Júlia Schwarcz: “Se tem uma palavra que marca a minha vida é livro”

03/10/2022

A história da Companhia das Letrinhas é, em grande parte, a história de Júlia Moritz Schwarcz. Elas se fundem, se confundem e se completam desde que a então menina foi chamada pela mãe, Lilia Moritz Schwarcz, para resenhar e opinar sobre o livro Liga-Desliga, de Camila Franco e Marcelo Pires, com ilustrações de Jarbas Agnelli, publicado em 1992. Júlia tinha 11 anos quando a Letrinhas foi fundada, naquele ano de 1992, e muita familiaridade com os livros e com a produção editorial. Seu pai, Luiz Schwarcz, que fundou com Lilia a Companhia das Letras, costumava levar capas de livros para casa e pedir a opinião da família. Uma vez, ela própria pintou duas capas.

 

A publisher da Companhia das Letrinhas, Júlia Schwarcz

Aos poucos, a diversão virou trabalho – que nunca deixou de ser divertido – e Júlia entrou oficialmente para a Companhia, na época da faculdade. De lá para cá, se passaram mais de 20 anos dos 30 de existência da Letrinhas, muitos livros e originais analisados, muitas traduções e edições realizadas. Hoje, Júlia é publisher dos selos infantis – que inclui Pequena Zahar, Brinque-Book e Escarlate, que se juntaram à família Companhia –, além da Seguinte, Paralela, Fontanar e Companhia de Mesa. Acompanhe um pouco dessa história

 

*Para comemorar os 30 anos da Companhia das Letrinhas (em 2022) e o Mês das Crianças, durante outubro você confere uma série de entrevistas exclusivas com grandes autores e ilustradores brasileiros que fazem parte dessa história, sejam nossos primeiros parceiros, sejam aqueles que ganharam os maiores prêmios de literatura infantil. Acompanhe tudo no Blog da Letrinhas, no site criado especialmente para essa festa e nas nossas redes sociais. 

 

Como é a sensação de comemorar 30 anos de um selo editorial infantojuvenil num país em que a cultura nem sempre é prioridade? 

Júlia Schwarcz - Eu tive a chance de conhecer tanta riqueza através da cultura nesses trinta anos que nunca senti que faltava espaço, sabe. Tanto artista – no sentido amplo da palavra – incrível, tantas histórias, imagens, troca de ideias e de sabedoria... E sempre teve muita gente interessada nessa produção, me sinto bem sortuda por fazer parte dessa comemoração.

Como foi crescer em uma casa em que a literatura era hobby e trabalho da família? Que livros te marcaram enquanto criança? 

Se tem uma palavra que marca a minha vida é livro. Sempre tinha livros em todos os lugares aonde eu ia. Eu lia de tudo e tenho lembrança de tantas leituras que fica até difícil escolher algumas. Mas um personagem que marcou minha infância foi o cachorro Bolinha, que parecia com o meu cachorro (minha mãe comprava vários livros com abas, como o do Bolinha); e um autor que marcou uma outra fase da minha vida foi o Roald Dahl, de quem li todas as aventuras. Li muita Coleção Vagalume, Para Gostar de Ler, O Pequeno Vampiro, João Carlos Marinho, Ruth Rocha, Mary e Eliardo França, e todos os livros lançados pela Letrinhas, claro (risos).   

Desde pequena eu comecei a ajudar na editora, primeiro opinando sobre as capas, que o meu pai trazia de noite, apoiava no móvel da sala e perguntava: “Qual é a melhor?”. Indo a vááááárias livrarias com ele, que ficava perguntando para os vendedores que livros estavam indo bem. Até fazendo capas! Uma vez dois artistas, Marco Mariutti e Clóvis França, pintaram as capas de toda uma tiragem de um romance, e eu pude pintar duas! No lançamento fiquei de olho nas minhas capinhas, para ver se alguém escolhia uma delas. Depois fiz pareceres, e nunca me esqueço da sensação de descobrir que eu não precisava ter copiado todo o texto do livro (à mão) antes de dizer o que tinha achado dele. Também ajudei a minha mãe a traduzir alguns dos primeiros livros da Letrinhas, e fiquei muito orgulhosa de ver o meu nome impresso em um exemplar de verdade.

Capa do livro Liga-desliga, um dos primeiros a serem publicados pela Companhia das Letrinhas, em 1992

Quando a Companhia das Letrinhas foi fundada, em 1992, você ainda era muito nova. O que lembra desse início do selo? E como começou seu trabalho na editora?  

Eu tinha 11 anos quando a minha mãe começou a Letrinhas com a Maria Emília. Ela gostava de ler livros comigo e com meu irmão e, quando ia às feiras de Frankfurt para olhar os livros de não-ficção para a Companhia, ficava cada vez mais de olho nos livros infantis. E trazia vários pra casa. Então vivi bem esse comecinho. Como contei, cheguei até a traduzir uns livros da primeira leva. Mas nessa fase era só “de brincadeira”. Eu comecei a trabalhar na editora mais oficialmente quando entrei na faculdade. Comecei cobrindo as férias de pessoas de departamentos diferentes, depois passei a ir todos os dias por meio período para ler os originais que chegavam pelo correio e os dos autores nacionais que escreviam para a Letrinhas. A Lili lia antes e me passava a cópia dela rabiscada. Assim comecei minha vida de editora. E assim foi indo, e lá se foram uns vinte anos.

