A parceria literária entre Leo Cunha e Tino Freitas já se estica por anos e acaba de colocar mais um livro no mundo. Puxa! Puxa! (Brinque-Book, 2024) é uma grande brincadeira que se desdobra (literalmente) em um livro sanfonado de quase três metros de comprimento. A cada virada de página, mais personagens vão se juntando de cada lado do cabo de guerra, apresentados por versos cheios de musicalidade. Chapeuzinho Vermelho, Pinóquio, Capitão Gancho são só alguns dos competidores que aparecem para brincar.
Rapunzel é uma das personagens que se juntam ao cabo de guerra em Puxa! Puxa! (Brinque-Book, 2024)
A inspiração para Puxa! Puxa! veio de um sonho de Leo. “Acordei com a ideia de um livro que ia se desdobrando e virando um cabo de guerra. Fiz um bonequinho, filmei e mostrei para o Tino, que é mestre nesse pensar da manualidade do livro”, conta. Tino achou que a ideia era realmente boa, mas propôs um ajuste nas páginas considerando as dobras, formando um livro sanfonado em que os personagens se distribuem entre dois times.
Mais tarde, um terceiro elemento se uniu à dupla: o ilustrador Weberson Santiago. “A ideia inicial foi retratar personagens universais, que seriam facilmente reconhecidos em qualquer lugar. Mas uma ideia foi puxando a outra e achamos mais legal que fossem crianças brincando, fantasiadas como os personagens em uma festa à fantasia”, conta Leo. Weberson, que já tinha trabalhado com Leo, também foi espalhando pelas páginas pistas de quem seria o próximo personagem a se juntar a cada time. Uma torre prenuncia a vinda de Rapunzel. Uma bailarina com um barco de papel só pode significar que o Soldadinho de Chumbo será o próximo a entrar… sinais sutis que acabam dando mais graça à experiência do leitor.
Puxa! Puxa! é um livro que foi crescendo e ganhando mais camadas ao longo do processo. "Queríamos amplificar o livro o máximo possível, dando mais opções às crianças e ao mediador. É um livro de adivinha, sanfonado, com uma proposta brincante, que faz referência a uma outra brincadeira que é se fantasiar, já que as crianças estão vestidas como os personagens. A gente esticou tanto, que mais um pouco não ia caber na gráfica!", brinca Tino.
Capa de Puxa! Puxa! (Brinque-Book, 2024), de Leo Cunha e Tino Freitas
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Unidos pela literatura e abençoados por Sylvia Orthof
A parceria entre Tino e Leo não se limita às obras assinadas em conjunto. Funciona mais como um canal constante de trocas de ideias. O que os conecta é a curiosidade, o humor e a musicalidade. “O Leo é muito bom nas métricas, ele tem uma percepção do ritmo das palavras que é muito singular. Os poemas dele viram música. Isso fez com que eu me aproximasse dele de forma muito natural enquanto eu era apenas leitor”, conta Tino, que chegou à literatura por meio da mediação. Em meados dos anos 2000, os dois se encontraram em um evento literário - Tino estava usando uma camiseta com uma citação de um dos livros de Leo - e trocaram contatos. A partir de então, começaram a conversar e não pararam mais. Antes de fazerem livros juntos, eles fizeram música. Mas nem um dos dois sabe dizer quem sugeriu primeiro que a parceria se formasse.
Os dois também têm uma musa literária em comum: a escritora brasileira Sylvia Orthof (1932-1997), conhecida por seu humor particular e pela capacidade de extrair poesia das coisas simples. “Nutrimos um amor em comum pela Sylvia Orthof, somos os dois do texto bem humorado", diz Tino. Para ele, a parceira dá certo não porque um encontre no outro o que lhe falta, mas porque há uma vontade genuína de ouvir o que o outro tem a dizer. "A gente se respeita e se admira muito. Tem algo que é muito difícil na literatura infantil que é uma percepção de que junto a gente faz melhor - e isso eu aprendi com o Leo", reflete.
