Au-au, tibum, cof-cof, atchim, ronc. Em suas leituras, você já deve ter se deparado com uma onomatopeia. Um nome curioso dado à figura de linguagem que transforma em palavras os sons por meio de fonemas. O latido de um cachorro, o barulho de alguém pulando na piscina, o pipocar de um espirro ou o roncar de uma barriga faminta são só alguns exemplos.
Tsá-tsi fazem os micos puxando papo em Crá-crá de tucano
As onomatopeias são usadas como um importante recurso estilístico e podem ser encontradas em vários gêneros textuais - em especial nos quadrinhos e na poesia. No caso dos quadrinhos, costumam retratar ações em conjunto com as imagens, com o próprio texto que designa o som ilustrado. Já na poesia, geralmente são utilizadas para marcar o ritmo, como no poema O relógio, de Vinícius de Moraes, em que o tic-tac define o compasso dos versos.
Passa tempo, tic-tac
Tic-tac, passa, hora
Chega logo, tic-tac
Tic-tac, e vai-te embora
Vinícius de Moraes
Em Crá-crá de tucano (Brinque-Book, 2023), de Roberta Asse, são os sons dos animais que contam a história. Os filhotes vão chegando e chamando os adultos para bater papo - cada espécie com sua sinfonia. Já em Baleia na Banheira (Companhia das Letrinhas, 2020), de Susanne Strasser, os sons dos bichos mergulhando na banheira - que fica cada vez mais apertada - é que ajudam a criar marcar a estrutura da narrativa.
Se, nos textos, as onomatopeias são recursos estilísticos interessantes, para bebês e crianças são também uma oportunidade de aprendizagem. Além de trazerem mais graça às histórias, atraindo atenção e ajudando a despertar o interesse para a leitura, os livros com onomatopeias podem ainda contribuir com o desenvolvimento da linguagem.
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Sons que nos aproximam da natureza
Splish splésh faz a tartaruga ao mergulhar em Baleia na banheira
As crianças naturalmente se interessam por sons - já que a audição é um sentido consolidado logo no nascimento, diferente da visão, que demora meses para revelar o que os olhos captam com nitidez. Bebês se acalmam com sons parecidos com o que eles ouviam na vida intrauterina. Os chamados ruídos brancos, sons neutros e contínuos como o barulho de um secador de cabelo ou de uma televisão não sintonizada, trazem conforto aos pequeninos por despertarem memórias da temporada na barriga.
No mundo exterior, é a partir dos seis meses que os bebês começam a balbuciar e ensaiar suas primeiras palavras - mamã, papá… E muitas tentativas de reproduzir os sons de animais costumam surgir neste momento. Segundo um artigo assinado por pesquisadoras da Universidade de Western, da Califórnia (EUA) e publicado pelo The Conversation, isso acontece porque “os sons dos animais são simples, repetitivos e às vezes são uma parte comum dos ambientes infantis”.
Bebês têm muitos neurônios-espelho, que são ativados quando a criança observa uma ação e tem o impulso de reproduzi-la - por isso algumas pesquisas os associam à origem do desenvolvimento da linguagem. É por causa dos neurônios-espelho que bebês têm uma tendência de imitar: sons, gestos, movimentos. E as onomatopeias oferecem repetições mais descomplicadas: falar “béee” é muito mais fácil do que pronunciar “ovelha”. Assim como “au-au’ é bem mais simples que “cachorro” - e por aí vai.
Embora alguns especialistas sejam contra chamar “vaca” de mumu ou “cachorro” de au-au, para estimular o uso correto das denominações, essa recomendação não é regra. “Eu discordo grandemente. Acho muito importante facilitar e recomendo, sim, estimular o uso de onomatopeias. Elas são mais fáceis de serem pronunciadas e acabam se tornando um degrau mais fácil de galgar antes do alvo final”, explica Juliana. Para ela, o uso de onomatopeias dá maior poder de comunicação para os bebês, fazendo com que eles se sintam mais confiantes para seguirem se esforçando no planejamento motor de cadeias de fonemas cada vez mais complexos. “Uma outra recomendação que dou é de encontrar apelidos mais fáceis para as próprias crianças serem capazes de se referirem a si mesmas cedo na vida. Existem nomes com encontros consonantais ou fonemas difíceis de serem pronunciados como Clara, Francisco”, explica a fonoaudióloga Juliana Trentini, do perfil @fala.fono.
Além disso, as onomatopeias aparecem como um recurso mais óbvio e acessível de associação, fazendo parte do vocabulário que está se desenvolvendo. ”Não tem nada na palavra ‘gato’ que te leve a pensar em um felino além do fato de que houve uma associação construída - no lugar de ‘gato’ poderíamos ter convencionado qualquer outra palavra. Já na onomatopéia existe esta aproximação”, explica Ou seja, para um bebê, é mais fácil identificar o gato pelo som que ele faz, miau, do que pela palavra gato em si.
