
"É benção e maldição": a fórmula do sucesso de Susanne Strasser
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O mágico entra no palco, cumprimenta o público, tira a cartola da cabeça, apoia-a em um aparador e então lemos “1” e, ops, um coelhinho sai da cartola! Viramos mais uma página e “2”, mais um coelhinho pula de dentro do objeto, e, depois, “3” e, então “4”, e “5” – uau, esse mágico está abafando! – e então, “6”, mas, espera... seis coelhinhos pulando na cabeça talvez já não seja mais tão tranquilo e... ai, não, agora são “7”! E segue esse apuro até o número 10! Não à-toa, o menino-mágico trata de colocá-los todos de volta! Mas Dez Coelhinhos (Companhia das Letrinhas, 2025), lançado 12 anos após a morte do autor, é muito mais do que um livro de contar (e de “descontar”, nesse caso). E os bons “livros de contar” ou “numerários” têm sempre algo especial! Veja por que.
O menino-mágico tira o primeiro coelho da cartola. Mas não para por aí... Ilustração de Dez Coelhinhos (Companhia das Letrinhas, 2025)
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O estadunidense Maurice Sendak é um dos mais importantes autores da literatura infantil mundial. Sucessos como Onde Vivem os Monstros e dezenas de outros – a Companhia das Letrinhas já lançou também A Cozinha Noturna (Companhia das Letrinhas, 2023) e Lá Fora, Logo Ali (Companhia das Letrinhas, 2023) – nos fizeram compreender um gênero narrativo que chegou ao Brasil como conceito mais fortemente nos anos 2000, o chamado “picture book”, ou “livro ilustrado”. Nele, não basta o que está escrito com as palavras, tem que também ver com a atenção a imagem, o formato, como tudo está disposto nas páginas para realmente “ler” a história. Assim, se estamos vendo o crescente 1 a 10 e o decrescente 10 a 1, tem algo além ali a mais para olharmos: é aí que entra o literário.
Também discussão tardia no Brasil, os livros de “ABC” ou “com números”, comumente voltados para os pequenos, é um balaio cheio de possibilidades para a fase da educação infantil – tanto na escola, quanto em casa. A pedagoga Marina Pedrosa Poladian, mestre em psicologia da educação pela PUC-SP e coordenadora pedagógica dos anos iniciais no Colégio Augusto Laranja (SP), diz que a primeira coisa a se reforçar é a vantagem de ser um livro literário dentro do dia a dia de aprendizagem na escola e que, um livro de literatura não deve obrigatoriamente ensinar algo. A discussão vai além. “Uma vez sendo um livro que traz conteúdos que são da vida real, o professor pode utilizá-los como estratégias com tudo aquilo que a literatura em si carrega, que é do simbólico, da linguagem, da construção das linguagens, a escrita e a pictórica. Aproveitar a completude, vamos dizer, dessas duas linguagens, que é o livro ilustrado”, explica. E sem medo de um uso “atrapalhar” o outro. “O professor pode usar um livro bacana como esse para mostrar para os alunos as funções dos números, que são utilizados na vida real, como podemos ordenar, organizar e nomear objetos a partir dessa contagem oral de 1 a 10, por exemplo.”
E, a gente sabe, livros assim a gente jamais esquece. “Quando a gente mostra um universo rico em torno dos números, o livro se torna muito mais que um livro de contar”, diz Carolina Moreyra, autora de livros ilustrados, pesquisadora e professora de cursos de criação para autores. “É um livro informativo, mas também um livro literário, pois joga com a percepção de mundo do leitor”, completa. Sendak nesta obra conta uma história e puxa sua característica particular como autor: o “estar” criança. “O personagem perder o controle de algo e retomá-lo, isso é muito Sendak”, analisa Carolina. “Esta batalha da criança com o mundo à sua volta, os desafios, as superações, é muito uma questão dele.”
Tchã-ran! Já são cinco coelhos fora da cartola em Dez Coelhinhos (Companhia das Letrinhas, 2025)
Faz parte também do livro ilustrado – embora use palavras e imagens – ler o que não está ali. “O tipo de livro em que o leitor assume a leitura, está carregado de subjetividade, tem os não ditos. Quando um professor pega um livro que traz um conteúdo que tem um conteúdo também escolar - e apresenta numa situação real, de vida real, simbólica, que alia o simbólico e o subjetivo, a criança leitora consegue perceber que além de acrescentar coelhos, cada vez que eu falo um número mais alto, na ordem da contagem, tem uma reação do mágico, tem um coelho que faz uma coisa diferente. Então a criança constrói um milhão de outros sentidos aliados ao conteúdo matemático, ao conteúdo da contagem estritamente”, acrescenta Marina. Para a pedagoga, são estratégias e ela cita outros exemplos, como o Uma Raposa – Um Livro de Contar (e de Suspense) (Companhia das Letrinhas, 2022), de Kate Read, e os imperdíveis de Susanne Strasser, como o Baleia na Banheira (Companhia das Letrinhas, 2020). “Trazem a ideia da adição, da acumulação. Um livro com teor acumulativo e que traz a ideia do conceito matemático e da inclusão, tudo isso de uma maneira concreta. A partir disso, a gente vai construindo esse pensamento matemático.”. O Uma Raposa acrescenta certa tensão que faz parte do narrativo, unindo o bom do contar e o bom do narrar. “É como se visse dois objetivos em paralelo, ou os dois têm o mesmo objetivo, pensando do ponto de vista da construção do pensamento matemático: eu tenho um e eu tenho o dois. Só que o “dois” não é uma segunda coisa. Melhor dizendo: quando eu digo “o lápis e a caneta”, a caneta não é o “dois”. O “dois” é a caneta e o lápis, é a inclusão de algo. Isso está muito perceptível nesse livro do Sendak, muito mais do que a récita de um a dez, que é decorada, mas quando um coelho aparece, e mais um aparece, e outro coelho aparece, eu vou acumulando objetos e vou inserindo, e a mesma coisa acontece no contrário, quando eu vou diminuindo. Como o texto de tradição oral que chamamos “tangalomango”. Não só a ideia da adição, mas também da subtração. Tudo isso é super possível de ser feito pelo professor, sempre com o cuidado da não didatização da literatura.”
Opa! Com oito coelhinhos, o mágico já não está tão tranquilo em Dez Coelhinhos (Companhia das Letrinhas, 2025)
E se contarmos agora que Dez Coelhinhos nem livro era? Foi um lançamento nos Estados Unidos também, em 2024. Originalmente foi um panfleto feito por Sendak para arrecadar fundos para o Rosenbach Museum, sediado na Filadélfia, nos anos 1970. Segundo reportagem da NBC, o autor foi curador e presidente de honra do espaço em 1973, onde chegou a deixar originais de seus clássicos. O trabalho foi devolvido ao espólio de Sendak em 2014. “Ele foi um folheto, só que tem essa narrativa incrível, com o humor ‘sendakiano’. Um livro que tem pouquíssimo texto mas que tem um tom de humor que sintetiza toda a graça, que a gente vê especialmente na narrativa visual”, conta a editora Gabriela Tonelli que também assina a tradução. “Tive muito cuidado em preservar o gostinho bom texto original. E tudo se tornou muito interessante porque foi o processo de edição para o Brasil de um livro em que o autor não viu pronto em vida. Ao mesmo tempo em que era uma obra que já existia: existia não para um livro e sim para um outro formato de impresso mas que, por si só, já tinha estas características. Um trabalho muito bom mesmo da Fundação Sendak de transformar em livro.”
E aí, prontos para contar?
(Texto: Cristiane Rogerio)
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