Tino Freitas e Leo Cunha no Festival Literário Internacional de Araxá
O Blog Letrinhas convidou os autores para uma entrevista que é quase um cabo de guerra: um puxou uma pergunta, o outro respondeu e puxou outra... O resultado uniu humor e rima. Confira:
Puxa-puxa entre Leo Cunha e Tino Freitas
Tino: Quando você era criança, qual era a sua alcunha?
Leo: O meu nome já é uma alcunha. Se me chamam de Leonardo, nem lembro que sou eu. Uma vez quase perdi um voo, porque me chamaram Leonardo e eu não respondia. Estava indo de Guarulhos (SP) para Passo Fundo (RS). Quando eu olhei, estava todo mundo embarcado, nem aparecia mais “Passo Fundo” na telinha do aeroporto… Tinham chamado “Leonardo” várias vezes, eu é que não fui… Só atendo pela alcunha mesmo. Mas e você, Tino, entre os escritores brasileiros de literatura infantil, quem você mais PUXA?
Tino: Mesmo que eu não puxe, queria puxar a Sylvia (Orthof). Eu puxo de um lado e você do outro - e ela fica lá fora da curva! Acho que o humor da Sylvia nós dois puxamos - e nos lambuzamos! Oh, Leo, num cabo de guerra ganha quem tem mais força ou mais inteligência?
Leo: O ideal é estar no time mais forte e inteligente. A inteligência sozinha não resolve, mas se o time tiver uma inteligência coletiva, acho que resolve. Tino, você gosta de usar roupas coloridas e inusitadas. Você já se fantasiou de algum dos personagens do nosso livro?
Tino: Do livro, não. Mas tenho uma foto fantasiado de João, o do pé de feijão, agarrado na galinha dos ovos de ouro - que, claro, não eram mesmo de ouro... É um personagem que poderia estar na nossa história, mas não está. Puxando bem pela memória, Leo, qual a personagem dos contos de fadas que você convidaria para seu time no cabo de guerra? E por quê?
Leo: O patinho feio. É um personagem que está sempre sozinho. Colocar ele em um time seria bacana… Ia ser bom para ele fazer parte do jogo.
Tino: Acho que eu vou copiar essa sua resposta em toda entrevista a partir de agora!
Leo: E você, se você fosse entrar no lugar de um personagem do livro, qual seria?
Tino: Entraria no lugar do soldadinho de chumbo, para ver se ele tirava uma folga para namorar com a bailarina, que estava ali todo tempo parada. Leo, dizem que se desdobrar todinho o nosso livro, ele mede uns três metros de comprimento. Você acha que um livro assim dá mais o que falar? Ou é melhor escrever histórias que caibam num celular?
Leo: Pelo que a gente já viu nesse primeiro mês de leitura do livro com as crianças, eu acho que um livro que não caiba no celular é sempre mais legal. Um livro que é do papel, da dobra, dessa natureza do impresso é sempre mais legal! Qual brincadeira você prefere, Tino: cabo-de-guerra ou pular corda?
Tino: De acordo com a minha compleição física, eu gosto muito é de jogar dama. E quando você era criança, Leo, preferia puxar a corda, pular a corda, enrolar a corda, cortar a corda, escrever ACORDA ou não se recorda?
Leo: Ah, pergunta difícil... já sei: não me recordo! Tino, acrescentei um novo personagem ao jogo. Adivinhe quem é com essa quadrinha:
Lá do sítio vem agora
uma menina atrevida.
Vai animar nosso time,
e disso ninguém duvida!
Tino: Para responder a essa sua adivinha intrigante,
eu preciso primeiro tomar a pílula falante!
Eu acho que é aquela boneca que nem tem pilha,
mas deixa todo mundo danado... a Emília!
(Texto: Naíma Saleh)
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