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Mas e quando o som enrosca?
A expectativa é que um bebê de 18 meses tenha um vocabulário que some entre 30 e 50 palavras - e as onomatopeias podem entrar nessa conta. “Nessa idade as palavras podem ser imprecisas, resumidas a uma sílaba ou até palavras inventadas pelo bebê (jargões). O que foge disso merece atenção, ainda mais quando a dificuldade persiste mesmo a criança sendo estimulada”, explica a fonoaudióloga.
Vale lembrar que entre 12 e 24 meses, os bebês têm um ganho exponencial no vocabulário - ao fim do segundo ano, é esperado que pronunciem cerca de 200 palavras. Entre 24 e 36 meses, eles têm um ganho exponencial em inteligibilidade de fala, ou seja, apresentam maior clareza na pronúncia dos fonemas. Buscar uma ajuda nesse período tão crucial para o desenvolvimento da linguagem, quando se percebe que algo não vai bem, é importante para não criar uma bola de neve.
Ilustração do livro Muito cansado e bem acordado, de Susanne Strasser
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Como é possível inserir as onomatopeias no dia a dia?
Agora que você já sabe como as onomatopeias podem apoiar o desenvolvimento da linguagem, que tal pensar em formas de apresentá-las aos pequenos?
Em se tratando de sons de animais, uma ideia é colocar as crianças em contato com a fonte: caminhadas pela natureza, passeios ao zoológico, proporcionar oportunidades de observar e ouvir os animais in loco.
Mas também é possível introduzir os sons sem sair de casa: com cantigas e, claro, histórias! As onomatopeias podem ajudar a atrair a atenção dos bebês para os livros e tornar a leitura bastante participativa - imitando os sons dos animais e convidando as crianças a fazerem o mesmo, por exemplo. Os livros oferecem ainda a oportunidade de interação entre as onomatopeias e as ilustrações, permitindo que a criança associe o som à imagem daquilo que ele representa, sendo ferramentas no aprimoramento da comunicação e das capacidades linguísticas.
Pensando nisso, fizemos uma seleção de títulos que trabalham as onomatopeias de forma lúdica e que são ótimas opções para ler com os pequenos. Confira:
Crá-crá de tucano (Brinque-Book, 2023), de Roberta Asse
O dia acabou de começar, e os filhotes de diferentes bichos tipicamente brasileiros vêm chegando, chamando os adultos para papear. Conversa vai, conversa vem, o tempo passa, o sol se põe, e logo logo é a hora de dormir…Com texto inteiramente composto por onomatopeias, Roberta Asse, inspirada em atividades de musicalização infantil e brincadeiras orais, traz da terra, da água e do céu uma turma bem barulhenta para brincar com os pequenos e grandes leitores.
Muito cansado e bem acordado (Companhia das Letrinhas, 2017), de Susanne Strasser
O porco-espinho, a raposa, o burrico, o pelicano e o jacaré estão todos dormindo, muito cansados... Mas a foca está bem acordada. E ela não quer saber de ficar na cama! E agora? O que os outros dorminhocos vão fazer? Para leitores bem pequenos, embala a hora de dormir com onomatopeias e repetições.
Baleia na banheira (Companhia das Letrinhas, 2020), de Susanne Strasser
Uma baleia está na banheira, tomando tranquilamente seu banho... Até que uma tartaruga aparece com dor nas costas e pede para entrar na banheira também. A baleia não se importa, mas outros animais vão aparecendo e querendo um espacinho ali também… Outro livro de Susanne Strasser com ilustrações cheias de graça para leitores bem pequenos -- gostem eles de banho ou não.
O casamento do passarinho (Companhia das Letrinhas, 2020), de Hendrik Jonas
Passarinhos cantam para atrair seus pares... mas e quando um passarinho esquece como cantar? Bom, ele resolver se arriscar imitando outros sons por aí, em uma jornada divertida e supreendente.
E uma última curiosidade sobre as onomatopeias…
Um fato muito interessante sobre as onomatopeias é que, embora os sons sejam os mesmo em qualquer lugar do planeta, eles não são transcritos - e percebidos - de mesma forma. Enquanto no Brasil os patos fazem “quá quá” e as vacas fazem “mu”, na Inglaterra eles fazem “quack quack” e “moo”, respectivamente. Mas você sabe por que isso acontece?
As diferenças de som e grafia estão relacionadas com as variações linguísticas e culturais de cada país. Em uma matéria publicada pelo jornal The Guardian, Derek Abbott, professor da Universidade de Adelaide, cita como exemplo o são feito pelos cachorros. “Em inglês, temos mais palavras sonoras para cães (woof, yap, bow wow, ruff, growl) do que em qualquer outra língua, já que os países de língua inglesa tendem a ter a maior posse de cães per capita”. Ainda assim, é curioso pensar wm um cão faznedo Wooof!
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