Mergulhar no tempo das cerejas, por Meritxell Hernando Marsal
Meritxell Hernando Marsal compartilha sobre os desafios do processo de tradução de "O tempo das cerejas"
Nenhum líder do século XX foi mais poderoso do que Stálin. O domínio de Hitler na Alemanha durou doze anos e Mao Tse Tung, na China, não presidiu o surgimento de uma superpotência, com imenso poderio militar. Professor de história em Princeton e considerado um dos maiores especialistas do mundo em história da União Soviética, Stephen Kotkin já dedicou mais de uma década decifrando a esfinge do ditador russo. “O mal torna-se muito mais interessante quando é humanizado. Em vez de condená-lo ou celebrá-lo, a chave é buscar revelá-lo em ação e reunir os detalhes sobre quem ele foi, o que disse, o que fez e o que os outros observaram sobre sua personalidade”, afirmou Kotkin.
O primeiro volume da trilogia escrita por Stephen Kotkin, que chega às livrarias agora pelo selo Objetiva, cobre o período entre 1878, ano de nascimento de Stálin, e 1928. O livro foi finalista do Pulitzer 2015 na categoria biografia e autobiografia. O segundo volume (1929-1941) será publicado nos Estados Unidos em novembro de 2017 e no Brasil está previsto para 2018.
Antes de esmiuçar a intimidade do biografado, Kotkin traça um detalhado panorama do império russo e o modelo geopolítico pré-Revolução Russa. Assim, revela o precioso pano de fundo em que o jovem Stálin cresceu. Ele o descreve como um jovem talentoso, determinado e autodidata. O historiador refuta a tese de que Stálin teria sofrido traumas de infância, o que explicaria as atrocidades cometidas na maturidade. “Stálin parece bem conhecido por nós. Há muito tempo que uma imagem antiga — o pai batia nele; o seminário ortodoxo o oprimiu; ele desenvolveu um ‘complexo de Lênin’ para ultrapassar seu mentor, depois estudou Ivan, o Terrível, e tudo isso levou ao massacre de milhões — é pouco convincente, mesmo em suas versões sofisticadas que combinam análises de cultura política russa e personalidade. A humilhação, de fato, constitui muitas vezes fonte de selvageria, mas não esta claro que Stálin tenha tido a infância predominantemente traumática que lhe costuma ser atribuída”, analisa.
Nesse primeiro volume, Kotkin destaca ainda a personalidade de Piotr Durnovó, ministro do Interior do czar Nicolau II da Rússia. Foi ele o responsável por suprimir a Revolução de 1905 e salvar, ao menos momentaneamente, a dinastia Romanov. Stálin também não vivenciou com profundidade a Primeira Guerra Mundial. Durante a maior parte do conflito, estava na Sibéria, distante, portanto, do desencadeamento dos fatos. O futuro ditador russo se uniu aos revolucionários em março de 1917, ao retornar a São Petersburgo. A partir desse momento, passou a desempenhar um papel crucial na Batalha de Tsarítsin (Stalingrado) em 1918. É quando surgiram os primeiros embates com Trótski. O confronto histórico ganhou impulso após Lênin sofrer uma série de derrames, que o afastaram definitivamente do poder em 1922. Um dos episódios decisivos para compreender o comportamento de Stálin é o controverso Testamento de Lênin, datado de fim de 1922/início de 1923. O documento é considerado fundamental para explicar o sentimento de perseguição e vitimização de Stálin e sua desconfiança de tudo e de todos.
O autor examina a criação por Stálin de uma ditadura pessoal dentro da ditadura bolchevique, e o modo como pôs em prática esse notável poder. Foi Stálin que formou a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, ajudou a fazer funcionar a Nova Política Econômica e explicitou a natureza do leninismo para a massa do partido. Ele não só conseguiu implantar e cultivar um imenso número de fiéis, como também inventou para si o papel de fiel discípulo de Lênin. Seu papel como guardião da ideologia foi tão importante em sua ascensão quanto a força burocrática bruta. Na década de 1920, as plenárias, conferências e congressos do Partido Comunista constituíram o cerne da vida política soviética e da biografia de Stálin; as brigas políticas moldaram não somente seus métodos de governo, mas também seu caráter e sua imagem.
No ano do centenário da Revolução Russa, selecionamos fotos do caderno de imagens que acompanha a edição:

Baionetas do Exército Vermelho celebram a vitória sobre as tropas do barão Piotr Wrangel, as últimas do Exército Branco, Crimeia, 1920.

Stálin e Lênin em Górki, nos arredores de Moscou, setembro de 1922. Fotografia de Maria Uliánova, irmã de Lênin. Stálin fez com que fotos de sua visita fossem publicadas para mostrar a suposta recuperação de Lênin — e sua proximidade com o líder bolchevique. Esta imagem não estava entre as publicadas.

Lênin em Górki, 1923, em uma de suas últimas fotografias, com médico e enfermeira, tirada por Maria Uliánova.

No auge do triunfo, xv Congresso do Partido, dezembro de 1927. À esquerda de Stálin está Minei Gubelman, conhecido como Iemelian Iaroslávski, um pau para toda obra. Antes e depois do congresso, Stálin pediu mais uma vez para ser aliviado do cargo de secretário-geral.

O best-seller de Stálin Sobre Lênin e o leninismo (Moscou, 1924). O domínio da ideologia, e não somente do aparato partidário, forneceu a base para o poder de Stálin.
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