ser mais bem aproveitadas por leitores um tantinho mais velhos. Mas nada impede que também seja lido para os bem novinhos. Os traços marcantes e coloridos de Guilherme Karsten compõem a história de um surfista que parte para a praia, mas vai colecionando caroneiros bem inusitados ao longo do caminho: um ladrão, um mergulhador, um jacaré, uma menina de capa vermelha. Como a banheira da história anterior, o carro fica amontoado de gente, e o desfecho também é bastante divertido.
Ilustração de Susanne Straβer em Baleia na banheira
Estrutura de repetição
“Como a estrutura se repete, as crianças conseguem memorizar, dizer as frases, brincar”, ressalta Edi sobre os contos acumulativos. É o que acontece em O grande rabanete, livro clássico do gênero escrito por Tatiana Belinky (Editora Moderna), com o “puxa-que-puxa e nada de o rabanete sair da terra”, retomado a cada personagem novo que é chamado para tentar arrancar o legume da terra. Essa brincadeira de fazer e dizer de novo é importante como exercício de confiança para a criança, que experimenta ensaios e erros e verifica hipóteses.
É o que apontam os educadores Katia Tavares e Severino Antônio (A poética da infância, Editora Passarinho). De acordo com eles, os “contos rítmicos, que também são chamados de contos de encadear ou acumulativos, são narrativas de repetição e retomada de ações que, recursivamente, vão se acrescentando em ciclos cada vez mais amplos, até o desfecho. As crianças amam essas histórias e nos pedem para contá-las várias vezes em seguida, e sempre como se fosse a primeira vez”.
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Ilustração de Guilherme Karsten em Carona
Rabanete, nabo, beterraba: a origem
Os contos acumulativos têm origem na tradição oral, tanto que há canções populares com essa mesma estrutura, como a conhecida “A velha a fiar”. No Brasil, Câmara Cascudo coletou duas narrativas acumulativas em seu livro Contos tradicionais do Brasil (Global). De acordo com o historiador, esse gênero é comum nas Américas, e os contos brasileiros têm origem portuguesa e espanhola – com posteriores modificações da cultura local.
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Já a história do grande rabanete tem origem em um conto folclórico alemão que narra, de maneira encadeada, como uma beterraba grandona foi tirada da terra (A poética da infância, Editora Passarinho). A própria Tatiana Belinky, que nasceu na Rússia, diz no prefácio de seu livro que conheceu a história por meio do avô.
Ele costumava contar uma história parecida com a do rabanete, porém, nela, o desencadeador da situação que se repete era, na verdade, um nabo. Como quem conta um conto aumenta um ponto, Tatiana substituiu o nabo pelo rabanete por causa da cor: ela achava que o nabo parecia uma cenoura muito pálida e preferia o vermelho do rabanete!
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