Mosaico verde

12/12/2017

Aos 33 anos, Alexandre Thomaz foi diagnosticado com um neoplasma maligno no pescoço. Ao começar o agressivo tratamento para curar o câncer, seu médico disse: “não posso receitar, mas você pode tentar maconha, estão fazendo isso no resto do mundo”. Alexandre começou a plantar no seu sítio. Com a maconha, tinha mais apetite, recuperou o peso perdido, dormia melhor. Um dia, a polícia entrou na propriedade, levou suas dez plantas. Thomaz passou anos respondendo na Justiça pelo episódio.

Aos 45 anos, minha tia foi diagnosticada com câncer de útero. Fez quimioterapia e radioterapia mais de uma vez. Eu lembrava de quando eu era criança e de repente a levaram para Houston – o marido e meus avós – para remover um tumor na parótida. Era benigno. Na volta, a família e os amigos a esperavam no salão de festas do meu prédio. Minha mãe ligou o som e Gracias a la vida começou a tocar.

Aos 45 anos, câncer de útero. Eu perguntei: e maconha? Mas a oncologista tinha dito não. Acho que minha tia nunca colocou um baseado na boca. Nem quando foi jovem.

Em 2012, em uma viagem pela Califórnia, eu fui parar sem querer na maior zona produtora de canábis dos Estados Unidos. Isso deve ter sido entre a descoberta do câncer da minha tia e a primeira recidiva.

Ela morreu aos 49 anos.

Em 2014, comecei a ler muito sobre a história da proibição da erva nos Estados Unidos e no mundo, sobre hippies, Califórnia, maconha medicinal. Decidi que queria fazer um romance ambientado naquele lugar ao norte do estado dourado (ou verde?), com um personagem brasileiro que tinha plantado para a mãe doente, tinha sido pego, perdera o emprego, e então havia decidido tentar uma nova vida em outro país. Assim, sem aquela motivação clássica, sem aquele objetivo claro, sem saber, em suma, o que ia encontrar lá.

Como na vida, eu acho.

Por que um romance ambientado na Califórnia?

Porque eu quis e sou livre e sou uma mulher escrevendo e meu romance tem uma capa viril e é legal que ao menos a literatura lembre a gente de que as coisas são complexas, e não um grande embate preto-ou-branco do Facebook? Que a questão da maconha é complexa, famílias são complexas, lugares são cheios de contradições e ambiguidades e relacionamentos são difíceis pra burro?  

A Califórnia nos deu o cinema mais visto do mundo e, com isso, muitas de nossas expectativas coletivas e individuais. Sonhos, para resumir de um jeito cafona. A Califórnia nos deu tanto os hippies quanto Charles Manson. A Califórnia nos deu a Apple, o Uber, o AirBnb, o Tinder. A Califórnia nos deu a popularização da yoga, o budismo mastigado. A Califórnia é o grande supermercado fluorescente da comida orgânica.

Aos 35 anos, Arthur Lopes chega no condado de Mendocino sem saber muito bem o que procura. Como eu, como a vida. Conhece pessoas, pessoas com seus próprios dramas. Tamara, Sylvia, Dusk. A maconha é a liga entre essas histórias ficcionais e reais. Hippies idealistas. Transações em quartos de motel. Magic brownies para pacientes morrendo de AIDS. Romance. Pinot noir, turistas em pousadas caras vendo o sol cair no Pacífico. Uma camadinha de violência que passa quase despercebido, na floresta, sob as sequoias vermelhas milenares.

É sempre sobre procurar. Talvez agora, em O clube dos jardineiros de fumaça, seja sobre procurar e achar.

Aos leitores, espero que gostem desse novo romance. E que seja divertido, envolvente e sensível como foi para mim escrever esse livro e ter a vida toda reconfigurada por ele.

* * * * *

Carol Bensimon nasceu em Porto Alegre, em 1982. Publicou Pó de parede em 2008 e, no ano seguinte, a Companhia das Letras lançou seu primeiro romance, Sinuca embaixo d’água (finalista dos prêmios Jabuti e São Paulo de Literatura). Seu segundo livro, Todos nós adorávamos caubóis, foi lançado em outubro de 2013, e em 2017 lançou O clube dos jardineiros de fumaça. Ela contribui para o blog com uma coluna mensal.

Carol Bensimon

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