Arthur era um menino que, como muitos, sentia um certo medo de dormir sozinho. Um dia, ele encontrou uma amiga que o ajudou a lidar com essa sensação e a se sentir melhor, não apenas nesse momento, mas em vários outros, que costumavam deixá-lo apreensivo. A tal amiga era uma formiga muito corajosa (e minúscula) chamada Quibe. Essa é a história do livro Quibe, a formiga corajosa (Companhia das Letrinhas), na qual o garoto encontra uma estratégia para enfrentar seus temores.
O medo, em si, não é ruim. Ele faz parte da experiência do ser humano e, muitas vezes, nos ajuda a evitar situações potencialmente perigosas. Mas também não precisa ser traumático. Com as crianças, aparece mais frequentemente em algumas fases e é possível ajudá-las nesses momentos. Carinho, colo, segurança e até a leitura de livros podem dar as ferramentas necessárias para que as crianças possam enfrentá-lo.
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Quibe, a formiga corajosa nasceu exatamente de uma dessas estratégias de enfrentamento. Foi Arthur, o filho da escritora e podcaster Camila Fremder, quem inventou a Quibe e sua mãe o ajudou a transformar essa história em uma narrativa literária. Segundo Camila, Quibe surgiu mesmo dos medos reais do pequeno. Agora, a formiga o acompanha na hora de dormir, ao encarar momentos de tédio e até nas visitas ao dentista. E ajuda muito! “Ele ainda tem medo de escuro, então, a gente deixa uma luzinha, mas a Quibe aparece nessas horas, quando ele sente medo de alguma coisa”, conta Camila, em entrevista ao Blog da Letrinhas. “Ele fala: ‘Mãe, você acha que a Quibe escorregaria nesse escorregador?’. É a medida dele. Eu falo: ‘Ah, eu acho que ela escorregaria sim. Ó lá, ela foi!’. E ele vai”, exemplifica a autora.
Uma bela amizade, como a de Arthur e Quibe, é uma boa ferramenta para aprendermos a lidar com o medo, que é um sentimento comum e muito importante também, segundo a pedagoga Maya Eigenmann, que também é educadora parental, palestrante e pós-graduanda em neurociências, autora do livro A raiva não educa. A calma educa. “O medo é um dos sentimentos base da espécie humana e existe para nos proteger de eventuais perigos. Então, é normal que a gente sinta medo. Estranho seria se uma pessoa não tivesse medo de absolutamente nada”, explica. De acordo com ela, é um mecanismo de proteção e um sentimento que está incutido em todas as pessoas. “Faz parte da nossa programação, dos nossos circuitos neurológicos”, aponta.
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Medo do escuro, de monstro, de altura… Existem medos mais frequentes, sobretudo para as crianças? Segundo Maya, isso depende muito porque a variedade é imensa. “Não existem medos mais comuns, mas sim uma vastíssima gama, como medo de som alto, do escuro, entre muitos outros. Existem milhões de medos e cada criança pode ter vários tipos de medo ou até um tipo só”, aponta.
As fases do medo
Ao longo da vida, uma pessoa pode mudar de medos, conforme as fases pelas quais passa. O maior medo do recém-nascido, por exemplo, é o desamparo. “É por isso que ele tanto chora quando está com fome, frio ou qualquer incômodo”, diz Maya. “Ele não tem a certeza ainda, naquele primeiro estágio de vida, que o desconforto que ele está sentindo vai passar porque dentro do útero era sempre tudo quentinho, mesma temperatura, alimentação contínua. Então, de repente, ele nasce e qualquer desconforto gera medo nesse ser humaninho”, explica a educadora parental.
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Ao olhar a situação por esse prisma, é ainda mais importante que os adultos e cuidadores sejam responsivos e atentos à comunicação com o pequeno. Deixar que um bebê chore por um tempo prolongado pode ser ruim porque, para ele, não é óbvio que o desconforto que sente naquele momento pode passar ou ser resolvido. “Ele só vai aprender que o conforto tem uma solução por meio dessa repetição do acolhimento. Aí a criança começa a ter previsibilidade”, exemplifica.
