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Mauricio Santana Dias apresenta “Bambino a Roma”, novo livro de Chico Buarque: “Trata-se de um duplo retorno ao passado”
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“Quando eu estava na escola de artes”, diz o quadrinista Chris Ware nesse vídeo, “me disseram que eu não podia desenhar mulheres. Se você desenhar uma mulher, está colonizando-a com seus olhos.”
Felizmente, esse foi o tipo de advertência que entrou por um ouvido do então jovem quadrinista e saiu pelo outro. Na obra de Ware, há muitas mulheres (mais do que homens, arrisco dizer): mulheres das mais variadas faixas etárias, profissões, personalidades, crenças, cores, criadas com evidente cuidado e complexidade psicológica. Se Ware não tivesse um profundo compromisso com a empatia, provavelmente ia estar há décadas escrevendo sobre quadrinistas esquisitos que comem pizza quadrada com a esposa e a filha. E eu me pergunto o que teríamos ganhado com isso, nesse movimento bobo de tolhermos a criatividade de alguém em nome de um pretenso purismo de representação. Na verdade, seria um movimento antecipado: a gente supõe que Ware vai desenhar gostosas de biquíni com uma vida interior totalmente vazia, e então o aconselhamos a “por favor não colocar no papel suas ideias erradas sobre mulheres”.
Parece que a revolução cultural chinesa começou assim (brincadeira, mas nem tanto).
Eu não estaria escrevendo sobre alteridade e empatia – de tão óbvio que me parece – se não estivéssemos em um momento tão delicado atualmente.
Na mesma semana em que assisti o vídeo do citado quadrinista, leio que a banda Apanhador Só, que esteve no centro de uma polêmica pouco menos de um mês atrás, costuma modificar as letras de suas músicas quando alguma minoria aponta o dedo e se declara ofendida. Foi o caso de “Líquido Preto”, canção de 2013, que teve os versos “pau no cu de quem não quer / dividir esse refri com a minha mulher” considerados homofóbicos por alguns. Virou “Pau no Cunha”. Na mesma canção, a palavra “gorda” foi substituída nos shows por “gordo”, e depois finalmente por “diabético” (que não cabe na métrica, aliás, mas tudo vale em nome da correção politicamente correta).
Há um perigo evidente quando essa tendência à assepsia atinge a arte. Alguns romances com protagonistas brancos-misóginos-de-classe-média, por exemplo, vão receber menos atenção do que mereceriam por sua qualidade literária; outros de menor qualidade serão ovacionados porque representam uma minoria. As discussões, aliás, tendem a não entrar na arte propriamente dita, permanecendo nessa superfície em que se discute com pedras, likes e compartilhamentos a “postura” desse ou daquele artista, bem como os detalhes de sua vida privada – que ninguém consegue realmente acessar, mas sobre a qual, ao mesmo tempo, todo mundo se julga apto a opinar.
Diante desse escancaramento de discursos e dessa simplificação de questões complexas que acontece todo dia na arena virtual, me parece que a arte tem o papel de ainda nos oferecer complexidade, multiplicidade, “treinamento empático”, e talvez até um pouco de incoerência. Se não acabar caindo, claro, na mesma armadilha. Em um passado recente, pareceria ridículo o artista preocupar-se com o fato de sua “mensagem” estar escancarada demais. Hoje, a “mensagem” muitas vezes é a premissa criativa e o argumento vendedor da obra, como parece ser o caso do recente filme de Laís Bodansky, Como nossos pais. Um ótimo filme, aliás, mas cujos piores momentos acontecem quando os diálogos escancaram a preocupação da obra em discutir “a vida da mulher contemporânea”.
Como artista, sinto que meu compromisso é não cair nos discursos engajados – fora da obra de arte tudo bem, mas nunca dentro dela. Não será fácil, mas precisamos ao menos tentar.
Carol Bensimon nasceu em Porto Alegre, em 1982. Publicou Pó de parede em 2008 e, no ano seguinte, a Companhia das Letras lançou seu primeiro romance, Sinuca embaixo d’água (finalista dos prêmios Jabuti e São Paulo de Literatura). Seu último livro, Todos nós adorávamos caubóis, foi lançado em outubro de 2013. Ela contribui para o blog com uma coluna mensal.
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