'Implacáveis - como os inimigos se tornam amigos' faz refletir sobre aquilo que nos faz superar diferenças

13/11/2025

Injustiça. Desigualdade. Exploração.  

Disputas por comida. Por território. Por poder.


O que nos trouxe até aqui? 

Quais são os grandes temas que ilustram e movem a jornada humana na Terra? 

E como aproximar essas grandes questões dos jovens, ajudando-os a compreender o mundo que conhecemos hoje como reflexo  de escolhas feitas no passado?


Podemos dizer que essa é a motivação da série Implacáveis, de Yuval Harari, o mesmo autor de Sapiens - Uma breve história da humanidade (Companhia das Letras, 2021), que chega ao seu terceiro volume publicado no Brasil: Implacáveis - como os inimigos se tornam amigos (Companhia das Letrinhas, 2025), com ilustrações de Ricard Zaplana Ruiz e tradução Laura Teixeira Motta. Nesta nova leitura - ou seria, nesta nova aula? - Harari revisita nossos antepassados, desenhando o panorama do mundo há 5 mil anos, quando sequer todos os continentes faziam parte do mapa-mundi. Ainda não havia países, mas reinos e cidades já eram grandes o suficiente para que pessoas se reconhecessem como pertencentes a um determinado povo. E eram as histórias e crenças comuns que costuravam esse tecido social. 

 

Implacaveis- volume 3

Implacáveis - como os inimigos se tornam amigos (Companhia das Letrinhas, 2025)

 

A grande questão é: como escolhemos agir frente aqueles que pensam diferente? Que creem em outros deuses? Que não conhecem nossas histórias, nossa comida, nossa língua? O que sentimos quando cruzamos fronteiras e somos confrontados com aquilo que não nos é nada familiar?


As pessoas têm medo do que é diferente. Temem estrangeiros, lugares desconhecidos, comidas e ideias diferentes. Alguns até pensam: ‘Se atravessarmos as fronteiras do nosso país, estrangeiros podem nos matar’. Mas também sentimos atração por lugares distantes. Afinal, o que já conhecemos pode ficar chato, mas o desconhecido é empolgante! Além do horizonte talvez existam muitas coisas incríveis. Quem sabe você não descobre tesouros e maravilhas, prova comidas deliciosas, faz novos amigos? Talvez até encontre alguém que conhece o segredo da vida! É por isso que, apesar dos nossos medos, sempre existiu gente com vontade de sair de casa, atravessar fronteiras e viajar para longe.” Implacáveis - como os inimigos se tornam amigos (Companhia das Letrinhas, 2025)


O diferente pode exercer fascínio e temor na mesma proporção. E em um mundo assolado por conflitos e guerras, nunca foi tão necessário pensar em como lidamos com aquilo que vemos como estrangeiro. Neste terceiro volume da série, é uma viagem rumo a Cartago, uma cidade construída no norte da África há cerca de 2800 anos, na costa do mar Mediterrâneo, que talvez tenha sido outrora a maior e mais rica cidade do mundo, e hoje estaria na região a que chamamos de Tunísia, que faz brotar todas essas reflexões sobre o conflito e a convivência com as diferenças. A jornada começa a bordo do navio Teseu, que reúne uma grande diversidade de marinheiros - gregos de diferentes cidades, romanos, judeus - deixando claro que apenas compartilhar um idioma não basta para criar um país. É preciso mais para que as pessoas se reconheçam como iguais, para que partilhem algo que verdadeiramente seja capaz de uni-las. E esse algo é: o consumo. Neste terceiro livro, entendemos que foi o impulso do comércio, fazendo mercadorias e pessoas circularem mercados mundo afora, que tornou o diferente interessante. E a invenção do dinheiro - e o desejo pelo lucro - que deram uma forcinha para que as diferenças se tornassem não tão incômodas assim…


É o dinheiro que possibilita que um grande número de estrangeiros que nunca se viram antes se entendam, cooperem uns com os outros e concordem sobre o valor de cada coisa.” Implacáveis - como os inimigos se tornam amigos (Companhia das Letrinhas, 2025)
 

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Para falar com os jovens, uma linguagem envolvente e criativa

Implacaveis volume 3 - ilustras

A grande questão de  Implacáveis - como os inimigos se tornam amigos (Companhia das Letrinhas, 2025) é: como é possível superar nossas diferenças e conviver?