Então, o recém-nascido vai crescendo e os medos mudam. Ele já sabe que será acolhido, mas, mais adiante, entre o sexto e o nono mês, pode ter medo de quando sua mãe se separa dele - fase conhecida como angústia da separação e que pode durar até os 2 anos de idade, quando começa a perceber que ele e a mãe não formam um só indivíduo. Depois, pode ter medo de dormir sozinho. E assim por diante.
Os medos vão se alterando e não se manifestam do nada. Está tudo conectado com a qualidade da relação que os adultos cuidadores têm com a criança, se ela tem essa segurança de ser vista, ser acolhida e ter seus sentimentos acolhidos. Se essas necessidades forem respeitadas, o cérebro dela não vai precisar criar medo de algo desconhecido, como um monstro. Esse medo é simbólico e diz muito de como a criança se vê no mundo. (Maya Eigenmann, pedagoga e educadora parental)
Medo de dormir sozinho
O medo de dormir sozinho pode ter uma origem biológica, já que, se olharmos para os primórdios da espécie humana - e o livro Implacáveis: como nós conquistamos o mundo, de Yuval Noah Harari (Companhia das Letrinhas), pode te ajudar a entender isso! -, é possível compreender que dormir junto com a cria era uma questão de sobrevivência. “É esperado na nossa espécie que as crianças durmam com os pais. Isso é comprovado pela ciência”, lembra a psicopedagoga. “Se o seu filho está com medo de dormir sozinho, isso é um sentimento absolutamente válido e não deveria ser visto como um problema”, explica.
Medo de ir ao dentista ou ao médico
Estar em um consultório médico, de dentista, hospital ou em um laboratório pode causar medo em muitas crianças - e em adultos também! Muitas vezes, a própria família repassa para a criança uma sensação estressante. “A criança vai ter medo se os pais já ficam tensos com a situação. Ela sente no ar que algo não está legal. Essa sensação de estranheza pode ser reforçada pelo jeito que o dentista [ou o médico, enfermeiro, etc] vai cuidar e tratar da criança, se ele não é esclarecido e ignora ou despreza o choro da criança…”, afirma.
O ideal é que os pais tentem manter a calma, explicar antes, o máximo possível, o que vai acontecer ali, de modo que a criança entenda. Não ignore os sentimentos, nem minta para os pequenos. Não adianta dizer que a “injeção não vai doer” ou que “o remédio é gostoso”. Em vez disso, dá para explicar: “Você vai sentir um pouquinho, mas vai ser rápido e estou aqui, segurando a sua mão”.
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Como ajudar a criança a lidar com o medo
E as dicas valem para ajudar as crianças a lidarem com os medos em geral. “O que existe é o compromisso dos pais de se relacionar com a criança a partir de um lugar de muita conexão e de levar a sério os sentimentos dela”, orienta Maya. “O que nós precisamos fazer como adultos cuidadores é jamais desprezar o medo da criança e achar que ela não deveria sentir aquilo. Primeiro, é preciso trabalhar a nossa mentalidade para não julgar os sentimentos das crianças”, ressalta. “A gente faz isso com elas, mas, se o nosso melhor amigo [adulto] diz que tem medo de altura ou de palhaço, por exemplo, vamos respeitar e não forçá-lo a enfrentar isso. Precisamos respeitar o medo da criança”, compara.
Segundo a educadora, não cabe aos pais e cuidadores forçar a criança a enfrentar o medo ou minimizar o sentimento, dizendo que não há motivo para temer, já que isso não funciona. O caminho é bem o contrário: é importante validar o sentimento e mostrar que entendemos que é uma emoção legítima.
