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Mauricio Santana Dias apresenta “Bambino a Roma”, novo livro de Chico Buarque: “Trata-se de um duplo retorno ao passado”
O consagrado tradutor e professor fala sobre o novo romance de Chico, que mistura ficção às memórias da infância do autor
Um ano que começa é uma cigarra. Ele, como ela, quer cantar até morrer, quer cantar inutilmente, sem pensar como ou quando canta, nem o porquê. O canto chega a ensurdecer e zumbe até parar do mesmo jeito como começou, do nada. Quando vamos ver, lá por final de fevereiro, ele está esvaziado, só a carcaça jazendo vazia em cima da mesa de cabeceira. Devagar ou rápido, depende da pessoa e das circunstâncias, o ano vai, de casca oca de cigarra, se transformando em formiga. O corpo morto e ocioso vai ressuscitando em forma de tarefas: preciso, devo, sigo, prossigo, produzo, obedeço. O que antes era labirinto sem portas, caminhos perdidos, vira caminho linear, na direção de um objetivo comum e certeiro: alimentar a rainha e contribuir para a devida construção de um formigueiro sólido e semelhante a todos os outros que estão sendo construídos perto e longe do meu. Ou melhor, do nosso.
Talvez um grilo, no meio do caminho entre uma cigarra e uma formiga, tenha ficado observando o antagonismo entre suas colegas e tenha sorrido com o canto da antena: fêmeas tontas, ou isso ou aquilo, oito ou oitenta, e tenha pensado que as coisas não precisam ser “nem tanto ao mar, nem tanto à terra”. Como no apólogo de Machado de Assis, em que, na competição entre a agulha e a linha, quem vence é o alfinete, que jaz onde o colocam, sem ansiar pela festa nem se orgulhar pelo trabalho bem feito, também o grilo parece se satisfazer com o silêncio sábio de um filósofo e se queda quieto. Talvez o grilo seja o quê, julho, novembro? Esses meses iminentes, em que nem fazemos e nem deixamos de fazer as coisas, cuja grande parte fazemos apenas porque fazemos, sem entender bem o motivo. Afinal, é preciso acordar e fazer: coisas, compromissos, tarefas, compras, cuidados, resoluções, limpezas, organizações. Tudo para, no final do dia, dormirmos satisfeitos: hoje eu fiz. E dizemos ao parceiro: hoje eu fiz. O parceiro responde: que bom, você fez.
O grilo é, também, o dia 12 ou 26 de cada mês, quando já se começou faz algum tempo ou ainda sobra um tanto para o dito final. Um dia meio rede, meio braço de sofá, que não é nem deixa de ser, quando tanto faz organizar uma planilha ou tomar três cervejas. Quem sabe os dois?
Desejo um ano que já comece em junho, terminando em setembro e que depois de setembro recomece agosto, concluindo em março. Desejo que haja mais dias 12 em cada mês. Que não se pense em começar ou terminar e que a gente possa ser uma cigarra que não morra tão logo ou uma formiga que, inopinadamente, prefira um desvio à trilha euclidiana. Que se possa fazer coisas que não servem a nada nem a ninguém e que se possa dormir sem ter “feito” nada.
E que, finalmente, ou melhor, começadamente, em outubro, o fel se aproxime do mel e a gente se liberte do mal.
Noemi Jaffe é escritora, professora e crítica literária. Escreveu Não está mais aqui quem falou, Írisz: as orquídeas e O que os cegos estão sonhando?, entre outros. Dá aulas de escrita em seu espaço, a Escrevedeira.
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