Qual você acha que foi sua maior contribuição para o selo Companhia das Letrinhas ou o que seria uma marca do seu trabalho na editora?

O papel do editor é de bastidor, então espero deixar a marca da continuidade desse trabalho feito com muita seriedade e carinho, de um trabalho feito em equipe, sempre no coletivo. Sou só parte desse coletivo. (Júlia Schwarcz, publisher)

A representatividade, a diversidade, o combate ao racismo e às desigualdades de maneira geral costumam pautar as preocupações da Letrinhas. Poderia falar um pouco sobre os valores da editora e o papel que ela tem com a infância?

Essa resposta vai ficar com cara de propaganda (risos), mas essa preocupação com a diversidade faz mesmo parte do DNA da Letrinhas. Acho que a ideia da Lili foi a de abrir o leque o máximo possível, porque cultura é variedade, é feita em muitos traços e pode falar de mundos os mais diferentes. Criança tem sede de conhecimento, para ela tudo pode ser interessante e é importante, sabe. E na infância a gente fala a língua da fantasia, experimenta a vida e conhece as coisas através da imaginação. Ou seja, criança e livro combinam demais. Também é legal que cada livro é um universo totalmente diferente, e todo livro é feito por várias pessoas, a muitas mãos, então já traz um pouquinho de diversidade em certo sentido.

Como você vê a importância da Companhia das Letrinhas para o mercado editorial brasileiro, nesses 30 anos de existência, e para a história do livro infantil no Brasil? 

É difícil elogiar o próprio trabalho, mas sei que todos que fizeram parte da Letrinhas fizeram os livros com todo cuidado e dedicação, com perfeccionismo – é justo dizer! – e curtindo muito o que estava fazendo, porque nada melhor do que literatura infantil, né.

Lilia Moritz Schwarcz, sua mãe e primeira editora do selo, disse em uma entrevista que havia um certo preconceito com livros estrangeiros para crianças no início dos anos 1990 e que, na época, se viu nessa lacuna uma das possíveis vocações da Letrinhas, de trazer livros clássicos estrangeiros (como Peter Rabbit e Babar), com boa tradução e o reconhecido acabamento gráfico. Acha que essa foi uma marca daqueles primeiros anos? Continua sendo uma preocupação? 

A Lili conhecia muita literatura infantil estrangeira pelas visitas à Frankfurt, e sempre acreditou que as histórias viajam sem enfrentar barreiras, então no começo da Letrinhas aproveitou que personagens e livros que ela adorava não tinham sido publicados por aqui para trazê-los. Isso marcou, sim, o começo do selo. E a qualidade sempre foi uma grande preocupação, é até hoje, acho que faz um pouco parte da marca da Companhia (espero!).

Por outro lado, a Letrinhas também convidou autores de livros adultos para escrever para crianças e alguns clássicos foram criados, como os livros de José Paulo Paes. Você acha que o “muro” que separa "o que é de adulto do que é de criança" reduziu nesses 30 anos? 

É verdade, essa é outra característica da Letrinhas, a de trazer os escritores “dos adultos” para virarem criança. Acho que esse espaço foi se reduzindo, sim, e hoje temos até muitos adultos comprando livros infantis. Pra mim, todo livro ilustrado é para pessoas de 0 a 100 anos.

Em três décadas, o que mudou na literatura infantil publicada no Brasil? As histórias mudaram? E as crianças? 

Muita coisa mudou nesses trinta anos, mas criança continua sendo criança e continua amando uma boa história e ilustrações interessantes.

Cada fase tem um tema da moda ou um grande sucesso, mas no final das contas o livro também continua sendo o mesmo, no mesmo formato, oferecendo a mesma emoção. (Júlia Schwarz, publisher)

Que histórias ou curiosidades da Letrinhas te marcaram nesses anos? 

Teve uma festa da Letrinhas que foi engraçada demais – de lembrar, não de viver. A gente tinha publicado os livros dos personagens do Castelo Rá-tim-bum, em parceria com a TV Cultura, e resolvemos fazer uma festa no Museu da Casa Brasileira com os atores do programa. Gente, vieram vários ônibus com fãs enlouquecidos, e nós lá, sem esquema nenhum, fazendo tudo nós mesmos de maneira bem informal, como sempre era, sem equipe de produção nem um departamento de marketing. Foi uma loucura, as pessoas se espremendo no portão que tivemos que fechar, lembro de todo mundo branco, segurando as pontas como dava. Ainda bem que, no final, todo mundo saiu feliz e inteiro.

Como você vê a vinda das editoras-irmãs Pequena Zahar, Brinque-Book e Escarlate para a família Letrinhas?

Eu adoro o catálogo da PZ e o da Brinque, li grande parte com as minhas filhas. E depois tive a sorte de poder adorar também as pessoas que trabalham nesses selos, tão talentosas e queridas, gosto muito mesmo de trabalhar com todas elas. Só alegria.

 

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