Mergulhar no tempo das cerejas, por Meritxell Hernando Marsal
Meritxell Hernando Marsal compartilha sobre os desafios do processo de tradução de "O tempo das cerejas"

Há pessoas que foram importantes em nossas vidas, sem serem íntimas. Pessoas das quais nos afastamos, e só na hora da sua falta sentimos como deveríamos ter lembrado mais do seu significado, acompanhado mais, reconhecido mais. Pois é com esse sentimento de culpa que começo esta homenagem a João Baptista da Costa Aguiar, que acaba de falecer. (Este texto foi escrito domingo, dia 16/04, às 20h30.) Devo a João nada mais, nada menos que a decisão final do nome da Companhia das Letras, que surgiu junto com a sua representação gráfica: os cinco e depois dez logotipos que ele desenhou.
A história – que me perdoem os que já sabem, ou a quem já a contei, talvez mais de uma vez – é a seguinte: uma das primeiras pessoas a saber que eu e a Lili iríamos nos aventurar pelas águas de uma editora própria foi o José Paulo Paes, figura querida, de bondade inigualável. Um dos muitos pais profissionais que tive, Zé Paulo foi um dos primeiros a quem contei dos meus planos e a quem confessei a falta de nome para a nossa aventura. O único que me ocorrera já batizava uma livraria, de um outro amigo meu, e nem era tão bom assim. Quando disse a Zé Paulo que só havia pensado em Timbre para batizar a pequena editora que surgia, ele retrucou:
“Timbre já existe. Que tal, Letras & Companhia?”.
“Está certo, Zé, gostei, mas acho que prefiro Companhia de Letras”, eu retruquei.
O José Paulo fez expressão de nem sim nem não, fazendo-me sentir que saía da sua casa com um quase nome. Porém, de uma coisa eu sabia: que o aspecto gráfico da editora era tão importante quanto o seu nome. E lá fui eu me encontrar com um grupo de amigos capistas, para discutir um possível logo. Dentre os designers eu já havia decidido que Ettore Bottini – que também não está entre nós, já faz tempo – seria quem faria o desenho inicial das capas de acordo com as linhas editorias, e o João Baptista é quem ficaria com o logo. E foi ele quem cravou o nome da editora, sem pestanejar:
“Companhia de Letras é bom, mas Companhia das Letras é muito melhor, e o logo será uma caravela. Precisamos da ideia da viagem, da aventura. Luiz, troque o de por das e teremos um logo e um nome melhores”.
E assim foi pela dificuldade de achar uma caravela que reduzisse bem e se transformasse em logotipo, que resolvemos pedir ao Carlos Matuck que nos emprestasse um livro com calhaus antigos. Folheando esse exemplar, junto com o João, e olhando para aquela enormidade de carros, carruagens, sidecars etc., foi que eu tive a ideia, acolhida com entusiasmo por meu companheiro, de ter um logo mutante, onde o que contava era a ideia da viagem e não apenas uma imagem só.
E o João marcou nossas vidas, de todos que fizemos a Companhia, escolhendo a sua cara, desenhando múltiplos logos premiados, além da feitura de um enorme número de capas, cartazes e embalagens que ajudaram a determinar quem somos até hoje. Foi sem dúvida alguma um dos melhores capistas da história do livro no Brasil.
Depois com o tempo, e ao menos muitas capas depois, paramos de trabalhar juntos, penso que já no final de sua carreira. E não nos vimos e não nos falamos. É cruel, triste e injusto.
Me perdoe a pressa, é a alma dos nossos negócios, cantava Paulinho da Viola, que, se não me engano, era amor comum meu e do João. Mas não tem desculpa. A alma dos nossos negócios não poderia ser tão forte assim. Ou nós deveríamos prestar mais que a alma dos nossos negócios.
Vejam abaixo algumas das obras-primas que só o João Baptista poderia ter realizado para nós. E como o meu silêncio nos últimos anos foi injusto para com ele.
Todos esses logotipos e capas mereciam mais do que minha culpa agora, quando já é tarde demais.




Luiz Schwarcz é editor da Companhia das Letras e autor de Linguagem de sinais, O ar que me falta, entre outros.
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