Semana da Consciência Negra: Djamila Ribeiro #minhahistoria

20/11/2018

Foto de Marlos Bakker

 

Continuando o especial #minhahistoria, que comemora a Semana da Consciência Negra, publicamos um trecho da introdução de Quem tem medo do feminismo negro?. A autora, Djamila Ribeiro, nasceu em Santos, em 1980. Mestre em filosofia política pela Unifesp e colunista on-line da revista CartaCapital, foi secretária-adjunta da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo. Coordena a coleção Feminismos Plurais, da editora Letramento, pela qual lançou o livro O que é lugar de fala (2017).

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"A máscara do silêncio" (trecho), por Djamila Ribeiro


O feminismo negro não é uma luta meramente identitária, até porque branquitude e masculinidade também são identidades. Pensar feminismos negros é pensar projetos democráticos. Hoje afirmo isso com muita tranquilidade, mas minha experiência de vida foi marcada pelo incômodo de uma incompreensão fundamental. Não que eu buscasse respostas para tudo. Na maior parte da minha infância e adolescência, não tinha consciência de mim. Não sabia por que sentia vergonha de levantar a mão quando a professora fazia uma pergunta já supondo que eu não saberia a resposta. Por que eu ficava isolada na hora do recreio. Por que os meninos diziam na minha cara que não queriam formar par com a “neguinha” na festa junina. Eu me sentia estranha e inadequada, e, na maioria das vezes, fazia as coisas no automático, me esforçando para não ser notada.
Aprendi a jogar xadrez aos seis anos, na União Cultural Brasil?União Soviética, lugar onde os comunistas da cidade de Santos levavam seus filhos para fazer cursos ou para se divertir nos fins de semana. Aos oito, fiquei em terceiro lugar no torneio da cidade. Lembro que senti vergonha durante a premiação, com todas aquelas pessoas me olhando. Meu nome saiu no maior jornal da cidade, e meu pai o mostrava orgulhoso a todos que iam a nossa casa.
Mas todo dia eu tinha que ouvir piadas envolvendo meu cabelo e a cor da minha pele. Lembro que nas aulas de história sentia a orelha queimar com aquela narrativa que reduzia os negros à escravidão, como se não tivessem um passado na África, como se não houvesse existido resistência. Quando aparecia a figura de uma mulher escravizada na cartilha ou no livro, sabia que viriam comentários como “olha a mãe da Djamila aí”. Eu odiava essas aulas ou qualquer menção ao passado escravocrata — me encolhia na carteira tentando me esconder.
Em casa, a situação era outra: eu gostava da atenção, me sentia segura. Soltava meus cabelos crespos, era falante e até pretensiosa. Gostava de ler e brincar, como qualquer criança. No prédio onde cresci, éramos a única família negra. Morávamos no apartamento número 1 e, sempre que alguém fazia uma traquinagem, culpavam “os neguinhos lá da frente”, embora, na maioria das vezes, nem tivéssemos participação no caso. Mas morar no térreo tinha suas vantagens. Foi da janela do meu quarto, que dava para a rua, que ouvi uma conversa entre um dos moradores do prédio e uma vizinha de doze anos. Enquanto regava o pequeno jardim que monopolizava, esse senhor perguntou à menina quando ela iria ao seu apartamento de novo para brincar de sentar no colo dele — evito aqui a expressão que de fato usou por considerá?la ofensiva demais. Contei tudo para minha mãe, e descobriram que não somente aquele senhor abusava dela, mas também o pastor de uma igreja próxima. Houve uma tentativa de me desmentir, argumentando que eu era muito nova e não havia entendido direito, mas depois daquele dia eles quase não foram mais vistos noprédio. A “neguinha lá da frente” tinha se mostrado muito mais esperta do que eles.
 

Leia mais em Quem tem medo do feminismo negro?

 

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