Mergulhar no tempo das cerejas, por Meritxell Hernando Marsal
Meritxell Hernando Marsal compartilha sobre os desafios do processo de tradução de "O tempo das cerejas"
Por Yudith Rosenbaum
Foto do Acervo Clarice Lispector do Instituto Moreira Salles.
O texto a seguir, de Yudith Rosenbaum, foi publicado originalmente na quarta-capa da primeira edição de Clarice,, lançada em 2009 pela Cosac Naify.
“Viver não é vivível”, escreve Clarice Lispector. Para Benjamin Moser, a frase soa como um desafio. Seria possível contar a história de alguém que lutou radicalmente para descobrir “o jeito de ser gente”?
Mas, assim como Clarice não se rendeu à dificuldade de expressar um real sempre rebelde às suas palavras, seu biógrafo americano não desistiu de compreender a indevassável vida dessa ucraniana, brasileira, nordestina e carioca, estrangeira por toda parte. Ao investigar o mundo perdido das raízes russo-judaicas de Clarice, Moser reconstitui o périplo trazendo o retrato de uma época de miséria, fome e violência.
A revelação inédita de episódios brutais vividos pela família antes de chegar ao Brasil, bem com a missão falhada da escritora — “salvar a mãe” da invalidez e da morte — fundamentam a tese do livro. O autor vê na obra a incansável busca mística do judaísmo por uma origem enigmática, pela letra oculta de um Deus que a teria abandonado, busca a que ela jamais renunciou. Daí, talvez, sua famosa frase: “Eu escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria”.
Essa vida “não vivível” ganha um tratamento envolvente e não raro impactante, que enlaça, com fluência, a obra e o cotidiano da “dona de casa que escrevia” a episódios significativos da história do Brasil. Mesmo o leitor já familiarizado com a inquietante personalidade da escritora conhecerá uma Clarice ampliada em seus paradoxos. Para Moser ela escreveu “a maior autobiografia espiritual do século XX”, o que revela o alcance desse estudo original. Ainda que o mistério, o mito e o enigma sigam até hoje silenciados, representa um marco indispensável para quem quiser chegar mais perto da vertiginosa essência de Clarice.
Yudith Rosenbaum é professora doutora da Universidade de São Paulo na área de literatura brasileira, especializada em autores do século XX, como Manuel Bandeira, Clarice Lispector e Guimarães Rosa.
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