Seguindo o modelo narrativo da série, neste terceiro volume permanecem as curiosidades que ajudam a tornar ainda mais instigante essa volta ao passado e a linguagem fluida, com diálogos ficcionais bem construídos, que ajudam a entender questões complexas. Para Bel Ito, influenciadora digital apaixonada por livros, a linguagem fez toda a diferença quando ela foi apresentada por seu pai à série Implacáveis quando tinha apenas 11 anos - hoje ela tem 13. Ele era leitor do livros adultos de Harari e, em uma edição d’A Feira do Livro, que acontece em São Paulo, capital, presenteou a filha com o primeiro volume da série: Implacáveis: como nós conquistamos o mundo (Companhia das Letrinhas, 2022). “Foi um dos primeiros de não-ficção que eu li. A narrativa é muito envolvente, é diferente do que você aprende de História na escola. É um livro com muita informação, mas não pesa. Uma coisa vai puxando a outra, fica tudo muito amarradinho”, comenta. 


Ela se lembra de que, na época em que leu o segundo livro Implacáveis - por que o mundo não é justo (Companhia das Letrinhas, 2024), conseguiu relacionar conteúdos que havia visto na escola anos antes. “Gosto das conversas inventadas, mas baseadas em fatos que aconteceram. Eu lembro de quando o livro contava da transição de caçadores-coletores para agricultores e o autor conseguiu elaborar uma conversa entre dois personagens para apontar as diferenças entre eles”.

 

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Como aproximar novos leitores de grandes e complexos temas?


O primeiro livro da série, Implacáveis: como nós conquistamos o mundo (Companhia das Letrinhas, 2022), quer responder a uma pergunta: por que, entre tantas espécies do planeta, foram os humanos que conquistaram o mundo? O livro retorna à época do aparecimento dos nossos primeiros antepassados, narrando as conquistas que nos fizeram chegar até aqui: desde a descoberta do fogo até todas as habilidades que fomos precisando desenvolver para sobreviver. Já o segundo livro,  Implacáveis - por que o mundo não é justo (Companhia das Letrinhas, 2024) retrata como há 10 mil anos, a revolução agrícola, com o advento da agricultura e da domesticação de animais, traçou as bases para o mundo tão desigual que conhecemos hoje, com latifúndios, exploração de trabalho, disputa por recursos, guerras e crise climática. 

À primeira vista, falar para pré-adolescentes sobre neandertais, revolução agrícola e comércio pode até parecer complexo demais ou até enfadonho. Mas não é. Para a educadora Carolina Delboni, os jovens têm interesse, sim, em compreender o mundo e as grandes questões que definem o presente e moldam o futuro. “Os pré-adolescentes e adolescentes estão super abertos para  grandes temas e as escolas de maneira geral tem tentado trazê-los para a sala de aula”. 

Para ela, quando os pais dessa geração que está na escola hoje ainda tinham a mesma idade que os filhos têm hoje, havia uma certa proteção. Nem tudo era contado para as crianças e jovens. Nem todos os assuntos eram conversados à mesa. Mas, atualmente, os jovens têm um acesso amplo a conteúdos diversos - e não só pelo celular - inclusive, sendo expostos a muita violência e desinformação. Por isso, trazer questões difíceis, mas que fazem parte do mundo em que vivemos e que nos ajudam a entendê-lo é tão importante. “Por um lado, vejo pré-adolescentes com uma descrença total no mundo - muitos não acreditam no futuro, não planejam mais, não querem ter filhos, não têm plano de carreira. Falam de um jeito muito concreto que tudo está perdido”, conta. Mas, também há um movimento contrário. “Vejo jovens que já vivem no presente, por exemplo, as consequências das mudanças climáticas, o que tira deles uma série de garantia de direitos - como educação e moradia. Sim, há uma descrença de futuro, mas ao mesmo tempo há uma luta muito grande pela garantia do futuro. Há movimentos na escola, nas redes sociais, de jovens tentando melhorar algo no entorno deles ou do planeta. E as escolas têm abraçado esse interesse, entendendo que os adolescentes precisam falar sobre tudo isso”, explica. 

E nesse cenário, a literatura se torna ainda mais importante, porque é capaz de despertar empatia e conexão. “Certamente os alunos se engajaram muito mais, se reconhecem e reconhecem as questões do mundo. É impossível se reconhecer em um livro didático”, comenta Carolina. Mais do que isso, a literatura abre a possibilidade de solução. “A literatura não fala apenas do problema, mas abre espaço para o sonho, para a imaginação. A literatura diz que, apesar de tudo o que a gente enfrenta nos dias de hoje, é possível construir futuro”, defende. 

Se revistar o passado nos ajuda a entender o presente, pode nos ajudar também a construir esse futuro. Um futuro mais justo para todos, em que as diferenças possam ser encaradas como oportunidades de aprendizado e não precisem ser apaziguadas pelo lucro. 

 

(Texto: Naíma Saleh)

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