Quando foi a primeira vez que você se sentiu empoderado como uma pessoa negra? Quando foi que você acreditou, de verdade que poderia viver seus sonhos?

Esta pergunta foi feita ao ilustrador e designer Dapo Adeola, um britânico descendente de nigerianos, por seu editor. Pensar na resposta fez Dapo perceber que esse momento chegou tarde para ele, apenas quando tinha vinte e tantos anos. Não foi um sonho que ele se permitiu sonhar desde criança. Na verdade, a questão o levou a se perguntar: quais histórias foram e estavam sendo contadas às crianças negras? Ele se reconhecia em alguma delas?

Nenhuma dessas histórias (ou quase nenhuma) tinha pessoas negras nos papéis centrais, muito menos personagens negros empoderados. Essa constatação, somada aos eventos da luta antirracista que se espalhou pelo mundo em 2020, como Black Lives Matter, resultou no livro que chega agora ao Brasil pela Companhia das Letrinhas: Ei, você!: um livro sobre crescer com orgulho de ser negro.

O livro tem exatamente aquilo que Dapo gostaria de ter ouvido quando pequeno, e que outras tantas crianças precisam ouvir. São palavras de incentivo, orgulho, coragem, reconhecimento, força ancestral, liberdade, luta e, sobretudo, amor. É um manual sensível de boas-vindas e de empoderamento, a ser lido inclusive por quem já está crescido, e que mostra também grandes personalidades negras da história. Na versão brasileira, com uma dupla de páginas a mais, a artista Lhaiza Morena foi responsável por desenhar 13 personalidades brasileiras, entre elas Marielle Franco, Elza Soares e Zumbi dos Palmares. 

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Nesta entrevista, Dapo comenta quem lhe deu as boas-vindas nesse processo de descobrir sua própria história. O autor também conta qual foi o primeiro livro infantil com personagens negros a que teve acesso, quais são as personalidades que o fizeram se sentir empoderado e dá detalhes de sua carreira como ilustrador e autor. Confira!

O livro tem tudo aquilo que Dapo Adeola gostaria
de ter escutado quando era criança. Leia +

Você comentou que Ei, você! é um livro que gostaria de ter lido quando era criança. Qual foi a primeira vez em que encontrou um livro infantil que representasse uma pessoa negra? 

O primeiro livro ilustrado em que vi uma criança negra como personagem principal se chamava One Word from Sophia, escrito por Jim Averbeck e ilustrado por Yasmeen Ismail. Só fui conhecer esse livro com trinta e poucos anos, quando estava trabalhando no meu primeiro livro ilustrado. Com certeza houve outros antes desse, mas, entre a minha infância e o início da minha carreira, não consigo pensar em nenhum que tenha tido muita visibilidade.
 

A escritora Chimamanda Ngozi Adichie deu como exemplo de perigo de história única a sua própria experiência com livros infantis: ela achava que a literatura não era “lugar” para crianças que se pareciam com ela, até que conheceu a literatura africana. Você acredita que o mercado editorial tem melhorado no que diz respeito a representar a diversidade?

Ela tem toda razão sobre isso. Ainda que eu acredite que tenha havido algum progresso no mercado em termos de visibilidade para personagens negros e de outras minorias nos livros infantis ilustrados, também acho que há uma clara ausência de progresso nos tipos de histórias que estão sendo contadas sobre esses personagens.

Os clamores recentes por mais diversidade resultaram em um aumento de personagens negros em livros ilustrados, mas a qualidade e a autenticidade dessas histórias ainda são questionáveis. Quando os personagens não estão em histórias que giram em torno de seu cabelo ou de sua pele, sua identidade cultural é apagada ao ponto de parecerem personagens negros superficiais em vez de uma pessoa verossimilhante.  

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Em meio ao grande legado da diáspora negra, você pode citar algumas pessoas que te ajudaram a se sentir empoderado na sua infância e juventude?

Eu praticamente só lia livros sobre mulheres negras nesse período. Pessoas como [a poeta] Maya Angelou e [a escritora e antropóloga] Zora Neale Hurston me inspiraram pela maneira progressista como escolheram viver suas vidas. Isso é ainda mais verdadeiro no caso de Maya Angelou, que viveu uma vida plena à qual eu posso apenas desejar.   

 

Quem são os artistas que influenciaram seu trabalho? Tem algum autor de livro infantil preferido?

Há diversos artistas que me influenciaram ao longo do tempo. Os principais que me vêm à cabeça são Quentin Blake e Ronald Searle, que me fizeram apreciar profundamente caneta tinteiro, nanquim e a arte do traço por meio de seu trabalho. Atualmente, eu me inspirei mais em artistas do livro ilustrado infantil, como Marc Boutavant, Matthew Forsythe, Leo Espinosa e David Roberts, para falar alguns. Também me inspiro no trabalho de vários artistas negros que trabalham com animação, mas essa é outra história.  

 

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Você conhece alguma das personalidades brasileiras ilustradas por Lhaiza Morena na edição da Companhia das Letrinhas? E conhece o trabalho de escritores e ilustradores negros brasileiros?

Eu admito que meu conhecimento sobre personalidades e artistas brasileiros é bastante escasso, mas decidi aprender sobre as pessoas que aparecem na linda página dupla da Lhaiza. E com certeza estou interessado em descobrir mais sobre talentos negros brasileiros e essa parte da diáspora. No Reino Unido nós não aprendemos sobre a diáspora para além dos Estados Unidos e de partes da África, então muitos de nós ficam alheios sobre as comunidades afro-brasileiras e latinas. É realmente uma pena.

Você pode contar um pouco sobre a sua carreira e como descobriu que gostaria de ser ilustrador e autor?

Eu desenho desde os 7 anos, mas de maneira séria e intencional só nos últimos dez anos. Eu sou um ilustrador autodidata, já que aprendi sozinho a fazer o trabalho que hoje faço para viver. Estudei Design Gráfico e Publicidade na universidade, mas não tinha nada a ver com ilustração. Também não fui bem-sucedido academicamente. Eu não era o aluno mais focado, mas isso também aconteceu porque eu não me interessava por aquilo.

Tudo isso mudou quando comecei a escolher o que eu queria aprender. Sou um enorme fã de desenho de personagem, que foi no que decidi focar meu aprendizado a princípio. Essa também foi a minha porta de entrada para o mundo dos livros infantis ilustrados. Com o Ei, você!, eu também me tornei escritor, e a próxima etapa da minha carreira vai envolver um tanto significativo de escrita, além de ilustração e possíveis incursões em desenho de personagem para animação.  

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Os girassóis que aparecem em todas as ilustrações do Ei, você! são algum tipo de referência para os movimentos antirracistas?

Eu gostaria de poder dizer que o simbolismo do girassol foi a razão pela qual eu escolhi essa flor como um padrão recorrente no nosso livro, mas não é. Escolhi porque é a minha flor preferida. Foi só depois de pesquisar um pouco com meu editor que descobri que o girassol carrega um simbolismo muito positivo. É uma flor que representa felicidade, otimismo, honestidade, longevidade, paz, admiração e dedicação. Ela também ultrapassa todas as outras flores em sua capacidade universal de trazer alegria às pessoas. É uma feliz coincidência e um encaixe perfeito para o nosso livro.