Quanto mais segurança a criança sente na base, na relação com seus adultos cuidadores, mais coragem ela vai ter para enfrentar o mundo e seus medos. (Maya Eigenmann, pedagoga e educadora parental)
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Outra coisa que os pais não devem fazer nunca é comparar a criança com outra ou com os irmãos, por exemplo, mostrando que ela está errada ou é pior do que o outro por sentir o que ela sente. É mostrar que entende, que está ali e que vocês estão juntos, até que a criança se sinta pronta, sem forçar a barra.
Mais livros para ajudar a enfrentar o medo
Além de Quibe, a formiga corajosa, outras leituras podem ajudar os pequenos a compreenderem o medo e a lidar com ele. Fizemos uma listinha para ajudar:
1. E foi assim que eu e a escuridão ficamos amigas, de Emicida (Companhia das Letrinhas)
Em seu segundo livro infantil, o rapper Emicida conta a história de uma menina com medo da noite e do escuro. Depois, ela acaba descobrindo o que tem do outro lado… e tudo muda!
2. Vai embora, grande monstro verde!, de Ed Emberley (Brinque-Book)
Um monstro enorme e verde pode ser muito assustador… Mas só enquanto a gente não olha direitinho. No livro, cheio de recortes, o monstro acaba se transformando completamente. De uma forma divertida, página a página a criança vai percebendo como afastar esse monstro de seus pensamentos - e não permitir que ele volte!
3. O livro dos medos, Vários autores (Companhia das Letrinhas)
Falar sobre os medos ajuda a enfrentá-los. E nesse livro tem medo para todos os gostos: medo do escuro, de jacaré, da separação dos pais, medo de avião e muito mais. A única coisa que não muda é que todo mundo tem medo de alguma coisa. Qual é o seu?
4. Gildo, de Silvana Rando (Brinque-Book)
Gildo é um elefante muito corajoso. Ele não tem medo de nada, quer dizer, quase nada. Na realidade, ele tem pavor de balões de aniversário (há até nome para essa fobia: globofobia). Como ele vai resolver essa questão? Ficar sem ir à festa do amigo? Ou encarar o temor? Ele opta pela segunda alternativa, acaba com um balão amarrado ao seu braço e descobre que, às vezes, é só uma questão de se acostumar.
4. Eric faz tibum, de Emily Mackenzie (Brinque-Book)
O urso Eric tem muitos medos: dos barulhos que ouve à noite, da possibilidade de uma aranha se esconder no seu sapato, de encarar coisas novas, da piscina... Mas ele encontra na amizade com Flora o acolhimento e o incentivo para experimentar e enfrentar seus temores. Flora sempre inventa uma estratégia para lidar com os medos, como quando sugere ao amigo que finjam ser corujas para combater o medo do escuro. Acolhimento, amizade e imaginação fazem a diferença nesta história e na vida.
6. O muro no meio do livro, de Jon Agee (Pequena Zahar)
O cavaleiro está confiante de que, do lado de cá do muro, ele está seguro e que, do lado de lá, coisas horríveis acontecem. Mas nem tudo é o que parece. Enquanto o leitor acompanha o ambiente do cavaleiro ficar cada vez mais perigoso, percebe, do outro lado, que ogros, tigres, rinocerontes não são assim tão assustadores. E que até podem ser bem divertidos, neste livro premiado que convida a olhar para nossos medos de outra forma.
7. Este é o Lobo, de Alexandre Rampazo (Pequena Zahar)
Ele é sempre o terrível da história. Mas será mesmo que o Lobo é assim tão mau? Neste livro, o Lobo é mostrado cada vez com mais distanciamento, e personagens dos contos clássicos vão desaparecendo. O que parecia mais uma história de terror, na verdade, é uma história sobre como tudo que parece nem sempre é. O Lobo, aqui, é um personagem solitário, que só quer fazer amigos. Que tal dar essa perspectiva às crianças?
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